Há lugares de que me lembro toda minha vida, apesar de algumas coisas terem mudado. Algumas para sempre, não para melhor. Algumas se foram e algumas permanecem. E um desses lugares que permanecem e continua melhorando é a torcida do Flamengo.
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A ida do Flamengo ao Piauí foi um evento religioso, de acordo com o entendimento que religião é todo sistema sociocultural de comportamentos e práticas, moralidades, crenças, visões de mundo e lugares santificados. Para quem é fiel, o Flamengo não se desloca, o Flamengo promove procissões, círios e romarias.
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Note que os lugares santificados pelos fiéis rubro-negros não são todos aqueles gramados onde o onze flamengo desfila seu garbo ímpar, mas sim qualquer canto do mundo onde estiverem dois ou mais mulambos em comunhão. A multiplicação frenética desses mulambos em comunhão que vimos em Teresina é da mesma natureza dos milagres do surgimento da vida na Terra.
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Lá pra cima da Bahia o frisson que o Flamengo precipita só encontra paralelo na histeria e descontrole provocado pelos quatro cabeludos de Liverpool nos velhos tempos da Beatlemania. A flamengada ensandecida perseguindo o ônibus do Flamengo lembra muito aquelas correrias das garotas berrando atrás de John, Paul, George e Ringo no clássico Help de Richard Lester. Tudo manifestação do amor.
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É apenas amor
E isso é tudo
Por que deveria me sentir
Do jeito que sinto?
É apenas amor
E isso é tudo
Mas é tão difícil
Amar você
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Na Copa do Brasil, ainda mais em suas fases embrionárias, é mais importante a jornada que o objetivo. O Flamengo estar junto ao seu povo, se religando (segundo Santo Agostinho de Hipona, a origem etimológica da palavra religião é o termo latino religare) às fontes de amor infinitas, valia muito mais do que qualquer resultado. Não que o Flamengo estivesse autorizado a não vencer, mas as exigências cotidianas por um futebol de qualidade podiam ser momentaneamente deixadas de lado diante da transcendência do evento.
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Verdade que não precisava deixar tão de lado assim, o Flamengo jogou mal pra burro. Bastante desfigurado pelas ausências, o Flamengo estreou Aírton Lucas na ala esquerda e Paulo Sousa aproveitou o feriado pra colocar vários moleques na pista, dando mais uma demonstração inequívoca que está pensando o Flamengo no médio e longo prazo. Turn off your mind, relax and float down stream. It is not dying
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E os moleques foram o que de melhor aconteceu no gramado. João Gomes e Lázaro já estão consolidados, tem jogado a cada dia com mais confiança. Daniel Cabral, Igor Jesus, Marcos Paulo, Vitor Hugo e Petterson começaram as suas trajetórias e já foram pro livro dos caras que jogaram pelo time de cima do Flamengo. A couple of kids running in the yard. Parabéns pros crias.
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O jogo tava bem mixuruca até que o amigo Manuel do Altos meteuli uma bicicleta depois de linda assistência de Bruno Henrique. Bike toda certinha, a bola foi lá no inalcançável e manteve a média macabra do Santos tomar gol todo jogo. Que beleza. Até então o Flamengo tinha feito nada e a principal jogada do time era a bicuda a esmo lá pra frente pra ver se Pedro arrumava alguma encrenca. Uma indigência tática muito comovente. Don’t let me down, Flamengo.
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Os efeitos benéficos das moléculas de hidrogênio e oxigênio quando combinadas em contato com a região do glúteo máximo são bem conhecidos pelos estudiosos do esporte. Depois que os caras do Altos fizeram o gol que ninguém esperava o Flamengo despertou de seu torpor e foi correr atrás do preju. Bruno Henrique, se redimindo da cagada que fez na cozinha, ganhou uma disputa no corpo e partiu pra área, viu o Pedro entrando no agrião e mandou o cruze rasteiro perfeito. Etapa de equalização concluída.
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Animadinho, o Flamengo deu até umas perturbadas no Altos, exigiu o goleiro deles e numa cobrança de falta do David Luiz que bateu nos dois postes o Vítor Hugo achou uma letra e tocou pro João Gomes garantir a honra da firma e a alegria completa da torcida presente que mereceu muito a vitória. And somebody spoke, and I went into a dream (Aah, aah, aah, aah). Ganhamo no sufoco, no perrenguinho, mas também gostoso demais. Os amigos que foram ao estádio puderam curtir uma experiência flamenga completa. Bom pra eles.
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Essa torcida, ao contrário do que dizem os sábios, não é o maior patrimônio do Flamengo. É o único, todo o resto, time, sede, quadro social, garagem dos barcos, é tudo passageiro, transitório, impermanente, efêmero, fugaz e finito. Só o amor da torcida é eterno e autossustentável. Às vezes parece que o Flamengo duvida desse amor da torcida, o que além de ser uma tremenda insegurança, é uma inútil perda de tempo.
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Presta atenção nessa letra, Flamengo. Ela te ama, sim, sim, sim. Você achou que perdeu seu amor. Bem, eu a vi ontem, é em você que ela está pensando. E ela me disse o que dizer. Ela disse que te ama. E você sabe que isso não pode ser ruim. Sim, ela te ama e você sabe que deveria estar feliz. Ela disse que você a magoou, que ela quase perdeu a cabeça. E agora ela disse que sabe que você não é do tipo que machuca.
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Bom, Flamengo, o papo foi dado. Acabou o espaço pra frouxidão. Foi a última mamãezada do ano. Tá na hora de começar a machucar. Sabemos que o Flamengo é gente como a gente, tudo que ele precisa é de amor. Amor é tudo que ele precisa. Mas no fim, o amor que você leva é igual ao amor que você faz.
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Mengão Sempre
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Arthur espetacular como sempre, tocando naquilo que é mais profundo e realmente importa. Nosso verdadeiro patrimonio é a torcida, aquela que faz uma gigantesca carreata lá em Tefe-AM quando o time ganha a Taca GB, mesmo tendo perdido metade do jogo porque faltou energia elétrica. Mas infelizmente, os capa-pretas do clube parecem não entender isso — ou ignoram de proposito. Vejo a imprensa discutindo técnico e toda a sorte de tecnicalidades, e os instagramers causando tumulto em troca de likes. Mas na minha opinião, poucos abordam o que realmente é o problema maior: a gestão provinciana de uma organização esportiva com mais de 40 milhões de torcedores, com receita de mais de um bilhão de reais, detentora de dezenas de títulos e recordes esportivos, mas que continua sendo tocada como um clube social pseudo-chique, destinado a uma elitezinha tacanha da Zona Sul do RJ. Os dirigentes e os beneméritos parecem não ter entendido que os tempos mudaram, que o mundo não é mais o RJ dos anos 70, e que devido ao bom momento financeiro do clube — temos uma janela de oportunidades aberta única. Essa é talvez a grande chance de transformar o Flamengo para sempre e deixar de viver de solavanco em solavanco, de escândalo em escândalo, de mico em mico. Um clube como esse não era para estar trocando de técnico a cada seis meses. Merecia uma gestão profissional e não diretores que ocupam cargos políticos e empregam membros de torcidas organizadas em seus gabinetes. Ou um presidente que ignora tragedias como a dos meninos do ninho e fecha o clube ainda mais para um pequeno grupo de quatrocentões falidos. O Flamengo está perdendo a sua maior oportunidade histórica de se transformar para sempre numa organização de excelência e fazer jus ao amor incondicional oferecido por nosso povo sofrido. Mas parece que nem os dirigentes, nem a imprensa especializada perceberam isso.
Não sei o que pensar mais sobre o Flamengo. A montanha russa de vitórias e derrotas, a campanha de primeiro lugar na Liberta e de rebaixado no Brasileiro, o vai e vem sobre o técnico. Quer dizer, tudo isso é normal. Mas como o Arthur parou de escrever, eu deixei de ter uma opinião sobre tudo isso.
Como não tem (infelizmente) crônica nova, comento nessa mesmo.
Só pra dizer que a pusilanimidade e a omissão dessa “diretoria” é algo assustador.
Esse clube tem presidente? Pergunto isso porque ele é o que não se vê. Sumiu! E, não vendo, não se pode ter certeza se ele existe ou não.
O resto, técnico, comissão técnica, departamento médico e gerência de futebol, isso a gente vê. E por isso, sabe que NÃO tem.
Imaginar que o Flamengo está entregue a essa “gente” no seu (até aqui) auge econômico, faturando mais de 1 bilhão por ano, é de preocupar até monge budista.
O “presidente” segue qual avestruz, com a cabeça enfiada na areia, sem se dar conta de que, ao fazê-lo, deixa o fiofó exposto…
Vejam se não existe lógica: Todos os times que ficaram dominantes durante um tempo, foram destruídos ou se perderam de forma melancólica e sem títulos importantes após, vide 79-83 e agora 2019-2022, um término que só seria diferente, se as atitudes dos gestores fosse diferente, em 84 como agora, a mesma, ou seja, novos tempos de escuridão…Socorro Jesus!!!!
Vou escrever sobre outro assunto, evidentemente ligado ao futebol.
Thiago Alcântara.
Por favor, leiam o enorme artigo constante do BBC Football sobre ele.
Se não é o número 1 do mundo atualmente, certamente o é na sua posição.
E os babacas da CBF deixaram esse craque se tornar espanhol, preferindo o irmão, incomparavelmente mais fraco.
Thiago nasceu na Itália (ouvi dizer), mas nasceu brasileiro.
FIlho do campeão mundial Mazinho (daquela seleçãozinha mequetrefe de 1994) se não tem, teria, com total facilidade a cidadania brasileira.
Aliás cidadania é algo que não interessa aos mandões da FIFA.
De toda maneira é lamentável que não possa ser aproveitado na nossa Seleção.
Pelo que se sabe, eles preferem o Fred. Ora, o Fred !!!!!
SRN
FLAMENGO SEMPRE
Escrevi um comentário.
Sumiu !
Estou com preguiiça de escrever outro.
Não é a primeira vez.
Esclarecendo – as palmas são para o excepcional comentário do Rasiko, bem embaixo do meu, quero crer.
Vamos agora a umas mal traçadas linhas …
O nosso Grão Mestre está muito ocupado para escrever um novo artigo.
Tem uma excelente série no Canal Brasil – 650 – a respeito do jogo do bicho e seu envolvimento com a criminalidade maior, por sinal tema que me apaixona, do qual ele é um dos dois roteiristas;
Já passaram três do quatro capítulos, sempre às 22.30 de sexta-feira.
Quatro capítulos previstos, mas a família Andrade é fogo na roupa.
Já surgiu um novo imbroglio, desta vez até envolvendo (cada entre nós, como sempre) alguns policiais, sendo que uma Delegada extrapolou.
Não é que a danada tinha, na sua casa, duas milhas das grandes, escondidas em sacolas de grifes finas.
Acho que o Arthur já está escrevendo, de uma hora para outra, o quinto capítulo.
Daí, o blog, coitadinho, fica por nossa conta.
O Rasiko escreveu tudo.
Para acrescentar, mais um fracasso.
Fica todo mundo criticando o técnico, mas, na minha opinião, os maiores culpados estão na Diretoria, no Departamento Médico e dentro do campo.
Falar mal do Hugo, do Isla, do Rodinei, do David Luiz, do Filipe Luiz e de tantos outros que vêm, seguidamente, entregando a paçoca é fácil.
Cada entre nós, onde andam os craques do time ?
Tirando o Arrascaeta, que quase sempre se salva, cadê o Everton Ribeiro, o Bruno Henrique e, principalmente, o Gabigol.
No tocante à Diretoria, que esmero espetacular em contratar jogador bichado.
Fabrício Bruno, Pablo, Airton Lucas, Marinho, além dos frequentadores assíduos do DM, como o Rodrigo Caio, que, positivamente, voltou sem condições ideais. Um crime fizeram com esse rapaz.
No mais, esta semana dois jogos bem fáceis.
Católica e Goiás.
Pra tirar o pé da lama e partirmos para a conquista da Libertadores e do Brasileirão.
Com Paulo Sousa e tudo.
Otimistas SRN
FLAMENGO SEMPRE