Eu não fui, por falta de cobres e coragem. Mas dois irmãos flamengos estavam entre os 5.518 bravos vacinados que retornaram aos estádios em 21 de julho de 2021, depois de 500 dias de pandemia. Foram eles que relataram o papo que se segue, ouvido a dois degraus de distância durante o Flamengo 4 a 1 nos argentinos do Defensa y Justicia, no estádio em Brasília:
– E ainda dizem que política e futebol não se misturam. Olha o que o Renato Gaúcho tá fazendo!
– O que foi? Ele convidou o vice-presidente Mourão para a preleção de hoje?
– Hein? Não, repara a estratégia. O time não andava descompactado, levando gol de tudo que é lado? O que o Renato fez ao chegar? Aproximou a Defesa e o Centrão. Puro bolsonarismo raiz.
– É, não se pode negar que esse governo entende de mata-mata…
– Cara, vagabundo fica reclamando da proximidade dos dirigentes do Flamengo com o primeiro escalão de Brasília. Sabem nada! É justamente isso que pode salvar o país.
– Olha, eu ia até pegar um polvilho, mas antes vou escutar tua teoria.
– Teoria o cacete, é fato! Basta o Landim sentar duas horinhas com o Mourão, que é rubro-negro pra chuchu, e assinarem uma troca de papéis: o Flamengo cuida do Brasil, distribuição de máscaras, protocolos de saúde, logística de vacinação, planilhas, investimento no esporte. Em troca, o Exército Brasileiro protegeria nosso maior bem, hoje um problema aparentemente insolúvel.
– A Amazônia?
– Hein? Que Amazônia? O gramado do Maracanã! Imagina como ia ficar bonito, verdinho, aparadinho e bem caiado…
– Olha lá o Michael! Sabe que eu não tinha pensado nisso? Resolve dois problemas com uma canetada só.
– Tô falando… Resolve tudo! Não sou como aqueles teus amigos que acham que entendem de cu a foguete, eu só falo do que sei.
– Sabe o que eu queria? Eleger um presidente da República rubro-negro. Seria irado, o cara ali no camarote não para babar ovo ou posar para a TV, e sim para torcer, falar mal da zaga, comer torresmo no Bode Cheiroso antes do jogo… O país seria bem melhor.
– Nunca tivemos. Falam do Médici, ditador que adorava ir ao Maracanã. Mas era tudo encenação. Ele, na verdade, era Grêmio. Assim como o João Saldanha, que se confessou muito mais gremista do que botafoguense e disse que todos os gremistas são assim.
– Mas o Eurico era Flamengo, não era?
– Verdade. Eurico Gaspar Dutra, o marechal. Flamengo roxo. Era de Cuiabá mas formou-se na praia Vermelha. Foi amigo íntimo do velho Hilton Santos, presidente flamengo que lhe pediu o terreno do Morro da Viúva e ele deu. Isso foi em 1946.
– Que mamata! E não teve mais nenhum?
– Nenhum. Getúlio era gremista. Café Filho era potiguar e torcia pelo Alecrim FC, até jogou pelo clube de Natal. JK era América Mineiro, Jânio era Corinthians. Jango era colorado, quase foi zagueiro do Inter, parou nas categorias de base. Entre os generais da ditadura, Costa e Silva era Grêmio. Já Castello Branco e Geisel detestavam futebol, ou qualquer coisa remotamente divertida, como se aprende nos livros do Gaspari. Figueiredo era Fluminense doente. Adorava apostar com jornalistas em dia de Fla-Flu. Cavalgava vestido com a camisa tricolor.
– Que fase. E o Sarney?
– Sampaio Corrêa Futebol Clube, claro. Depois vieram Collor, CSA; Itamar Franco, Sport Club Juiz de Fora; FHC e Lula, corintianos, um mais que outro. E a Dilma, atleticana. Falta um chefe de estado flamengo ou não falta?
– Pô, tu tá falando de política, agora espia aquilo ali embaixo! O cara meteu na camisa 12 do Flamengo o nome “Eurico Miranda”! Só tem maluco.
– Cadê? Ah, conheço a fera. Cabeludo, gente ótima. Ele é Eurico e é flamengo também. Mora aqui na capital, seu nome de batismo é Eurico Antônio Miranda, já apareceu na TV. Só vai a estádio com 200 documentos, para evitar problemas com torcedores organizados. Com vascaínos principalmente.
– Cara, eu acho que já tenho meu candidato: é flamengo, inteligente, querido por todo o Brasil, morou na Europa, e é rico-logo-não-precisa-roubar: aquele cabra ali da lateral, o Filipe Luís!
– Brinda aqui, tu é um gênio, não é daqueles que falam de peido a bomba atômica. Pô, aproveita e chama ali o Eurico cabeludo para formar a chapa. Nome de vice ele já tem, né?
Arthur,
Texto maravilhoso!!!! Hilário!!!!
Acompanho seus trabalhos desde 2009/2010 e me espelho nesse estilo direto e inteligente de escrever!!!
SRN- DF
PS: Hj me dei um.presente: comprei uma camiseta retrô na loja aqui de Brasília
Muito bom. Mas deixemos o Landim longe de tudo. Até do Flamengo.
Eu trabalhei no CENPES, como seus pais (abraços no Mário e na Maria). Naqueles tempos tinha uma galera que gostava de jogar tênis e onde tinha quadras boas por perto era em São Januário. Assim sendo eram sócios do Vasco. A maioria flamenguistas. Quando chegava a época de eleição, faziam um mutirão para ir votar no Eurico. Primeiro por que ele cuidava das quadras, mas principalmente por ele ficar naquela fixação de que jogo com o Flamengo era o campeonato que contava. As vezes eles ganhavam, mas a gente era campeão. Quando a gente vencia o duelo, os vascaínos tinham de aturar. Os colegas que eram torcedores cruz-maltinos ficavam putos e não iam votar…
Delicioso!!!
Show demais… Obrigadão pela moral e parabéns pela matéria. Estamos aqui… E com toda certeza, Eurico Miranda é Flamengo (Mengão) sempre. Vamos que vamos Mengão!!!! Vlw demais, um forte abraço, SRN e fica com Deus
Ass: Eurico Miranda, Flamenguista graças a Deus
Hahahahahahahaha
Nos tempos em que era vivo (MUITO vivo) o nefasto Eurico Miranda (o outro, o mau, não esse da crônica, que é do bem), admito que toda vitória sobre o vice tinha sempre um sabor a mais, um sentimento extra de alegria por saber que o sapão devia estar muito puto da vida com a derrota. Lendo o texto do Dunlop (ao qual, aliás, seguem os parabéns de praxe), me lembrei de uma ocasião em que meus amigos custaram a crer que eu estivesse mesmo comprando uma rifa do time do Eurico, pra concorrer a um automóvel zero-quilômetro e, concomitantemente, ajudar o time. O próprio Eurico, o “original”, faria a entrega do prêmio, segundo prometia a cartela do sorteio. “Como assim?, me perguntavam, “logo você, comprando rifa do (piiiii)?”
Pois foi, comprei mesmo. E expliquei:
– Senhores, contenham-se. Não há aqui nenhum sentimento filantrópico nem intenção de ajudar. Compro por duas razões. Primeiro porque com o Eurico à frente, não há a menor possibilidade desses poucos reais chegarem a algum lugar onde possam ajudar a alguém cujo sobrenome não seja Miranda. E segundo porque acho que esses poucos reais valem o meu sonho de aparecer vestido com o Manto Sagrado pra receber meu prêmio das mãos do Eurico e agradecer a todos os vices que pagaram suas cartelas direitinho e permitiram a um flamenguista ganhar aquele automóvel.
Quando morreu o nefasto Eurico, lamentei profundamente que tivesse partido sem realizar meu sonho. Teria sido épico.
SRN com água no chope do Eurico, o mau e um brinde ao Eurico rubro-negro, o bom.
Fui pego pela polissemia de Eurico, o Miranda conhecido, o Miranda menos conhecido e o Gaspar Dutra. Parabéns, Dunlop.
Qualquer coisa abaixo de 20% de presidentes flamenguistas significa sub-representação ou uma dinâmica política histórica que favorece pessoas nascidas em São Paulo e Minas.