Tomei um café no Lamas. Em seguida atravessei a Payssandu. Uma das ruas mais encantadoras do Rio. Uma rua de alma rubro-negra. Ela ligava a residência da princesa Isabel, logo ali no Palácio Guanabara (meu destino naquela manhã), à Praia do Flamengo. Um caminho de palmeiras imperiais plantadas a pedido do imperador Pedro II para criar aquele ar monumental, para casa que tinha dado pra sua filha como presente de casamento. Com meu espírito flâneur, no melhor que há em mim do Baudelaire, sendo eu uma pessoa que anda pela cidade a fim de experimentá-la, pensava no Flamengo enquanto caminhava. Crise. Contas. Sonhos. Decepções. Desejos. Amores. Sexo. Textos para ler. Pautas para trabalhar. Nada disso. Eu sempre me rendo ao Flamengo quando estou flanando por aí. E naquela manhã eu lembrava dos 450 km que atravessei “só” para ver o Flamengo jogar em Itaquera. Uma daquelas viagens cheia de amores. Pelo Flamengo. Com o Flamengo. Acima de tudo Flamengo. Pensava de forma seletiva por motivos óbvios. Mas, pensava. E a voz infernal da mestre de cerimônias do estádio que anunciava os feitos dos donos da casa não saía da minha cabeça. Aquilo era coisa de quem tinha estádio. E aquela maldita lembrança foi meu basta. Meu chega. Eu quero entrar para a história como uma torcedora que lutou por um estádio do Flamengo. E meu tempo é hoje. Não existe amanhã para mim.
Nós, rubro-negros, “somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra” como bem analisou – por outros tão intensos motivos, claro – Sérgio Buarque de Hollanda, o pai do meu marido Chico (casamento-licença-poética), em Raízes do Brasil. O Flamengo é ainda hoje um clube desterrado dentro da sua própria terra. NÃO temos estádio. Uma vergonha. Uma afronta. Um descaso comigo, com meus 11 leitores, com uma Nação. Uma ausência que carregamos por conta de uma história de dirigentes incompetentes, de políticos mal intencionados e de uma torcida que se apropriou de um templo e criou nele seu maior espaço de devoção. Não temos estádio. A voz da locutora do Itaquera parece repetir isso, invadindo meus pensamentos e tornando minha travessia um calvário rubro-negro: NÃO TEMOS ESTÁDIO, senhoras e senhores.
Um morador de rua passa por mim vestido com um manto sagrado desbotado, rasgado, surrado com as marcas da história daquela camisa que atravessou o tempo. Esperei ele passar para ver o número nas costas. DEZ. Deus existe. E estava ali, me tirando do transe-recalque e me transportando para 1920. O Flamengo tinha sido campeão carioca com duas rodadas de antecedência. A única vez que isso aconteceu na história do clube. O título foi conquistado de forma invicta; sendo 13 vitórias e 5 empates, em 18 jogos. A partida decisiva foi disputada no estádio da Rua Payssandu, no dia 28 de novembro daquele ano. O Flamengo venceu o Andarahy por 2 x 1, com gols de Junqueira e Sydney Pullen. No primeiro turno, derrotou Fluminense e Botafogo, bem ali, pelo mesmo placar, 2 x 1. E eu lá. Na rua do “nosso estádio”, sofrendo pela falta de um.
Flamengo, torna-te aquilo que és. Certeza que o velho Friedrich (Nietzsche) seria rubro-negro. Eu não quero entrar para história de omissão (ou cumplicidade) de quem não lutou por um estádio para chamar de NOSSO. Hoje “temos” o Maracanã, a Gávea, e até um projeto de estádio. E nenhuma certeza. Os dirigentes incompetentes insistem em nos rodear, os políticos mal intencionados também. Mas o torcedor e a torcedora do Flamengo tem história de luta e resistência. Não somos os mesmos a entrar nesse “rio”. As águas são outras. Eu, você e a torcida do Flamengo NÃO vamos mais nos calar em relação a isso. Por vil metais peregrinamos por jogos em casa, fora de casa. Pelos milhões das rendas aceitamos que a torcida adversária não tema mais as cores do pavilhão do nosso amor. E aceitamos passivamente que invadam nosso território, em busca do dinheiro e do selfie da torcida mista. Homens que NUNCA pisaram numa arquibancada, nunca cruzaram 450 km (e muito mais) para ver o Flamengo jogar, nunca tomaram um Café no Lamas, nem atravessaram a Payssandu a pé só para sentir o espírito do Flamengo nela. Esses homens-ceo ditam hoje o nosso destino. BASTA. Queremos o nosso estádio e LUTAREMOS por ele. Nas redes, nas ruas, nas URNAS. 45 milhões de torcedores, fora o baile. Força necessária para combater a vaidade, o jogo de poder, a politicagem da Gávea, a má intenção e o DESTINO. Vamos pras ruas em busca de um sonho em forma de desejo. Vamos em busca do nosso estádio. Nossa arma é a nossa voz. Nosso grito de VAI PRA CIMA DELES, MENGO. Nossa força que emana das arquibancadas da vida. E depois que a tarde nos trouxesse a lua, se o amor (e o ESTÁDIO) chegasse eu não resistiria. E a madrugada acalentaria a nossa paz. Fica, ó brisa fica, pois talvez quem sabe o inesperado rubro-negro faça uma surpresa.
Pra vocês,
Paz, Amor e um Estádio.
Amei o artigo, principalmente por saber que Nietzsche seria flamenguista. Acho muito importante o movimento e estou me dispondo a entrar junto, vamos fazer barulho nas redes e na sede, afinal o Fla é grande por sua torcida, que tem sido muito mal tradada por não ter uma casa. #estadiojá. SRN
Não vou comentar ainda.
Entrei para PARABENIZAR o nosso SÁBIO EDVAN.
Fez uma afirmação que ninguém teria coragem de fazer e …
ACERTOU NA MOSCA ! ! !
Entristecidas, pela covardia, SRN
FLAMENGO SEMPRE
Muito carregado de emoção rubro-negra seu texto. Lindo. Mas em relação ao estádio, não sei se você faz parte de alguma corrente de oposição aos atuais gestores porém deveríamos agradecer pela administração que fazem, principalmente comparando com as anteriores. Omitir a realidade pode ser duro. Obviamente que o estádio é algo que eles gostariam de fazer mas as prioridades claramente eram outras e estamos tendo uma base, uma fortaleza de moral, união, esperança e esse estádio vai sair e quando você gritar é campeão, seja hepta, octa ou ennea, aquele sentimento da impressora gigante estará morto. SRN
Com o Zé Ricardo não venceremos (…) o botinha, é muito difícil.. Cobrem-me o que afirmo…!
Edvan-Alagoinhas-Ba.
PS – Tenho minhas convicções…e veremos!
Grande amigo/irmão Edvan…vc deve urgentemente procurar um terreiro aí em Alagoinhas, pra ver se consegue despachar esse encosto “helemenguista” que teima em se apossar do teu corpo… Apenas um conselho do Bruxo pra esse bom baiano… SRN
edvan,
acertou em cheio !!!
com o zé ricardo não vamos chegar a lugar nenhum…
QUEREMOS TREINADOR !!!
SRN !!!
Concordo !!! Estádio já!!!
Mas ele deve ser feito para 120.000 dos nossos torcedores, ficando o maracanãzinho para os jogos de menor expressão.