“É esperto, astuto e raramente enganado, o compadre Urubu das fábulas brasileiras”. Quem afirma isso não sou eu, e sim um dos mais cascudos escritores do país, o Luís da Câmara, em seu “Dicionário do folclore brasileiro”.
Pois, desde a quarta-feira, ando pensando em processar o Câmara Cascudo e todos os criadores e cantadores do nosso folclore, por propagarem tamanha “feique nius”. Na Libertadores da América, ao menos, não há mais quem não leve o Urubu na conversa.
Que desdita será essa que nos faz voar baixo por diversas rodadas, nos mais variados torneios, mas que na Libertadores faz o Urubu Rei sair depenado, como se fosse uma reles Cambaxirra?
Alguma maldição deve haver, e tratei de mergulhar nos velhos alfarrábios de autores clássicos do nosso folclore, como Henriqueta Lisboa, Sílvio Romero e Rolando Boldrin, para ver se bicava com uma antiga lenda que justificasse os sucessivos malogros do Urubu Campeiro à beira do rio Maracanã.
Até que encontrei, num pergaminho apócrifo meio puído, a seguinte fábula cheia de significados obscuros. Senta que lá vem.
Diz-se que antigamente, num tempo em que somente os bichos povoavam a Terra, o Rei das Selvas encontrava-se furibundo. A culpa era do compadre Urubu, que munido de pandeiro e viola e o que é pior, primos, armava as mais ruidosas festas na floresta (bobeou, já sabe).
É que o time do Urubu era o maioral, ganhava de todos os outros na bola e ainda por cima não deixava ninguém dormir depois de mais uma taça. A gota d’água foi o título mundial interflorestal, que obrigou a bicharada a marcar uma reunião às pressas:
– Não aguento mais esse bando de galinha preta e sua torcida barulhenta! – rosnou o Leão, a juba eriçada.
– Nem nós, Rei! Nem nós. Corvos! – disse a Raposa, liderando um bando onde se via também o Gavião, o Porco, o Galo e alguns cervídeos. O Bacalhau e a Baleia, ausentes, mandaram o bicudo Íbis como representante.
– E aquele Zico? – gralhou a Coruja – Vive mandando a bola lá onde eu durmo, já estou que não me aguento de olheiras…
Um Mandrião disfarçado de Canarinho intercedeu:
– Senhores, o Urubu anda pousando na nossa sorte. É uma espécie cada vez mais numerosa, e o sucesso deles é uma ameaça até para nós, os verde-e-amarelos. É uma questão de poder! Acreditam que a cada dia vendemos menos camisas? Onde isso vai parar?
– Pois é. E não aguento mais tomar pau deles – disse o Leão, que além de estourado (pernambucano, sacumé) também era goleiro.
Ouviu-se um sotaque engraçado, e um Condor e uma Águia mexicana bradaram:
– Apoyado! Apoyado! Los abutres rojos y negros son insuportables….
– Que tal passar piche nas asas do Urubu? – sugeriu o Castor, que naquelas priscas eras adorava liderar uma tramoia.
E tome discussão. Que o Urubu fosse o bicho que voasse melhor e mais alto, tudo bem, todos aceitavam. Mas tirar onda todo ano, até o fim dos tempos, aí era demais. Começaram então a bolar as mais sórdidas mancomunações contra nosso herói emplumado.
– Podíamos criar uns campeonatos cheios de módulos e mudar o regulamento no meio, que tal seu Leão?
– Manjado demais. E todos vão perceber. Alguma outra ideia?
– Que tal um torneio cheio de árbitros manipuláveis? Podia se chamar selva-selva. Ou mata-mata…
– Por que não entregar o Maracanã para uns empresários inescrupulosos e carcar no Urubu na hora dos custos e preços? Digamos, só de holofote e iluminação os caras poderiam exigir, por jogo, uns 180 mil cobres!
– O que tem eu? – disse a Cobrinha.
– Nada, estou falando de 180 mil pratas. Arames. Capins.
– Hmmm… Curti – salivou o Boi.
– Que tal acabar com o Maracanã? Ou ao menos inventarmos uma série ininterrupta de reformas? A gente inventa um Pan, faz uma obra. Depois uma Copa, nova obra. Visita do Papa? Obra. Concerto da Galinha Pintadinha? Mais uma obra, com todo respeito à nossa irmã aqui do show-business. O principal é manter o povo afastado do estádio. Se conseguirmos vetar os bumbos e bandeiras, perfeito!
– Apoiado! Apoiado! Apoyado, arriba!
Só com o tempo a conspiração de fato atingiu a perfeição, por meio de uma medida baixíssima: certos animais empurraram para o desavisado Urubu os cartolas mais ineptos e vaidosos da história do futebol, capazes de desmontar times espetaculares e encher o Urubu de dívidas. E o torcedor só no osso…
(A coisa chegou num tal ponto que a lagoa, onde o Urubu e seus filhotes se banhavam, passou a perder quase mil litros diários de água, com toalhas e mais toalhas para tentar tapar o buraco. Calamidade!)
– Bichos! – disse o Rei dos Animais, tempos depois – Nosso plano está dando certo. Agora é continuar garantindo que o Urubu não ganhe nenhum torneio nacional e que seu centro de treinamento continue às traças!
– Estamos aqui, pode deixar, chefia – disseram as larvinhas, comendo um livro do Ruy Castro.
– Ótimo! Por onde andam, só para garantir, o Bichinho do oba-oba e os Sanguessugas? Quero todos de plantão!
A saparia até que tentou avisar o amigo alado, mas quedê que o Urubu se tocava? Qual nada. Seguia dedilhando a viola de papo para o ar, pegando seu bronze em torno do sol, satisfeito com as migalhas que beliscava…
Moral da história: malandro era o Lamartine, que desde 1944 deixou claro de que modo o Flamengo nos trataria, nos versos “ele me mata, me maltrata, me arrebata”, no único trecho de hino sadomasoquista da história do esporte mundial. Se o torcedor teima e segue lá, com o olhar rútilo e os pés fincados no cimento, é porque não existe nesse mundo nada melhor do que o velho prazer de vê-lo brilhar.
Outra moral: Ave que morre de véspera é o Peru, não ferra. Para cima deles, dom Urubu!
Não sei o que aconteceu com o meu último comentário em que eu dizia que baixou a nostalgia nimim e recomendava “Urubu malandro” na voz de Ademilde Fonseca e na flauta do gênio Pixinguinha. Se falei algo indevido, gostaria de saber.
Salve Beldroegas, sua mensagem caiu no spam, por algum motivo. Deve ter sido pelo peso excessivo do músico citado. Eis aí! https://www.youtube.com/watch?v=zbIGf2gIwZU
Estou com João Neto, urubu malandro não existe mais, mas como hoje é domingo, pede cachimbo, baixou nostagia ni mim, e ressuscitei o urubu malandro: no gogó da inimitável Ademilde Fonseca e na flauta do gênio Pixinguinha. Estão por aí em qualquer youtube ou google que andam por aí. Deu pra esquecer um pouco as rubronegrices da vida…
Excelente Marcelo!!!
Pra cima deles Mengão!!!
SRN
O que é pior, esses velhos urubus ainda circulam nos subterrâneos da Gávea livremente dando palpites, apoiando candidatos, não ficaram congelados nos seus retratos de ex-presidentes que se valeram do Flamengo para o prestígio próprio. Eles estão vivos, bicando aqui e ali. Esses mesmos que deixaram uma dívida inacreditável de 800 milhões e dizem que ganharam tudo, claro, contaram no currículo até torneio de cuspe em distância. Talvez seja por isso que entra ano, sai ano e o Flamengo continua na estaca zero, melhor dizendo, na estaca de 37 anos atrás. É difícil desenterrar uma mística que essas lúgubres figuras enterraram. Esse é o grande problema do Flamengo: autoestima na sola das chuteiras. Quem vai dar jeito nisso? Psicanalista, macumbeiro, umbandista, mágico, exorcista? Esse azar interminável é o outro lado da fábula, o mau agouro do urubu que atrai morte e o Flamengo continua inerte em seu berço esplêndido não ganhando porra nenhuma há milênios, infelizmente, essa é a dura realidade, há que se inventar uma fábula fabulosa ( como diria o Millôr) para transformar o Flamengo vencedor novamente. Tenho mais a falar, mas não tenho mais saco, albugínea, culhão, já perdi a esperança. E volto rápido para minha tumba, a qual jamais deveria ter deixado.
“Pra cima deles Dom Urubu”….É nos meus sonhos mais ocultos o Fla faz 4 no Gremio e la nna frente mete 3 no Cruzeiro dentro de BH….Mas ai o Barbieri aparece com o 4.1.4.1 que nem a Seleção Brasileira utiliza, mesmo tendo na teoria os melhores de cada posição, mas que no Mengo vai funcionar só porque é Flamengo…Ahh ta!!! Sonhar não custa nada, ja cantava a Mocidade de PM; mas bem que o Flamengo podia ajudar….SRN
Belíssimo, Áureo !
Matou a charada.
Se olharmos bem, em especial para baixo, veremos que já há urubuzinhos-flamengos doidos para levantar vôo.
Não percamos tempo, menos ainda a vontade de torcer !
SRN
FLAMENGO SEMPRE
A grande verdade é a de que o Urubu Malandro não existe mais. Como consagrou o Grande Chico Buarque em sua obra Homenagem ao Malandro, a ilustre ave teve de se adequar aos tempos modernos. Largou a navalha e vestiu um terno para o recomeço de vida.
Atravessou fases difíceis. Hoje atingiu a relativa estabilidade financeira. Já estão de olhos aguçados no seu novo padrão social. Como bem retratou o colega Áureo, se deixou cercar de más companhias que somente almejam levar vantagem em real prejuízo próprio e de seus apaixonados seguidores.
Desejo a ele que nunca esqueça de seus descendentes. Afinal, primeiro os de casa. E que contrate profissionais à altura de sua grandeza. Pois, tem conhecimento de sobra em finanças, mas perdeu a essência da vida. O conhecimento futebolístico.
SRN
Mandou bonito, João. SRN!
(Com a devida permissão do Carlos Moraes e do Marcelo Dunlop)
Há alguns anos, os urubus que povoavam a Gávea tinham nascidos aqui por perto. Eram os urubus de pico preto e urubus de bico vermelho, de total identidade flamenga.
Hoje, povoam o Ninho várias espécies de urubus. São os de bico amarelo, os de bico branco e o de bico de diversas cores, vindo de todas as partes do mundo. Enchem no Ninho a barriga da mais gostosa carniça, sem o menor comprometimento com a nossa Nação.
Ontem mesmo, bateu em retirada o Urubu-Guerrero, uma espécie predadora, que se alimenta somente de deliciosa carniça. Vai comer agora lá nos Pampas. É um verdadeiro urubu-come-e-dorme.
No Ninho, atualmente há cinco espécies de urubu estrangeiro, enchendo a barriga no nosso pasto, e isso sem contar com certos urubus – os chamados urubu-rodado – que comeram uma boa carniça pelo mundo afora, e que vem agora saborear mais alguma carniça, antes do seu descanso.
Vejam como os atuais urubus do Ninho perderam a altitude de voo depois que o urubu de bico preto (esse sim um autêntico urubu flamengo) bateu asas em revoada para a Itália.
Não sei não! Mas creio que precisamos de mais urubus-flamengos do que de sorte. Precisamos de mais Urubus-Paquetás.
Encarniçadas saudações Rubro Negras.
Voemos alto e com fé, grande Aureo. SRN!
“..unico trecho de hino sadomasoquista da história do futebol. ”
Acho que vc esqueceu do hino das floresC, composto pelo mesmo Lamartine:
“..Fascina pela sua disciplina. O Fluminense me domina..”
Acho que o Lamartine tinha alguma obsessão com BDSM..
Conhecia pouco os hinos da série B, amigo JD. Forte abraço!