Ziguezagueando de chuteiras, o menino vê passar o líder do time com o colete nos ombros e para a bola.

“Treinão, hein Capitão! Só falta agora a gente jogar um pouquinho. É só treino, treino, treino…” Rykelmo, o Bolívia, espia o companheiro e se limita a sorrir. O zagueirinho faz embaixadinhas com a cabeça e prossegue:

“É até pecado reclamar aqui, onde somos bem tratados por todo mundo, aqui onde ninguém sente dor ou fome e as matas e cachoeiras são limpas e puras, e tem até futebol! Mas pô… Quando a gente vai jogar? Bate uma saudade… Descobriu com o Professor?”

Os dois caminham até a saída do campinho, e agora o grupo está todo junto. O bravo capitão Rykelmo, os goleiros Bernardo e Christian, Arthur Vinícius, Athila, Gedinho, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Samuel e Vitor Isaías. É quando o treinador os chama:

“Meninos, venham aqui perto de mim”, convoca o Técnico, subindo num montinho diante de seus jogadores. “Trago boas notícias. O Altíssimo finalmente nos liberou! Preparem-se: temos jogo marcado! Aparentemente o Todo-Poderoso se sensibilizou com aquelas imagens do Redentor vestido de vermelho e preto…”

Gritos de hurra, abraços emocionados, e todos se aproximam para um confere na escalação e no planejamento: “A primeira parte é moleza”, diz o Treinador, a barba e o cabelo esvoaçando. “Basta descermos ali pelas montanhas de Cuzco e chegaremos rapidinho. Isso mesmo: vamos jogar em Lima, no Peru!”

“Te falei, rapaz!”, empolga-se o garoto Athila. “A gente vai jogar a preliminar e ver de pertinho o Flamengo x River Plate! Né isso, Professor?” Ele responde com uma piscada e acarinha a cabeça do jovem artilheiro. “Quase isso, garotada, quase isso…”

Chega finalmente o sábado, e a molecada bate bola no vestiário. “O jogo principal já começou e nada”, diz Jorge Eduardo, e brinca: “Será que no Peru a preliminar é depois?” Nesse instante, o Técnico irrompe pela porta:

“Garotos do Ninho!”, intima. “Chegou a hora. Estamos no meio do segundo tempo e o River segue vencendo por um gol. O Velho lá em cima está uma arara com o resultado, diz que tem irmão brigando com irmão e até casais ameaçando separação – no religioso! Todos prontos?”

Após a rápida oração puxada pelo Treinador, os jovens apertam os cadarços, apontam os dedinhos para cima e entram com tudo, sempre com fé na orientação do Mestrão:

“Pablo Henrique! Cola aí nesse Palacios, não deixa ele chutar sozinho!”, brada o Professor aos 35 do segundo, enquanto o meia argentino chuta rasteiro com perigo, para fora, no último lance do River.

“Ainda dá tempo, meninos! Quero dois indo com tudo no Pratto, como já ensinava Neném Prancha. Quem roubar a bola toca no Diego ou no Arrascaeta, issoooo!”

A bola chega em Bruno Henrique, bloqueado por quatro defensores argentinos sólidos como as imponentes colinas de Lima. “Vai Samuel, ajuda Gedinho, tem quatro nele! Façam um corredor para o Bruno passar, perfeito! Gooool!”

E vem a derradeira instrução: “Chega aqui, Bernardo, sei que tu é goleiro mas não temos tempo – já estamos nos 45 minutos – então quando a bola parar no pé do Diego, tu chega junto para ajudar e lançar aquele tiro de meta certeiro que tu sabe! O resto: quero todo o time ali trombando com os dois zagueiros argentinos! Todo mundo no ataque, vai dar certo, tenham fé em mim!”

Pouco depois, enquanto os anjos rubro-negros se abraçam e fazem junto com a torcida a maior festa no gramado, na arquibancada e no alto das grades do estádio, o Técnico é saudado pelo Todo-Poderoso, com palmadinhas gentis no ombro:

“Ora, ora Filho… Até que leva jeito para esse negócio de futebol, hein? Parabéns, Jesus. E agradeça a seus Garotos do Ninho, essa molecada maravilhosa – você não imagina quantos torcedores flamengos estavam rezando, perturbando e prometendo maluquices no meu santo ouvido!”