Ora ora, e afinal, o que aprendemos na longa e tenebrosa noite de terça-feira no Maracanã?

Primeiro, que nem os festejos para os 70 anos de Zico comoveram nossos rapazes, que não aliviaram o coração dos velhinhos no estádio.

Depois, que nossas torcidas uniformizadas unidas são mesmo uma parada dura – dez, nota dez, ao menos no quesito bateria. Em harmonia e samba-enredo, porém, estamos ainda longe da nota máxima, muito pela falta de renovação no repertório. Ô Nação, que tal uma versão poderosa de “Fio Maravilha”, “Engenho de Dentro” (“Olha aí, meu bem…”)  ou qualquer sucesso do supremo flamengo Jorge Benjor?

Mas houve tempo ainda para uma óbvia e cristalina lição, que muita gente notou – a de que só George Bernard Shaw foi capaz de explicar o Flamengo.

“Mas chefia”, sou capaz de ouvir já o Montanha, icônico e gentil segurança da Gávea, “Bernard Shaw não foi um genial pensador irlandês, uma das raras mentes a levar para casa um Oscar e um Nobel, este em 1925? Como ele poderia explicar o Flamengo se não viu sequer uma partida do clube, ou mesmo uma regata vitoriosa do rubro-negro?”

Pois é fato. E ele o fez com uma única e singela frase, como só os gênios são capazes. Escreveu Shaw:

“Imagine uma vida inteira de felicidade! Ninguém conseguiria suportar. Seria o Inferno na Terra.”

Sim, o Inferno! O Inferno! Imagine uma vida sem altos e baixos, com dinheiro e tempo sobrando só para ler crônicas como esta; você não suportaria. Percebe agora como tal preceito de Bernard Shaw guia e influi as mentes superiores do clube? Tenho para mim que há até mesmo um quadrinho com esta citação do dramaturgo irlandês atrás da cadeira de algum diretor. Dá até para imaginar as reuniões:

– Senhores, o planejamento segue a contento, de vento em popa! Vencemos mais uma Libertadores, continuamos a revelar jovens talentos e a trazer craques. E o dinheiro não para de brotar.

– O que faremos? Precisamos agir rápido.

– Exatamente. Urge zerar o trabalho e recomeçar do nada. Demitir o técnico, dissolver a comissão técnica, dar gordas férias para o plantel, quem sabe sumir com as bolas e trancafiar o CT. É preciso tirar um pouco o foco de vitórias, vitórias, vitórias. Lembrem de Xó!

– Desculpem-me, sou novo na equipe. Lembrar de quem?

– Jorge Bernardo Xó, meu filho. O taumaturgo. Ou demiurgo? Enfim, o profeta que enxergou que ninguém suportaria uma vida inteira de felicidades. Espia a frase dele aqui atrás. Já imaginou o Flamengo passar 80, 90 jogos sem tropeçar? O Flamengo bicampeão mundial? De início, seria o paraíso. Com o tempo, porém… Perderíamos a humildade e a vergonha, jogaríamos sem élan nem afinco. As consequências seriam funestas: estádios mudos, relaxamento nas divisões de base, desperdício de inúmeros talentos, guerra de egos, falência. O Inferno. Sem ambições e em meio ao caos, terminaríamos fazendo jogo duro com um Curicó Unido numa Sula da vida. E até o flerte com o rebaixamento seria… Ei, aonde vai, meu jovem?

– Dissolver a comissão técnica é pouco! Vou lá expulsar todo mundo a pauladas. Quem vem comigo?

– Boraaa, porra! Pega o “direitos humanos” ali no canto!

Mas a verdade, minha amiga flamenga e meu irmão flamengo, é que o escritor irlandês não ligava nada para esportes. O que não o impediu de tecer outras frases valiosas para o torcedor. Tal como: “A vida é muito curta para ser levada a sério.”

Assim como a Recopa, mister Shaw.