Confesso que até começar o jogo eu tava passando mal de ansiedade, angústia e preocupação. Nem é motivo de vergonha, mesmo sendo freguês e estando na fila do Brasileiro desde o tempo em que passava a novela Dancin Days na Globo, o Inter era o líder, estava um ponto à nossa frente e tinha a possibilidade de dois resultados favoráveis, enquanto a nós só restava a opção de vencer. Ou seja, um dia normal na vida de qualquer rubro-negro.

Mas a bola nem precisou rolar pra toda a tensão ir embora em questão de segundos. Quando percebi que os muquiranas heptavices do Brasil tinham escolhido o campo, fazendo com que o Flamengo atacasse para o gol do lado errado, relaxei. Era a mesma presepada tentada pelo Grêmio em 2009 e repetidas vezes sem fim pelo megafanfarrão Renight quando nos enfrenta. Me empolguei, não pelo bom augúrio, mas por ter vivido um momento inédito de plena compreensão do mundo e dos homens.

Naquele brevíssimo segundo de iluminação percebi que Abel e os Sem Drenagem não tinham bola pra bater de frente com a gente e fui à geladeira descer três verdinhas do congelador. Devidamente hidratado e com máxima atenção na tela, o desenrolar da partida mostrava que a minha percepção estava afiada, o Inter se retrancou e nos entregou a bola que já não possuíam. Se isso é atitude de time que vai ganhar alguma coisa na vida eu sou astronauta. Era só esperar o gol sair.

Demorou menos do que eu imaginava, aos 8 minutos o Gustavo Henrique, um dos líderes de assistências do Inter no Brasileiro, comete um pênalti que Arão com dez dedos da mão amputados jamais faria; puxou a camisa de um seiláquenzinho dentro da área. Bola na cal, gol do Interregional. Me segura que eu vou ter um troço, os gaúchos marcaram primeiro. Igualzinho a 2009. Agora é só esperar o empate e a subsequente virada, vamos à geladeira.

O Flamengo, fiel ao seu estilo, martelou o martelão, Filipe Luís e Gérson davam show. Mas a bandida da bola não ia no barbante. Várias boas tramas foram desperdiçadas pelos mais variados motivos. Até que numa hora lá o Arrasca tenta ganhar uma bola no alto, ela berimbolou, o beque dos caras pinolou e o Filipe Luís toca ela de ladinho de pé, na habilidade pura, pro Bruno Henrique dentro da área. Ele passa facilmente pelo Rodinei, chega pleno na linha de fundo, equilibra o corpo e cruza rasteirim pro meio da pequena área, onde Arrascaeta chegava no tempo exato pra tocar a nêga lá no canto esquerdo e igualar a porra toda. Porra, foi lindo! Aí eu morri, claro.

Mas durante o intervalo me reidratei direitinho e voltei à vida ainda a tempo de ver o Flamengo cumprir seu destino manifesto de deixar o Brasil todo muito puto. Logo no comecinho do 2º tempo o amigo Rondinei deu azar, chegou atrasado e quase arranca a perna do Filipe Luís. Que foi gente fina e prometeu não processar Rodinei na Cível. Mas o juiz não entrou na conversinha mole de Nadine Bastos, que só aceita expulsões dos nossos adversários se pingar sangue do meião dos jogadores do Flamengo, e meteu um vermelhão no Pretinho Rodi. Vermelhou, o velho comunista se aliançou.

Foi um momento decisivo para o resultado do jogo. E também para o mundo das finanças do futebol brasileiro. Cada um dos 48 minutos que Rodinei ficou em campo custaram, além de uma fração ideal dos salários que recebe, R$ 20.833,00, que deve ser uma espécie maluca de recorde. Aliás, achei meio sem noção os torcedores do Flamengo chamarem o cara que pagou um milhão pro Rodinei poder entrar em campo de idiota. Esqueceram que o Flamengo pagou 8 milhões pra ele ficar no banco durante anos.

Apesar de estarem com um pereba a menos pra errar o Inter não soube explorar essa vantagem. Creio que por questões emocionais, até os torcedores do Flamengo, que ganha Brasileiro até em chopadas no trio elétrico, podem entender que 41 anos, um mês e 26 dias na fila esmigalham a moral de qualquer um. Nessa hora já era possível ver na cara dos internacionalers a expressão “fudeu, claytim” e essa percepção se traduzia num jogo mais brusco e descompromissado com o combate à violência. Os caras descero a madera. E claro que não adiantou porra nenhuma.

Rogério Ceni, um sujeito extremamente largo –- forçoso dizer, aproveitou para tirar o Isla, que não brilhava mesmo, e meteu Pedro pra tocar o terror psicológico na zaga farroupilha. Funcionou, várias chances criadas, um gol de Pedro corretamente anulado e aí o Arrascaeta, um cara gente fina e amistoso, mostrou como um pequeno recipiente é capaz de guardar rancor por tanto tempo.

No caso, rancor pelo Abel, que em sua funesta passagem pelo Flamengo deixava o espetaculoso uruguaio no banco. Arrasca domina o couro na meia esquerda do nosso ataque e enfia uma bola, e que bola, milimétrica pro Gabigol tocar com suavidade e precisão no canto do amigo Lomba e virar a parada toda. Teria sido tranquilo se o Ceni, na cabacisse, não tivesse ligado o botão desesperator sem motivo e fizesse um monte de mexidas estapafúrdias. Mas teve erro, não, os meridionais estavam muertos. Por que a Semdrenagemlândia chora? Porque 2009 vive, nas palavras do comediante gaúcho Baldasso, nós temos um sistema no Brasil que quer sempre os mesmos campeões.

Mengão na frente, e o Brasil inteiro, exceto uma insignificante minoria de 48 milhões de rubro-negros e gremistas, começa a rilhar os dentes e socar as paredes em uníssono. Sismógrafos registram atípica atividade extra tectônica em todo o território nacional. A hashtag #GoldoFlamengoNãoNãoNão volta pros trendig topics mundiais. Em Melbourne, às 3:17 da madruga, o rubro-negro Guido Melo resolve gastar a caixa de morteiros Caramuru 3 Tiros que ganhou de presente de integrantes da Raça Rubro-Negra que conheceu na final da Liberta em Lima. Foda-se a polícia australiana, o Papai chegou, todos chora!

O Flamengo nesse Brasileiro 2020, vamos combinar, deu show de etiqueta e bons modos. Não falou de boca cheia, não apontou os outros com o garfo, não arrotou. Verdade que deu uns peidinhos, mas só chegou na liderança na 37ª rodada, como está descrito com todas as letras no Manual da Socila e nos protocolos do Deixou Chegar, Fudeu (Volume IV, revisto e comentado). Aulas, cria.

O jogo todo, estética e espiritualmente, lembrou a final de 2009. Mas o pós-jogo foi melhor ainda, lembrou aquela Taça Guanabara de 2008. A coletiva do amigo Abel foi esculacho, fim de barraco total. No geral, a choradeira dos norte-uruguaios foi, na verdade segue sendo, indescritível, tem que ver pra crer. Se eu contar ninguém acredita. Só digo que até velhos projetos separatistas, há muito adormecidos no fundo de baús gaudérios, voltaram a circular nos grupos de whatsapp de alguns CTGs. Castelhanos safados, maus esportistas, subversivos, a república é una e indivisível, segurem a sua marimba como homenzinhos e respeitem a Constituição. Mas se quiser chorar, pode.

Essa é a grande diferença entre nós e os chorolados. O rubro-negro respeita a sua Nação. Entre o Flamengo e o Brasil sempre ficará com o Flamengo, o Brasil que se foda. Mas não conspiramos contra república. Como a arco-íris inteira sabe muito bem, o Flamengo é O Sistema. Vivemos a era Flamengo, tem que aturar. Vamos curtir na paz o que o futebol tem de melhor: matar seus inimigos, esmagar seus crânios e ouvir suas viúvas chorarem. Por Crom!

E chega de auto congratulação e oba-oba porque o Flamengo não está fazendo nada além da sua obrigação. Pode até ser que a nossa rapaziada transforme a temporada 2020 na mais vitoriosa do clube desde 1912. Mas ainda não ganhamos absolutamente porra nenhuma. Sapato, sapato, sapato!

Faltam três pontos. Até quinta-feira a gente mata essa parada. Vou pegar outra cerveja.

Mengão Sempre