Flanava pela rua com um casal de amigos quando um deles estacou, diante da banca de revistas. Lá estava, na capa da “Marie Claire”, a fina estampa da ginasta Rebeca Andrade, 24 anos, cabelos trançados, olhar firme, lábios sérios e realçados pelo batom negro.

– Não tem para ninguém, né? Para mim, a seleção das maiores mulheres do esporte brasileiro começa com ela. É Rebeca e mais dez!

– Sem dúvida. Ainda mais de Prada.

Três esquinas adiante, paramos no bar e o debate foi em frente.

– Rebeca e mais dez, maravilha. Mas quem seriam as outras?

– Meu panteão das deusas do esporte nacional está aqui ó, no meu guardanapo. (Pigarro) Maria Lenk, Aída dos Santos, Rafa Silva e Janeth; Formiga, Maya Gabeira e Fofão do vôlei; nossa ginasta da capa, Hortência, rainha Marta e Érica Gazela Negra.

– Gazela Negra, a corredora do Flamengo? Meio clubista, hein. Sou mais a minha: Maria Lenk, Maurren Maggi, Mayra Aguiar, Amanda Leoa e Ana Marcela (que zaga!); Magic Paula, Maria Esther, Jackie & Fabizinha do vôlei; Rebeca e, no ataque, dona Mathilde.

– Hein?

– Sabia que vocês iam implicar com a Leoa.

– Pateta.

– Belas listas – intercedi – mas me perdoem. Faltou aí uma grande mulher. Talvez a maior guerreira que já vestiu o Manto Sagrado do Flamengo. A imperatriz de um cantinho especial do Maracanã.

– Da mesma estirpe.

E comecei a desfiar a história. A saga da rainha da geral do Maracanã. Na certidão, Maria Boreth de Souza. Para nós e para a torcida do Flamengo, a popular tia Zica.

O estádio do Maracanã cheirava a tinta quando ela veio ao mundo, na véspera do Natal de 1950. Nascida no subúrbio nos melhores dias, Maria Boreth cresceu em Olaria. Mas jamais conheceria os pais biológicos, que a entregaram ainda bebê nas mãos de seu João e dona Cordélia.

Uma das primeiras frases que aprendeu era a que ficava penduradinha no seu berço: “Onde encontrares um flamengo, encontrarás um amigo”. A outra frase que a marcou, já aos 7 anos, a encheria de pavor.

Ela a ouviu quando a mãe de criação adoeceu. Da boca do padrasto, escutou então a promessa arrepiante:

– Quando sua mãe morrer, você será minha mulher.

O que você faria? Apavorada, a pequena Maria Boreth fugiu de casa. Passou a dormir entre tapumes de obra e a ganhar a vida na rua. Seriam dez anos nisso, até os 17.

Para o desjejum, contava com a caridade. Para o lazer, ia de ônibus até a Gávea, onde aprendeu a pular os muros ver seus ídolos treinando. Na época, o Flamengo brilhava com: Fernando, Joubert, Pavão, Jadir, Dequinha, Jordan, Luís Carlos, Moacir e Henrique. E, seus favoritos, Dida e Zagallo.

Era quase Natal e seu aniversário, mas Zica não tinha com quem festejar. Vagou pela Tijuca e acabou no Aterro do Flamengo, um de seus locais prediletos. Quando a última pelada terminou, voltou a perambular e decidiu passar a noite no ônibus. Subiu no primeiro Saens Peña-Cascadura que passou, para descansar um pouco. Foi acordar no ponto final. Saltou, dormitou no banco de cimento e acabou despertada por quem? Dona Mathilde.

– Olha ela aí de novo.

– Exato. Sim, a humilde torcedora apaixonada tinha ido parar pertinho da casa real dos Antunes Coimbra, em Quintino. 

A mãe de Edu, Zico & cia ofertou um almoço, e elas conversaram muito. Zica passou a dormir lá e trabalhar com a família, como ela contaria ao repórter Hilton Mattos, em depoimento ao livro “Heróis do cimento”: