“Amo o Flamengo, a Flavia, a Maria Luiza, a Sophia e a Catherine”. Essa é a descrição do meu perfil no Twitter. A maioria de vocês não me conhece a ponto de saber que a Flavia é minha esposa, a Maria Luiza minha filha de 23 anos, Sophia e Catherine minhas filhas gêmeas de 10 anos. Vamos combinar, o cabra precisa ter certa valentia para colocar a vida nessa perspectiva: o Flamengo à frente de tudo. Mas é assim que tem sido. As mulheres da minha vida já entenderam, obrigado a todas, primeiro o Flamengo, depois a vida.
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Tem horas que tenho alguma inveja daquele torcedor que vive intensamente o Flamengo, pensa e respira futebol o tempo todo, mas o vínculo dele não vai além de torcer pelo nosso bem. Eu sou diferente. Eu sempre quis ajudar o Flamengo a ser melhor. A ser maior. A ser uma potência. Então eu me envolvi. Eu me envolvi demais. Eu dedico muito do meu tempo a pensar em coisas boas para o Flamengo, a sonhar com um Flamengo inatingível em sua grandeza, em nossa grandeza.
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Eu cresci nas cercanias do Maracanã. O Flamengo para mim era aquilo, ir ao estádio, gritar, chorar (eu choro DEMAIS vendo o Flamengo jogar), às vezes sofrer, na maioria das vezes triunfar. Mas a minha vida profissional deu uma guinada pouco antes de eu completar 40 anos: vim morar em Porto Alegre.
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Só então, vejam só, caiu a ficha de algo absolutamente óbvio: a maioria de nós não é gente como eu, que via o time jogar com a naturalidade e a frequência de quem vai a uma missa. A maioria dos rubro-negros se esforça para ser Flamengo. Eles estão longe. Eles quase nunca vão aos estádios. O Flamengo está tão longe deles quanto o Boca Juniors. Aliás, em alguns casos, está até mais longe.
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Torcedor do Flamengo adora encher a boca para dizer que nossa torcida tem 40 milhões de pessoas (42 milhões, nos atualizou o IBGE faz poucos dias). Isso me obriga a lembrar algo tão banal e ao mesmo tempo tão surpreendente: a região metropolitana do Rio de Janeiro não tem 12 milhões de habitantes e nem todos são Flamengo. Grosso modo, para cada rubro-negro carioca da gema, tem uns 6 ou mais que moram longe.
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Encurtando a história, desde que saí do Rio comecei a pensar em soluções para unir esses 2 mundos, o rubro-negro vizinho do time que vive intensamente a experiência de torcer e o rubro-negro forasteiro, que mira o clube a distância. E penso que o melhor jeito de fazer isso é lutar para que o Flamengo abra suas portas de vez para quem está longe. Que os incorpore ao seu quadro social. Que dê voz e voto a quem se habituou só a olhar.
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Nunca foi fácil lutar por isso. A Nação Rubro-Negra é imensa, mas o CRF nem tanto. Acabei de saber que são cerca de 7 mil pessoas capazes de votar. E para que mais e mais gente possa votar, é preciso convencer a esses 7 mil a compartilhar esse, digamos assim, “privilégio”.
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Sempre achei que o mínimo que o Flamengo podia fazer era, ao menos, facilitar a vida desses 7 mil. Fazer de tudo para que eles pudessem exercer seu direito de escolha sem embaraços. Se modernizar, se abrir, se adequar aos novos tempos, ao invés de se agarrar a regras do século passado. Nesses meus 12 anos de associado do clube, não foram poucas as vezes e não foram poucas as pessoas que lutaram com muita energia para tentar implantar algo absolutamente trivial: o voto a distância! Infelizmente, sempre demos com a cara na porta.
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Até que ano passado tudo mudou. Sem muito alarde, o Congresso Nacional aprovou e o presidente sancionou uma mudança na Lei Pelé obrigando a votação a distância nos clubes de futebol. Vibramos. Chegou a nossa vez. Mas o Flamengo, estranhamente, ficou em silêncio.
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Como nada acontecia, eu e mais 178 associados escrevemos uma carta em novembro para o presidente do nosso Conselho Deliberativo perguntando o que seria feito. Ele nos respondeu que uma emenda nesse sentido já estava em análise na comissão de reforma do estatuto. Ótimo. Mas nunca mais ouvimos falar dessa emenda.
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Então aconteceu uma coisa curiosa. No Vasco, outrora nosso grande rival, teve uma eleição para lá de conturbada, cujo problema central, não sei se vocês sabem, é exatamente o mesmo que o Flamengo enfrenta agora: um candidato, Leven Siano, dizia que como o estatuto do Vasco não previa eleições a distância os sócios tinham que ir até São Januário; outros candidatos, o Jorge Salgado entre eles, diziam o contrário, que como a Lei Pelé tinha mudado, a eleição devia garantir o voto a distância. Acabou que o Vasco teve duas eleições e o Judiciário teve que dizer qual delas valeu.
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A decisão desse caso foi simplesmente perfeita para nós, defensores do voto a distância: o TJ/RJ disse com todas as letras que, independente do estatuto, se a lei manda que a eleição seja não presencial, que se cumpra a lei.
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A decisão saiu e escrevemos a segunda carta, dessa vez assinada só por mim e pela querida Claudia Simas, minha grande companheira nessa jornada. Pedimos aos presidentes do Conselho de Administração e da Assembleia Geral que iniciassem os procedimentos para escolher o formato da eleição não presencial. Isso foi em dezembro. Até hoje não responderam essa carta.
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Em março resolvi escrever a terceira carta. Dessa vez tive o apoio do meu amigo Marco Aurélio Assef. Como o Flamengo não dizia absolutamente nada sobre o tema, desconfiamos que o clube pudesse ter dúvidas legais sobre o assunto. Bom, eu sou advogado, o Marco Aurélio Assef também é, mas não somos donos da verdade. Se o problema era jurídico, sugerimos que o clube pedisse pareceres a um painel de especialistas, até sugerimos o nome de um grande professor de Direito Civil, rubro-negro. Mandamos a carta para todos os presidentes de poderes do clube (são 6). Nenhum respondeu.
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A aflição ia aumentando, mas nada podia ser feito além de esperar. Sempre que perguntado sobre o tema respondia o óbvio: o Flamengo é um clube cidadão, logo, não havia hipótese de o clube descumprir a lei. Sim, eu acreditava nisso.
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Nos ritos eleitorais do clube agosto é um mês muito importante. O Conselho de Administração, que é uma espécie de “TSE” do Flamengo, convoca uma reunião e aprova algumas regras das eleições. Eu passei meses alimentando a esperança de que essa reunião trataria da eleição não presencial. Veio a convocação e nem uma linha sobre o assunto. Acendi a luz amarela. Rapidamente liguei para os outros dois pré-candidatos de oposição, Assef e Hinrichsen, combinamos de escrever um apelo final ao presidente do CoAd, para que ele nos respondesse em tempo do assunto de ser tratado na reunião fatal.
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Ele só nos respondeu depois da reunião. E disse, de um jeito um tanto cifrado, que as eleições só serão marcadas 20 dias antes da sua data. Que nós esperássemos até lá para saber a resposta. Não precisa ser um expert para saber que em 20 dias não se faz uma eleição online. Ficou claro que ou bem se fazia alguma coisa, ou não haveria eleição não presencial esse ano.
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Foi aí que nasceu meu drama: processar ou não processar o Flamengo? Por um lado, processar é um caminho natural. Caramba, a lei que garante cada associado de poder votar a distância está sendo ignorada bem na nossa frente e não há rigorosamente mais nada que possa ser feito para reverter isso dentro do clube. Agora, para qualquer associado poder exercer seu direito de voto a distância, só com ordem judicial.
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Mas processar o Flamengo é algo que me causa uma dor imensa. É como se eu estivesse processando uma das minhas filhas. Ou a minha mãe. Sei de vários atores na política do clube que passam longe desse dilema moral, processaram o clube para não pagar mensalidades, penhoraram as então combalidas contas do clube para garantir a execução das sentenças de seus clientes, buscaram escapar de sanções que lhes foram impostas por seus malfeitos. Estão todos lá, isentos de críticas, ocupando funções importantes, desfrutando de suas honrarias. Não julgo ninguém. Cada um faz o que acha melhor.
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Eu processei o Flamengo para poder votar a distância. Só isso. Estrategistas políticos garantem que em uma eleição massiva, a distância, minhas chances seriam menores. Eu sou um ilustre desconhecido, meu adversário, o presidente Landim, é um sujeito multicampeão, está em todos os jornais, emissoras de rádio e TV. A votação online talvez dê a ele a maior votação da história do Flamengo, em termos absolutos e proporcionais. Mas eu não estou preocupado com minhas chances eleitorais. Estou pensando em realmente aumentar a conexão do Flamengo com seus torcedores de todas as partes, para que mais gente se sinta estimulada a se associar, a ajudar a construir um destino ainda maior. Por isso, processei.
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Só que, quem, como fiz, busca uma liminar, uma tutela de urgência, em geral o faz se valendo de um elemento surpresa. Pede à justiça que a decisão saia antes mesmo do outro lado poder se defender. Faz em silêncio, para diminuir o tempo de reação da outra parte. Não há nada de errado nisso, que fique bem claro – eu mesmo já cansei de fazer isso em tantos processos que atuei como advogado.
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Mas nesse caso específico eu resolvi fazer diferente. Não quero que o meu pedido seja uma surpresa – tanto assim que é possível que esse texto esteja sendo lido muito antes do Flamengo ser comunicado do processo. Pelo contrário, eu quero que antes de mais nada o Flamengo dê a sua versão do fato. Explique o porquê de tanto resistir em implantar o voto a distância. É isso que venho perguntando há quase 10 meses: o que pensa o Flamengo sobre o assunto?
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E mesmo depois que o Flamengo se explicar eu ainda não quero que a justiça decida a meu favor. Antes, eu quero que haja uma audiência de mediação. Onde seja possível encontrar uma solução consensual para acomodar os legítimos interesses dos milhares de associados que querem votar a distância e as dores que eventualmente o clube possa ter para implantar o sistema de votos. Por que eu quero isso? Porque eu simplesmente acredito que o Flamengo vai se adequar, vai implantar o voto a distância, o Flamengo tem lá suas particularidades, mas no final o Flamengo sempre se acerta.
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Processar ou não processar o Flamengo, como se vê, não é uma decisão fácil. Porém aprendi que mais difícil ainda é ficar imóvel quando há tanto a se fazer e a se conquistar. Volta e meia alguém caçoa de mim e de minhas chances eleitorais. Não sei realmente o tamanho delas. Mas de uma coisa eu sei: as chances de garantir, para sempre, o direito dos sócios do Flamengo de votarem a distância são muito grandes. E eu não vou desistir disso, por mais desgaste que tenha que suportar. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…
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Walter Monteiro
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Agora sim a expressão do que seria uma digamos melhor caracterização de verdadeira democracia rubro negra, mas entendo que tudo que envolve uma interpretação, ou seja, subjetivo, precisaria do bom senso e da diminuição do ego humano pela busca de uma sonhada harmonia. Enfim Walter, esqueça uma mudança de postura por ora, não vejo a menor chance disto acontecer e o pior a parte prejudicada aceitar a legitimidade do pleito. Coisa semelhante ao nosso co-irmao de brigas intermináveis na justiça e em frangalhos como Clube forte de outrora. Acho ainda um terreno pantanoso que ainda carecerá de estudo para melhores fundações….
“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Também cito essa frase pros meus alunos e clientes o tempo todo apontando a inércia e a procrastinação como inimigas nº 1 do exercício do poder pessoal.
Parabéns, Walter! O Flamengo não pertence a grupos políticos e só o que é graças aos seus 42 milhões de torcedores espalhados pelo mundo. Morei em 10 países e em todos eles tinha alguém desfilando com o Manto, incluindo Austrália e Índia.
É óbvio que os “caciques” não querem voto à distância. 7 mil eles podem controlar, 42 milhões, não.
* só é o que é graças…
Parabéns, Walter Monteiro!
SRN
Flamengo é do torcedor = Maraca é nosso , tem gente que acredita, menos a curriola do Leblon
Decisão difícil doutor, porém creio que o Flamengo irá se adequar.
Boa sorte!
Parabéns! Você fez a coisa certa. Como rubro-negro (não votante), lhe agradeço por lutar por mais um passo do clube no sentido da modernização e democratização plena.
Prezado, sou membro do conselho deliberativo, moro fora do Brasil e não apoio sua iniciativa. O voto a distância deve ser construído dentro do clube através de debate democrático e não via judicialização, caminho que contribuiu para rebaixar um certo clube do Rio de Janeiro quatro vezes. Desejo participar das decisões do clube votando, mas não quero conquistar esse direito dessa forma. Considero sua iniciativa lastimável.
Mozart, o problema é que o Landin não tem o menor interesse em debater o tema, ele não quer que o Flamengo seja realmente democrático.
Porque vc acha que ele aumentou a mensalidade dos sócios Off-Rio (como eu) de R$ 68,00 para R$ 175,00?
Porque ele não quer participação popular no clube, ele quer se perpetuar no poder, na cabeça Bolsonarista dele somente quem tem que ter direito a voto é a “galera do Leblon”.
Ele não aceita que o Flamengo tenha sequer uma oposição dentro do clube, vide a perseguição a vários sócios (incluindo o ex-presidente bandeira de Mello).
Reflita.
SRN.
Parabéns pela coragem, Walter! Você direciona o Flamengo para um caminho de esperança, de um Flamengo popular e democrático. Força!