No aniversário do clube, 124 anos de lutas comemorados com a nova estátua do Nunes na Gávea, música da Charanga e muito chope com os amigos, um dos pontos altos foi a menina Marcelle Silva, de Duque de Caxias, fazendo muito machão rir e chorar no Twitter com sua história de luta contra a morte numa cama de hospital.
Portadora de síndrome de Turner, ela passou por poucas e boas até encarar, em 2015, uma sequência de cirurgias barra pesada, com direito a complicações severas. “Fui parar no CTI entubada e por pouco não conheci Jesus antes dele vir treinar o Flamengo”, postou a bem-humorada torcedora, hoje estudante de medicina. Sua sorte? Os médicos, já desenganados, deixaram a mãe ficar com ela por um fim de semana, naquelas horripilantes baias de emergência, e até deixaram usar um celular. Sua mamãe então teve a mãe de todas as ideias, e na tentativa de acalmar a filhota que respirava com dificuldades, botou no celular um jogo do Flamengo. “Só foi ruim porque, entubada, eu não podia gritar gol!”, lembrou a ferinha.
A companhia da mamãe e os jogos do Flamengo foram um bálsamo para a paciente, e depois de 43 dias de internação – 15 só no CTI – a Celle saía do hospital, lépida e fagueira para retornar às arquibancadas.
A história da valente menina me fez lembrar como o Flamengo nos mata e nos maltrata, como mestre Lamartine notou desde o carnaval de 1945, mas também nos salva e nos revigora os ânimos – o que o mestre compositor, claro, sabia, e só não mencionou porque não rimava.
Uma outra historinha, ocorrida há mais de 80 anos, comprova como o futebol rubro-negro sempre foi capaz de salvar a pele dos bons flamengos. No caso, o bom flamengo foi o maior escritor brasileiro de histórias curtas de todos os tempos – o capixaba Rubem Braga.
No livro “Um cigano fazendeiro do ar”, seu biógrafo Marco Antonio de Carvalho recorda a aventura vivida por Braga em 1936, quando o jornalista, então aos 23 anos, tentava deixar o Rio de Janeiro e ir para Minas Gerais trabalhar em paz, longe da vista e do porrete do ditador Getúlio Vargas – cuja polícia estúpida já havia encarcerado o grande romancista Graciliano Ramos e mandado sem defesa nem julgamento para o presídio, onde o mestre alagoano quase morreu desnutrido. Conta aí, mestre Marco Antonio:
“Procurado pela polícia, num momento em que, para viajar, era necessário portar um salvo-conduto expedido pelo governo, Rubem só atravessou a Mantiqueira com uma carteirinha de jogador reserva do Flamengo – e mesmo assim porque o guarda que o interrogou era rubro-negro doente e não queria criar nenhum problema para um companheiro de Domingos da Guia e Leônidas da Silva, recentemente contratados pelo clube da Gávea.” É, amiguinhos, em tempos bicudos, lembrem da lição: carteirinha do Flamengo, não saia de casa sem ela.
Portanto, quando algum desinformado vier lhe dizer que o Flamengo é um clube que ceifa vidas, conte essas duas historinhas, da jovem Celle e do velho Rubem, para o pobre diabo ignorante. São apenas duas entre milhares de episódios similares, claro.
Caso outro boçal venha com mais desinformação, como a velha e errônea máxima de que “na torcida do Flamengo só tem analfabeto”, volte a Rubem Braga, torcedor flamengo de sentar na arquibancada, e desfile a seguinte escalação de craques:
Ari Barroso no gol; Manuel Bandeira, João do Rio, Dias Gomes e Ruy Castro; Luiz Ruffato, Antonio Callado, Mário Filho e o citado doutor Rubem; Zé Lins do Rego e Ziraldo.
Salve a feliz data, Flamengo. Que este Manto Sagrado siga salvando nossos corpos, mentes e almas, séculos e séculos afora.
A torcida tá fazendo pressão pro técnico (aliás quem seria?) desse esquadrão aí convocar uns caras que têm se destacado num blog independente, fazendo uma temporada digna de bola de prata:
Arthur Muhlenberg, um ponta provocador que inferniza os adversários e é o terror da arcoiris.
Jorge Murtinho, um meia clássico, com uma incomum capacidade de reflexão sobre as jogadas e muita objetividade, que faz o dificil parecer simples.
e Marcelo Dunlop, um lateral muito competente, que começou como coadjuvante, mas a cada vez que aparece mostra mais competência e “entrega” sempre ótimos lances.
O povo tá pedindo.
Parabéns a vocês pelo ótimo trabalho no blog.
Uma vez em surto vendi todos os meus velhos livros, livrei a cara de um “Os bares morrem na quarta-feira”, acho que era esse o nome, livro de crônicas do PMC que tenho até hone perdido por aí, Clarice Lispector era apaixonada por ele. Nos fins de semana quando já estava meio calibrado a gente ouvia sua voz ao longe na Cobal do Leblon no périplo que terminava sempre no Degrau, corre a lenda que ele detestava Fómula 1 e no Degrau quando ele já estava perturbando, começavam a falar sobre o assunto. Ele ficava puto e ia embora pra casa.
Dunlop, desculp, não era pra sair aqui e sim em resposta lá embaixo.
Não sei onde eles estão – não sei se botafoguense vai pro céu -, mas não podem colocar a rubrica do “publique-se”. Eu posso.
Num dos semanais almoços dominicais da família, dividida, porém irmanada, entre João Saldanha, Renato Estellita e seus 2 filhos, de um lado, e meu pai, Zequinha Estellita e eu, do outro. João (primo da minha mãe) tinha sido treinador e tio Renato (irmão do meu pai) o diretor de futebol. As discussões – debate é o caralho! – eram sempre acaloradas. Qual o melhor time, jogador por jogador, posição por posição. Nós tínhamos Pavão, Jadir, Jordan, Dequinha, Dida, Henrique, Evaristo, Benitez, Zagalo, tudo craque; eles, Nilton Santos, Didi, Garrincha. Quarentinha (eu odiava o Quarentinha), Paulo Valentim e outros perebas.
Pra quem não conheceu o João fora dos holofotes deve imaginar que ele era o mesmo tipo sanguíneo e polêmico, mas não, era o apaziguador dos irmãos (meu pai e tio Renato) que batiam nariz com nariz e ficavam roucos de tanto defenderem seus times, enaltecendo suas qualidades e escondendo seus defeitos.
Numa dessas, depois de muitos perdigotos ao léu e conclusão nenhuma, tio Renato, sempre ousado e provocador, resolve pisar em terreno que não deveria: comparar torcidas.
Foi então que João meteu a colher rapidinho e encerrou o assunto: “Peraí, Renato; com a bola rolando, sou mais a gente, mas na arquibancada, não tem pra ninguém, a torcida do Flamengo não tem igual.” Até então eu, pré-adolescente e frequentador das cadeiras perpétuas, não tinha me dado conta da grandeza da torcida do Flamengo. Dali em diante a paixão só cresceu, como agora, nos últimos dias, quando vi uma série de vídeos de novas músicas rubro-negras que me levaram às lágrimas de alegria e ao sentimento de orgulho de ser rubro-negro desde as fraldas.
srn p&a
Sensacional o depoimento, amigo Renato! Há algumas crônicas em que João Sem Medo destaca a torcida rubro-negra. Uma delas: “A bandeira mais bonita”, num dos livros dele. Por sinal, passei boas férias no México (depois eu conto) e parece que vem de lá a origem do apelido do grande Saldanha, o Mauro Cezar dos anos 1960 – João Sem Medo ao que parece era um destemido toureiro nas arenas mexicanas, que virou filme e os cacete. SRN!
O Dunlop vive contando histórias rubro negras maravilhosas!
Essa escalação então é um privilégio pra poucos, aliás, pra muitos. A Nação não é para principiantes.
Como sou meio velhinho, sou do tempo que o Yustrich ameaçava dar porrada em quem fizesse corpo mole. Hoje tem o Jesus quase infartando a beira do gramado.
O quarto zagueiro da minha adolescência era gringo como o Marí, o Reyes.
Depois apareceu uma dupla nas divisões inferiores que prometia o céu, o Assoviador foi mesmo pro céu, o Galinho levou todos nós aos céus.
Parece que estamos ascendendo de novo.
Todo mundo tem o seu Flamengo de memória.
Histórias de uma nação orgulhosa!
Perfeito, mestre Ricardo. “Comemorar” vem do latim “commemorare”, ou lembrar em conjunto. Por isso não existe celebrar aniversário sozinho. Lindas lembranças, e feliz 124 anos!
Amém.
Não só o Rubem Braga, tem o Paulo Mendes Campos também: https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/7112/salvo-pelo-flamengo
PMC era foguinho.
Demais essa crônica, topi dez de todos os tempos? Topi três?
O João Pato do Leblon conta uma outra ótima do Paulo Mendes Campos, que viu a filha virar nadadora do Flamengo e se mordia com isso – a própria filha ostentando a sagrada carteirinha rubro-negra!
SRN
Uma vez em surto vendi todos os meus velhos livros, livrei a cara de um “Os bares morrem na quarta-feira”, acho que era esse o nome, livro de crônicas do PMC que tenho até hone perdido por aí, Clarice Lispector era apaixonada por ele. Nos fins de semana quando já estava meio calibrado a gente ouvia sua voz ao longe na Cobal do Leblon no périplo que terminava sempre no Degrau, corre a lenda que ele detestava Fómula 1 e no Degrau quando ele já estava perturbando, começavam a falar sobre o assunto. Ele ficava puto e ia embora pra casa.
HAHAHAHAHAHHAHA… Bom antídoto contra bebuns.