Tem dias em que as coisas simplesmente não dão certo. A gente joga a massa na parede, a massa não segura. Mete o prego na madeira, o prego enverga. Bota a pipa no alto, a linha embola. Um dia infausto é coisa da vida, acontece com todo mundo, inclusive com o Flamengo. Só não pode desistir, tem que continuar tocando o barco. Retroceder nunca, render-se jamais. O Flamengo não ficou famoso pelas mil vezes em que tropeçou e caiu, mas pelas mil e uma vezes em que se levantou e saiu correndo de pau duro atrás do que queria.

O jogo com o Corinthians, que tinha potencial para consagrar o Renightismo como a doutrina dominante do próximo ciclo Olímpiada/Copa do Mundo/Viajandão Invitational no futebol masculino, feminino e futevôlei no Brasil, acabou tornando-se uma enorme frustração. Nem mesmo a espetacular medalha de ouro de Rebeca Andrade no salto no cavalo, a primeira medalha de ouro olímpica do Flamengo na ginástica artística, serviu como consolo para o torcedor que se preparou durante toda a semana, com muita determinação, respeitando todos os protocolos e ultrapassando todos os obstáculos criados pela dramática falta de uma política nacional de esportes, para uma goleada que não veio.

A frustração é como uma maré vazante, deixa à mostra os escolhos, cachopos e baixios submersos pelas águas revoltas da empolgação, que ao lado das ondas artificiais provocadas pelo Oba-Oba são as maiores causas do naufrágio de nove entre dez barcos que percorrem a rota rumo a Tokyo. Pro Flamengo, que nasceu reggatta de blanc e se orgulha da sua gênese náutica, é simplesmente inaceitável que o timoneiro se perca no caminho e leve o barco a pique. Se liga, Renight, você não é mais grumete.

O placar esquálido, avaro em gols e injusto com o que aconteceu dentro de campo foi simplesmente o pior resultado do Flamengo na Arena Neo Dependente Química nos últimos três anos. Deixando evidente que o Flamengo de Renato Gaúcho (sim, esse Flamengo já é do cara, principalmente quando der esses moles) ainda possui um enorme espaço para o aperfeiçoamento.

E olha que o Flamengo está jogando pra caralho. O primeiro tempo do Flamengo na peleja foi quase pornográfico, não fosse o óbvio e indiscutível consentimento dos alvinegros as mentes maldosas poderiam até pensar que o Flamengo estava assediando e constrangendo o Corinthians no canto da sala tão intenso era o amasso. Pra sorte da reputação do Flamengo, por assim dizer um macho-alfa feministo, a absoluta ausência de qualquer forma ou demonstração de resistência por parte dos curica configurou o intercurso como consensual.

O Flamengo é, acima de tudo, um cavalheiro, bastava aos alvinegros terem dito não, mas eles participaram passivamente da sacanagem sem dar um pio. Preferiram guardar suas queixas para o fim da etapa regulamentar, com os constrangedores choramingos e falsas acusações de Gil (o beque, não o legislador) dirigidas ao inocente Gabigol em frente às câmeras de TV. Logo com Gabigol, que apesar do vício no jogo é um bom rapaz, que mesmo tendo participado e incentivado os companheiros durante o bacanal, nem tinha metido. Cachorrada do Gil.

O desempenho do Flamengo nos 45 minutos iniciais, melhor seria dizer exibição, comprovaram que Renato Portaluppi é o maior apóstolo vivo de Jesus. Usando seu estilo boleiro, folgazão e pegador como um perfeito disfarce para um fiel abnegado e respeitoso, que coloca em prática diáriamente, em gestos, ações e pensamentos, os ensinamentos de Jesus.

Principalmente por fazer o Flamengo em campo, acima de todas as coisas, respeitar e honrar o cânon do Míster: marcação alta, pressão pós perda, ganhar de todo mundo e não perder de ninguém. Destruindo os inimigos, arrebentando com seus crânios e ouvindo o choro das suas viúvas. Foi essa a mensagem de Jesus que o torcedor rubro-negro guardou no coração e exige a sua aplicação.

Com os pensamentos ainda elevados, foi com grande espanto, e alguma indignação, que a torcida viu o Flamengo voltar do vestiário completamente mudado. Voltou com os mesmos excelente jogadores, mas o espírito, o élan, a raça, ah, estes ficaram no vestiário, misturados com a roupa suja e os restos da feijoada que devem ter comido num descuido da nutricionista.

No segundo tempo o Flamengo deitou, esperou o tempo passar, descansou com a bola rolando. Nem mesmo a entrada de três fominhas clássicos como Michael, Vitinho e Pedro foi capaz de despertar o Flamengo de seu inaceitável torpor. Por indolência, desinteresse ou só pra sacanear, transformaram um jogo até então de excelente nível técnico numa pelada sem vergonha.

A punição à preguiça, um dos sete piores pecados capitais, veio a galope. Até gol do curica o Flamengo conseguiu tomar. Um dos gols mais injustos do campeonato até agora, com a lamentável participação de Vitinho e Leo Pereira, o que certamente não foi benéfico para o processo de recuperação pelo qual os dois estão passando. Mesmo esse Vitinho do gol sendo do outro time o nome da pessoa fica prejudicado. Não era hora de dar essa mancada.

Mas o gol que o Flamengo tomou não foi pior que os cinco ou seis gols que o Flamengo deixou de fazer. Uma chance de goleada histórica, que não se repetirá pelo menos até o jogo com eles no Maracanã em outubro ou novembro, jogada pela janela, interrompendo uma promissora série de vitórias convincentes e animadoras. É verdade que seguimos sem perder e que Renight mantém o absurdo índice de 100% de aproveitamento em seus primeiros seis jogos à frente do elenco.

É também verdade que a situação não pode permanecer assim. Alguém tem que ser punido para que sirva de exemplo e que o ocorrido na tarde de Itaquera jamais se repita. O clima pesou, a crise se instalou na Gávea e exige respostas imediatas. Se Renato pretende manter o controle sobre o grupo é inevitável que promova profundas mudanças na equipe titular que vai enfrentar o ABC no jogo de volta pela Copa do Brasil. Uma partida extremamente perigosa, cujo placar um pouco exagerado do jogo de ida pode dar a falsa impressão de que a vaga nas quartas de final já é do Flamengo. Não é assim que as coisas funcionam no Flamengo. Mas isso o Renato já sabe perfeitamente.

Assim é o Clube de Regatas do Flamengo, destruindo os domingos da arcoiririzada desde 1895. Só que às vezes o Flamengo destrói os nossos domingos também. Que possamos ter mais sorte e maior comprometimento com a qualidade do espetáculo em nossos próximos compromissos. Como maior produtor de conteúdo do Brasil o Flamengo tem que manter o alto padrão. Não é porque o Brasileiro é obrigação que o Flamengo está autorizado a vencê-lo jogando feio. Se melhore, Flamengo.

Mengão Sempre