Você, fã de futebol, já pensou em assistir a uma mesma partida 40 vezes ou mais? (PVC, não precisa responder esta.)
Há um personagem sensacional da série netflixeana “El Ministerio del Tiempo” que conta ter vivido isso. Trata-se do porteiro entediado do tal ministério, que aparece logo no primeiro episódio da história dos irmãos espanhóis Javier e Pablo Olivares. Na trama, é possível para qualquer funcionário viajar ao passado sem ser incomodado, sem geringonças, sem maleta de plutônio ou relâmpagos. Basta dirigir-se à porta certa, girar a maçaneta e entrar assobiando, como quem adentra o bar Hipódromo na Gávea doido para urinar.
“Sempre que eu tenho um dia ruim no trabalho, ou em casa, ou o Atlético de Madri perde outra, vou até a porta 58, e retorno ao estádio naquele dia”, conta o porteiro viajante do tempo. Mas por que especificamente aquela partida, ele é questionado, se o clube ganhou outras taças? Porque naquele jogo, arremata o funça, ele celebrou com o pai, “que em paz descanse”.
O certame, no caso, é Atlético x Albacete de 1996, no Vicente Calderón, quando Simeone abriu o placar com uma cabeçada certeira, e Kiko Narváez sacramentou a vitória – e o título espanhol, que o time não conquistava havia 19 anos. “Vi 40 vezes aquela partida, e cada vez que passa fica melhor”, suspira.
(Veja a cena, aqui: http://www.rtve.es/alacarta/videos/programa/mdt-atleti-pasion-ministerio-del-tiempo/3012793/)
Como já fiz uma pergunta lá em cima (e o deseducado leitor ainda não respondeu, me deixando aqui esperando), segue outra: que jogaço você veria de novo e de novo e de novo, se tivesse acesso a uma “porta 58”, como na série da Netflix?
Eu mesmo não faço ideia. Teria, claro, vontade de voltar ao Maracanã várias vezes, sentar perto dos coroas na Copa de 1950 (no 6 a 1 contra a Espanha, que não sou masoquista), ou pegar um lugar na geral atrás do gol em 2001 no Tri do Pet. Mas repetir isso mais 39 ocasiões? Sei lá, uma hora o goleiro Helton podia reparar:
“Rapaz, acho que já vi aquele filho da mãe aqui, por que diabos ele fica olhando tão fixamente para aquele canto? Acho que vou pular antes, e ver o que dá…”. Não, 40 vezes certamente não. E não sei se teria maturidade para rever o antigo Maracanã. Haveria boas chances de eu ficar querendo matar as saudades, me esfregando e rolando pelos antigos bancos de concreto, perigava até ficar maluco (de vez, eu sei).
Mas se há um jogo que valia certamente um repeteco, é um Flamengo x Cruzeiro ocorrido há meia década, pelas oitavas de final da Copa do Brasil de 2013. Mano Menezes no banco, Éverton Ribeiro em campo, e o camisa 8 Elias chorando por dentro, consumido pela dor de um filho doente. Um elenco sem craques, capaz de dar apenas um chute no gol – aos 43 minutos do segundo tempo. Uma vitória de fé, no “jogo mais tenso, mais nervoso, mais cardíaco e transtornante dos últimos tempos”, que o garotinho Arthur Muhlenberg narrou assim:
“Ontem, nossos heroicos rapazes vestidos de vermelho e preto foram muito mais que um time. Nem lembravam aqueles jogadores que outro dia estavam jogando nossos fins de semana no lixo. Eram 11 médiuns, 11 cavalos a incorporar a impiedosa entidade Flamengo em um transe coletivo com os mais de 50 mil bem vestidos cidadãos que apinharam, arrepiaram e oficialmente quebraram o cabaço do Maraca padrão Fifa. Pela primeira vez desde sua reabertura o ex-maior do mundo tremeu em suas bases. (…)”
Como se pudesse melhorar, entre aqueles 50 mil torcedores em êxtase, eu ali abraçado ao pai.
Era noite de quarta-feira, 28 de agosto de 2013, mas parece que foi ontem. Ou amanhã?
PS: Por falar em tempo, fiquei desprovido dele e passei quase 90 dias sem escrever uma linha que fosse – antes, durante e depois de uma odisseia incronicável pela Rússia (tá bom, um dia eu conto). Mas foi uma oportunidade única de sentir o carinho dos amigos do portal, que pelo Twitter ou pelas ruas sempre vinham me perguntar, desolados: “Ei, o que houve? Onde foram parar os vídeos da Nivinha?!”
Só pode ser homenagem ao Dia da Pátria !
Entre as coisas estranhas que vêm acontecendo, surge mais esta – o bis do excelente artigo do Dunlop, agora datado de 7 de setembro.
Aproveito para falar um pouquinho de futebol.
Ví o nosso jogo contra a Chape, na integridade, e a parte final da vitória do Palmeiras sobre os curicas.
Previsão – tempo instável, sujeito a chuvas e tempestades.
O nosso jogo, não se enganem com a dilatada vitória (afinal, só o Santos conseguiu também fazer dois gols na rodada, a que mais comprovou a falência do futebol atualmente jogado em terras tupiniquins) foi simplesmente PAVOROSO, contra uma equipe que já jogou a toalha e ruma, em definitivo, para o inferno.
NÃO é suficiente para uma vitória na próxima quarta-feira. 0 x 0 ficaria de ótimo tamanho.
Entristecidas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Marcelo, casualmente, seu artigo coincidiu com o atual momento de crise. Sem adentrar a detalhes dessa situação, apenas para consolo, uma breve passagem pela porta 58 seria suficiente para digerir a tempestuosa maré de momento. Uma alegria há muita esquecida.
SRN
O Flamengo está se comportando como time sério relativamente há pouco tempo, queiram ou não queiram, data desde essa nova mentalidade na diretoria que aí esta, mais ou menos há seis anos, antes era só cafajestadas de presidentes que faziam contratações mirabolantes para se promoverem e levaram o clube a dívida inacreditável de 800 milhões. Claro há 37 anos ganhamos uma Libertadores (ou equivalente) e 1 Mundial, o resto foram carioquetas, três copas do Brasil, e raras aparições nas Libertadores. Agora, fugir do rebaixamento era ano sim, outro também. Portanto, o (in) sucesso do Flamengo é pura estatística, como ganhar competição se raramente dela participamos?Está fase terrível que estamos atravessando agora e já há uns poucos anos atrás, se possuíssemos esse mesmo time que considero sofrível, estaríamos disputando, como estamos agora, algo realmente representativo e mais um fracasso não nos pesaria tanto, como agora. E isso gera ansiedade. A torcida teria paciência se de permeio houvesse algum título, ou pelo menos, algum classificação razoável, uma semifinal, por exemplo. Mas a cada ano que passa começamos da estaca zero e eu como diria a Nora Ney nos inesquecíveis versos de Antônio Maria: velhice chegando, e eu chegando ao fim.
Olha, meus amigos, vivi mais um dia na minha velhice e mais um emaranhado de rugas me deixou esse menos um dia que devo viver, o Flamengo jogou ontem e, para variar, perdeu, mais um vexame nessa lúgubre trajetória e mais um “jogo esquecível” para minha inteminável coleção.
Muito legal o texto.
Foram muitos jogos marcantes, ma eu começaria pelo primeiro campeonato brasileiro, depois o tri do Pet, ….
SRN
Ótima e oportuna lembrança. Parabéns pelo texto!
SRN
“Ontem, nossos heroicos rapazes vestidos de vermelho e preto foram muito mais que um time. Nem lembravam aqueles jogadores que outro dia estavam jogando nossos fins de semana no lixo. Eram 11 médiuns, 11 cavalos a incorporar a impiedosa entidade Flamengo em um transe coletivo com os mais de 50 mil bem vestidos cidadãos que apinharam, arrepiaram e oficialmente quebraram o cabaço do Maraca padrão Fifa. Pela primeira vez desde sua reabertura o ex-maior do mundo tremeu em suas bases. (…)”
Arthur escreveu isso? Puta que o pariu, que GÊNIO….
Espero que os 11 cavalos deste ano incorporem o espírito do Flamengo de 1981, dos 35 dias a partir do 6 x 0 no Botafogo. Ganhem a porra toda, FAÇAM MILAGRES, CARALHO!!!
Faz literatura o Marcelo Dunlop!
Com aquela voz abaritonada, Altemar abria o gogó e soltava –
^Sentimental eu sou, eu sou demais^.
Extremamente lindo, pois encantado por um sentimentalismo que não é piegas, o artigo de reaparecimento do Dunlop.
Como o querido (apesar de sequer conhecê-lo) Xisto, logo passei a imaginar qual jogo gostaria de ficar revendo pela eternidade.
Difícil, em função da idade, uma escolha.
Não fiquei pensando, deixei brotar.
Veio, com absoluta precisão, até a data – noite de quarta-feira, no verdadeiro Maracanã, dia 4 de abril de 1956, terceira e última partida decisiva da melhor de três pelo Campeonato Carioca de 1955, entre Flamengo e América.
Discordando do Xisto, portanto, pois, à época, o Campeonato da Capital Federal era, para todos os torcedores, uma autêntica Copa do Mundo, e dane-se quem argumentar em contrário.
Tem história a decisão, no seu todo, pois realizada num momento mágico, quase insuperável da minha vida.
Havia acabado de passar no vestibular e ingressado na Faculdade Nacional de Direito.
Para não mentir e para não ser cabotino, vou apenas dizer que passei muito bem colocado, entre os dez primeiros.
Sentia-me um ser superior, como nunca em minha vida fui tão imbecil.
No último domingo de março, na primeira partida, ganhamos de 1 x 0, num golaço do fenomenal Evaristo.
A seguir, a Semana Santa.
Com um grupo de amigos e amigas, fomos para Cabo Frio, ainda um grande areal, numa época em que, na melhor das hipóteses, o grande ^assédio sexual^ era segurar os peitinhos de uma eventual namorada, acariciando-lhe e beijando-lhe os mamilos.
Perdi a minha, que não me era importante, pois deixei os seus seios para voltar no Domingo de Páscoa, no ônibus da madrugada da 1001, a fim de assistir a conquista do título.
Ferro total – 5 x 1, para eles.
Na segunda-feira, começaram as aulas na Faculdade.
Acreditem que é verdade.
DE TERNO E GRAVATA.
Logo na quarta, assim vestidos, saímos de lá, o meu colega Eliel de Vasconcellos e eu, direto para o Maracanã.
GLÓRIA TOTAL – 4 x 1, com quatro gols do Dida, que não pudera jogar as duas primeiras partidas.
I-N-E-S-Q-U-E-C-Í-V-E-L !!!!!!!!!!!
Felizes, como quase sempre, RECORDAÇÕES rubro-negras.
FLAMENGO SEMPRE
PS – fazendo justiça aos responsáveis pela emoção. Técnico – Fleitas Solich (homenageando o Xisto, ^ganó el mejor^). Time- Chamorro – Tomires e Pavão – Servílio (o títular era o Jadir, não sei a razão da ausência), Dequinha e Jordan – Joel, Duca, Evaristo, Dida e Zagalo.
Sempre vale voltar no tempo para bitocar uns mamilos, amigo Carlos. E ainda ver o velho Dida no ataque, putzil!
Eu acho que li, uma vez, um depoimento do gente boa, rubro negríssimo Ruy Castro (autor de biografias de personagens famosos como “O anjo pornográfico”, “Carmen”, “Chega de saudade”, “Ela é carioca”, “A noite do meu Bem”) que uma das suas obsessões em escrever o livro sobre o Garrincha (“Estrela Solitária”) é que ele, garoto de 14 anos, foi ao Maracanã com o pai e sentou atrás do gol em que o Garrincha praticamente liquidou o jogo contra o Flamengo na final de 62, 3×0! 160.000 presentes!
Se me lembro bem, dizia ele que a imagem do jogador se agigantando, na sua direção [ e do gol adversário], endiabrado, “imarcável”, como um vendaval…despertou nele uma paixão estarrecedora como nunca imaginara! O verdadeiro diabo de pernas tortas! Magnífico em sua Arte e ao mesmo tempo Amedrontador!
Eu, que sou botafoguense do Jairzinho pra cá,e que nunca vi o famoso camisa 7 jogar, ao ler este depoimento, e ver os videos do Garrincha, queria voltar nesse dia pra conferir o espetáculo em um Maracanã lotado, O maior templo do futebol!!!, e me encantar…
Como diria a personagem da Fernanda Montenegro na cena, pra mim, mais tocante do filme “Central do Brasil”, tenho saudades de tudo!
Até do que não vivi!…
Saudações reverenciais (©MCM) de um alvinegro à massa rubronegra, desejando uma bela festa amanhã!
Fernando 3
A cena:
https://www.youtube.com/watch?v=M_-GNGnweuU
Valeu Fernando, realmente “não é só futebol”…
É magia, é fantasia!
Parabéns pelo texto, Marcelo! (como sempre…)
Abraço!
F3
Voltaria ao gol do Pet em 2001 para reviver adulto aquela emoção de 15 anos de idade.
Com a vantagem de ainda poder pagar uma cerveja para o seu eu-jovem. Ah, quem dera.
Se pudesse ter esse poder de escolha, com certeza seria o primeiro título do Campeonato Brasileiro. Flamengo 3 x 2 Atlético Mineiro. Relembrar Zico, Andrade, Leandro, Júnior, Adílio, Tita , Júlio César e o artilheiro das decisões. Esse realmente era decisivo! Nunes, o João Danado.
E o Atlético Mineiro também tinha um timaço. Foi o jogo mais nervoso ao qual assisti. Jogadores com o primor da técnica. Base da Seleção de 1982.
Não vou nem tentar qualquer tipo de comparação com o atual elenco rubro-negro. Seria um processo extremamente depressivo. Restam as alegrias de ter visto um dos maiores times de todos os tempos. Com certeza, o maior que o Flamengo já formou. Com a assinatura de que a grande maioria dos jogadores foram oriundos da base.
Saudações rubro- negras!
Marcelo, estava sentindo sua falta. Sua proposta me fez lembrar de uma revista do tempo do minotauro, ainda nem sei se existe, a Seleções do Reader’s Digest que na época costumava se dizer que o cara era “culto” poque lia Seleções, pois é, havia na revista uma seção fixa, “Meu tipo inesquecível”, o que me lembrou o tal jogo inesquecível. Só que jogo inesquecível pra mim é jogo de ganho de campeonato, mas campeonato mesmo, coisa séria e não carioquetas, e eventuais copas do Brasil, portanto, há mais de trinta anos que o Flamengo não me dá essa alegria de “um jogo inesquecível”. E pelo andar da carruagem, nem sei se vou ter essa oportunidade nessa minha vida de velho rabugento, portanto, é melhor esquecer o tal jogo inesquecível. É desolador.
Vamos com fé, que este ano tem mais, caro Xisto. Abraços.
Ainda existe, caro Xisto. E já deve estar no número 814.539. E ainda penso nesse tal jogo inesquecível. Com idade avançada são vários. Ótima nova crônica!
Monstro! Que bom que voltou!
estou sem tempo, pois tenho um compromisso importante.
em um primeiro momento, só quero afirmar que o artigo, de alta sensibilidade, é magnífico.
SRN
FLAMENGO SEMPRE
Ótimo texto e ótima escolha de transcrição; o texto citado do Arthur é magnífico. Tenho armazenado no e-mail em mensagem que enviei a amigos flamenguistas após aquela fantástica partida (acho que eu nunca gritei tanto em um gol). De vez em quando, leio novamente.
SRN