Ultimamente o Flamengo anda polêmico e tem dividido seus seguidores em facções ensandecidas pelas questões mais comezinhas. O desentendimento brota naturalmente em qualquer assunto, desde a conveniência de estampar no Manto a marca de um patrocinador excessivamente identificado com a canalha governista, e cheio de flagrante na Receita e na Justiça do Trabalho, ao uso indiscriminado do calção preto, passando, é claro, por Arão na zaga e uma amalucada proposta pra ter público nas finais do Carioca.

Pra manter a coerência, polêmico foi o Flamengo em seu passeio ao Chile pra jogar com o La Calera. Na verdade, foi bizarro, o time não jogava tão mal desde aquele jogo com a vasca pós feijoada. Flamengo entrou todo lindo com seu segundo uniforme, mas não adiantou nada, mais uma vez a imperícia no cara-ou-coroa nos fez atacar pro lado errado pela terceira vez seguida. Tá realmente complicado esse desrespeito constante às tradições.

Flamengo não chutava de jeito nenhum, posse de bola sem gol é como ostentação sem renda ou patrimônio, coisa de otário. Os chile, que são uns coitadinhos, foram duas vezes lá a frente e metero dois gols em dois vacilos. Primeiro a água bateu na bunda com o Bruno Viana, nosso garoto propaganda do Delivery Express, dando tudo de si pra entregar a paçoca e quebrando o cabaço do amigo Gabriel Batista na Liberta. Depois foi o Arão cometendo a maior das trairagens e jogando o balão dentro do nosso próprio gol.

Nesse ponto, com a bunda já totalmente submersa, os cara resolveram dar um gászinho. Mas não era o dia de quase ninguém. Diego, maior disposição, correndo a pampa, segurando a bola e girando que nem um desesperado, arrumou nada. Arrascaeta em uma noite de Rodriguinho, uma das suas atuações mais chãs com a camisa do Flamengo. Bruno Henrique continua em busca do mojo perdido e Everton Ribeiro ainda com muitas sequelas do transe cataléptico que o imobilizou por vários jogos.

Assim, com quase todo mundo de chico, sobrou o João Gomes, que não comprometeu, mas também não brilhou, e Gabigol, mais isolado que Robinson Crusoé numa ilha deserta sem radinho de pilha. Mas os cara lutaram contras as cólicas e conseguiram engendrar umas jogadinhas. Graças a intervenção oportuna e providencial de São José Roberto Wright numa delas empurraram o Ribeiro dentro da área, pênalti claro, bola na cal, Gabigol, eficiência total. Antes do primeiro tempo acabar ainda rolaram umas chances, mas fomos pro vestiário derrotados.

No segundo tempo o La Calera desistiu, assumiu que é timinho mesmo e ficou de cai-cai e bicudas loucas desde o primeiro minuto. O Flamengo aumentou ainda mais a posse de bola, deu pressão nos cara e num escanteio o Arão empatou, zerando seu débito. Dava tempo pra fazer mais uns três ou quatro gols, mas não fizeram. O Ceni ainda deu uma mexida cojonuda, tirou Gomes e botou Pedro, tirou beque e botou ala, tentou a vitória, não foi cagão. Mas coragem sem preparo é só bravata.

O time tá todo meio torto desde que Rodrigo Caio machucou e Arão foi pra zaga. O que criou um paradoxo analítico. Elogiaram o Rogerio por ter arrecuado o Arão pra zaga e trazido o Diego pra meia. Era a sua assinatura distintiva no time canônico de Jesus, o principal display tático do cenismo. Bora dar moral pro Ceni, o cara é campeão brasileiro. Palmas pra mexida guardioliana.

Isso automaticamente obrigou a todos os pelasaco a elogiar o Arão como zagueiro. Beleza, é o jogo jogado das narrativas esportivas. E o Arão, mesmo sem diploma, não tem jogado mal ali atrás. Até um arrombado de um zé planilha mandar um excel provando com números que depois que o Arão virou beque o Flamengo toma gol até no intervalo. Olha que problemão.

A verdade é que, tirando o gol contra, a culpa direta e nominal do Arão pela cacetada de gols que o Flamengo vem tomando em todos os jogos deve ser atenuada pelo fato dele jogar no improviso. E tá jogando em dupla sempre com um zagueiro merda e com o Diego improvisado na função de contenção que nunca foi a dele. Aí o Gerson tem que ir pro outro lado, o Ribeiro tem que mudar o posicionamento, o BH tem que abrir e o Filipe Luiz ocupar o meio, enfim, a mexida zoneou a parada toda.

Não é implicância identificar alguns preocupantes traços de um domenequismo incipiente nas escolhas de Ceni. Tá faltando ao jovem professor aquele amigo de fé, irmão camarada, pra dizer pra ele segurar um pouco a onda e parar de inventar. Invenção por si só não quer dizer nada, invenção só tem sentido se for pra melhorar a vida da humanidade, se a invenção for fazer a vida pior é melhor deixar como estava.

O Flamengo já tem seu estilo, joga pra frente, com marcação alta, fica com a bola e quando perde fica mordendo os caras lá no campo de defesa deles. Foi jogando assim que o Flamengo se reencontrou. Só que jogando assim se rolar erro individual o castigo é certo. Por isso que não pode ter pereba no elenco de jeito nenhum, porque um dia eles acabam jogando. E eles tem jogado sempre e tem errado muito. A cada dia que passa fica mais claro que ter vendido Thuler e Natan não foi o negócio mais esperto do mundo.

E ainda tem outra coisa, ser ofensivo, jogar no ataque, sem medo, implica em maior risco de tomar uns gols de vez em quando jogando contra grandes equipes. Tá tranquilo, é um preço que pagamos na boa pra ver o Flamengo jogando um futebol que agrade aos sentidos. Mas tomar dois gols de boca aberta dos cara mortinho do La Calera é muito grave. Pra quem só tá vendo o jogo pela TV, que é mais ou menos 99,99% da torcida, a impressão é que tá ruim demais o trabalho defensivo do Rogério.

Agora, cá pra nós, não deixa de ser meio cômico o povo bem vestido afetando profunda indignação com o Flamengo empatando um jogo fora de casa e liderando seu grupo na Liberta. Novo rico é assim mesmo. Há cinco anos a gente nem sabia o que era jogar Libertadores. É normal uma ligeira frustração, afinal, queríamos resolver essa encrenca continental logo pra focar no Hexa TRI. Mas sem xiliques, empatar jogo fora na Libertadores nunca foi ruim, por mais vagabundo que seja o outro time. Na Liberta vencer fora de casa é a exceção, não a regra.

Como somos naturalmente presepeiros tava todo mundo querendo que o Flamengo fizesse 18 pontos na fase de grupos pra mostrar pra geral que nós somos os foda. Só que os times argentinos, que são coperos mesmo e tão sempre chegando nas semis, nos ensinam todo ano que fase de grupos é pra se classificar e ficar de migué. Nos mata-mata é que se mostra o jogo. Com efeito, ano passado fizemos 15 pontos na fase de grupos e se fudemo no Maracanã. Não se pode nunca esquecer que Libertadores da América é basicamente tragédia, injustiça e ilusões destruídas, a não ser quando não é.

O legal de ver a torcida do Flamengo revoltada com um empate apenas ruim e não catastrófico é que está claro que o rubro-negro assimilou e incorporou o que a mensagem de Jesus tem de mais bonita e edificante: “Tem que ganhar de todo mundo, caralho!!”

Para efeitos meramente contábeis vamos considerar que esse empate sem vergonha foi o vexame anual do Flamengo na fase de grupos da Libertadores. Talvez o pior já tenha passado. Compostura, mulambada. Sapato, sapato, sapato.

Mengão Sempre