Essa aconteceu no dia 19 de novembro de 2013, uma terça-feira.

Um encontro enigmático, presenciado por testemunhas impressionadas, e que até hoje segue inexplicável, uma década depois. O amigo leitor e a amável leitora podem duvidar do ocorrido, claro, ninguém vai brigar por isso. Tudo, porém, pode ser facilmente confirmado com os três envolvidos – contanto que não digam que fui eu, que isso é feio e vossas mamães não aprovariam.

A delegação flamenga seguia para mais uma final improvável, a da Copa do Brasil de 2013. A imprensa e os comentários em Curitiba, onde o time jogaria no dia seguinte na Vila Capanema, eram de uma unanimidade quase total, e quase burra. O Atlético Paranaense venceria, claro, mas de quanto? Afinal, exatos dois meses antes, em 19 de setembro, os rubro-pretos do Paraná passearam no novíssimo Maracanã. Era uma quinta-feira de Rock in Rio, e Mano Menezes resolveu pular do palco, após a sonora derrota por 4 x 2. Crise na Gávea.

De mais a mais, o Atlético ainda sem H estava no embalo. Eliminara Palmeiras, Internacional e Grêmio com uma defesa sólida e contra-ataques eficientes. O que poderia apresentar o velho interino Jaime de Almeida contra a experiência de Vágner Mancini?

Enquanto Paulinho e Carlos Eduardo visitavam os eletrônicos e perfumes do Dutifri Shópi, Paulo Pelaipe, Bandeira de Mello e Jaime resenhavam nas poltronas do salão de embarque. O tema era justamente a confiança extrema dos comandados de Mancini. Foi quando aquela figura estranhíssima se aproximou do trio.

– Com licença, senhores. Tenho aqui uma entrega e peço apenas alguns minutos da atenção de vocês. É um documento de extremo interesse da presidência do clube, e em especial da nação do Flamengo.

Bandeira puxou uma flanelinha para limpar os óculos. Pelaipe manteve o queixo despencado, enquanto tentava absorver as palavras. Foi o ex-zagueirão clássico, dono de grande visão de jogo e com três gols em 198 partidas pelo Fla, que desarmou o silêncio:

– Salve, simpatia. Você precisa de um local reservado?

– Não carece, obrigado. Serei breve.

Bandeira apertou-lhe as mãos e o convidou a sentar ao seu lado. O sujeito abriu sua valise 007 com destreza:

– Presidente, fui enviado aqui com uma minuta. Quem enviou não será revelado, nem hoje nem nunca, sob risco de anulação. É um contrato de fé, e os senhores verão que é uma proposta irrecusável.

– Estamos ouvindo – disse Pelaipe, recuperado.

– Em caso de aprovação, basta a assinatura do presidente Bandeira nesta linha aqui de baixo. Você, naturalmente, estará assinando em nome do Flamengo e de seus torcedores. As cláusulas são as seguintes – pigarreou.

O beque Wallace cumprimentou os quatro, com um livro na mão, recém-comprado na lojinha, e se afastou. O mensageiro então deu os detalhes:

– É tudo muito simples, apesar de complicado de explicar. Se assinarem aqui, podem confiar, o Flamengo será campeão da Copa do Brasil, com uma festa e tanto no Maracanã no fim do mês.

– Ué, mas…

– Calma que tem mais. Muito mais. Vocês serão os campeões da Copa do Brasil e terão tranquilidade e apoio de sócios, conselheiros e parte da mídia para continuar o trabalho de faxina financeira. O Flamengo vai montar alguns ótimos times, e atrair jogadores internacionais. (Agora falando baixo:) E não estou falando de feras como o amigo boliviano Marcelo Moreno ali, não.

– Conte mais, conte mais. Na esfera estadual, o que diz aí?

– Tudo no esquema. O Vasco vai ficar 11 partidas sem nos vencer, até 2015. Creiam-me, ninguém mais vai ligar para ser Tri do Rio de Janeiro ou outras miudezas. Em caso de anuência dos senhores, o que virá será impensável. A Glória Eterna. O Flamengo voltará a ser um dos times mais temidos da América.

– Hum… Títulos?

– Sim, garantidos. Libertadores e Brasileiros. No plural. Não será um só de cada não, presidente.

– Rapaz, não brinca com isso.

– Outro item. O Centro de Treinamento George Helal será concluído na sua gestão e vai chocar o mundo do futebol. Convencidos agora?

– Diz aí se o Flamengo vai parar de trocar de treinador feito cueca freada? – indagou Jaime, a pontinha da língua para fora, meio sério, meio gaiato.

– Não, isso seria um pouco demais.

– Seu mensageiro, tem um Mundial na lista? Unzinho?

– Pois então, vou expor as contrapartidas. Todos comigo? Para que tudo isso aconteça, tem um negocinho. Um pequeno detalhe para equilibrar as coisas. Como compensação por tantas alegrias, daqui a exatos dez anos o Flamengo terá de voltar a decidir uma Copa do Brasil como grande azarão. Exatamente como hoje. Spoiler: o São Paulo será o favoritaço.

– Só isso? Sem rebaixamento no radar?

– Bem, a porrada vai comer, em treinos e vestiários. A temporada em questão será lamentável, culpa da empáfia, descomando e a falta de um técnico-manager equilibrado, que una o grupo. A torcida vai ficar perdida, entre vitórias brilhantes e derrotas de chorar – e na mesma semana! Vamos sofrer contra time árabe. E mesmo com um elenco galáctico, seremos chamados de zebra até contra o valente Botafogo no Engenhão.

– Ai, Jesus.

– Tenho aqui três cópias para a leitura dos senhores. Peço que acelerem, pois a comissária está a chamar para o embarque.

* * *

O avião passava por Paraty quando Bandeira de Mello, a mastigar lentamente seu goiabinha, não aguentou e bufou, exasperado:

– O que foi aquilo, gente? Cacetauro rex! Será que fiz bem em assinar?

– Fica tranquilo, presidente. Em dez anos saberemos.