Fazer com que esse ano seja ao menos parecido com 2019 não vai ser uma tarefa fácil. Fora os aspectos parafutebolísticos, que nem precisam de explanação, o 2020 dos rubro-negros, para não se transformar numa tragédia total, vai passar obrigatoriamente por um realinhamento das nossas expectativas. Não no sentido das metas almejadas, nisso aí continua tudo igual, queremos ganhar tudo em 2020, Copa do Brasil e Mundial incluídos. Mas já deu pra perceber que o passeio a galope pelo Brasileiro do alto do cavalo alado do favoritismo indiscutível não vai rolar.
Os motivos pro cancelamento da tão aguardada Caravana Esculacho do Flamengo Invencível 2020 são muitos, a Pandemia é o maior deles. Ainda que existam aqueles que não enxergam relações causais entre futebol profissional e Saúde Pública o dano causado pelo impacto do Covid19 sobre o futebol não é desprezível. A ausência da torcida nos estádios, o número excessivo de partidas e a redução do nível técnico e físico nas equipes são apenas os mais visíveis.
Agora soma a todas essas mudanças o medo indizível, a incerteza com o futuro, a proximidade com a morte e a consciência da finitude da existência que o vírus despertou em cada um de nós, torcedores e jogadores. Da mesma maneira que os jogadores do Flamengo vão precisar descobrir um maneira de entrar em combustão no gramado sem a fagulha que vem das arquibancadas, nós na torcida também vamos ter que rever o nosso papel. Em 2020, mais do que nunca, as fortalezas mentais serão decisivas para o sucesso esportivo. Cabeça, irmão. Cabeça.
O tétrico inicio no Brasileiro pode estar sendo o maior incentivo para que o Flamengo volte mais rápido para a estreita estrada do futebol que alegra os sentidos e preenche a alma. Um estrada que é cercada por todos os lados pelas iniquidades dos egoístas e pela tirania dos perversos. Bendito é o torcedor que, em nome da caridade e da boa vontade, pastoreia os fracos pelo vale das trevas, pois ele é verdadeiramente o protetor de seus irmãos e o salvador dos filhos perdidos.
Pode parecer estranho que o torcedor que há menos um mês antevia os massacres táticos e as carnificinas históricas promovidas pelo Flamengo em sua jornada implacável rumo à glória esteja hoje sinceramente satisfeito com esse 1×0 magrinho sobre o fraco Coritiba, cujas passagens recorrentes nas mefíticas divisões subalternas do futebol pátrio o impossibilitam de ser parâmetro para alguma coisa.
Mas estranho mesmo seria que esse torcedor, por mais insana que fosse sua visão de mundo, não tivesse se modificado, se transformado ele mesmo em outro torcedor, diante de todas as rasteiras que tem levado desde março. A distância física imposta pelas circunstâncias, o fim do ciclo de Jesus, as defecções no elenco, foram minando, pouco a pouco, as bases dos delírios de conquista, hegemonia e germanização.
A realidade se impõe com severidade. O time do Flamengo em 2020, a despeito da presença dos mesmos craques que subiram até a metade do Olimpo no ano passado, é completamente outro em relação ao de 2019. Torcedores mudam, jogadores mudam também, e não apenas nos aspectos físicos. São novos homens, com novas missões. Entre elas uma inédita, a de manter seu lugar no topo da pirâmide alimentar. Deixar de combater o perigo que está acima para defender o terreno conquistado daqueles que vem de baixo é uma profunda alteração na dinâmica dos embates. Se algum jogador permanecer o mesmo do ano passado tá treinando errado.
É até válido colocar em questão o conceito que norteou a escolha do substituto de Jorge Jesus – manter o trabalho realizado – porque tal manutenção, na ausência do Míster, é pouco mais do que uma crença. Está muito longe de uma proposição estratégica. Manter o Flamengo de Jesus, enquanto ideia, é sebastianismo que só atrasa o surgimento do Flamengo de Domènec Torrent. Se não for pra ser o Flamengo de Torrent ele nem deveria ter vindo.
O Flamengo de 2019 deve ser um farol e não uma sombra para o Flamengo de 2020. Os grandes campeões do passado devem inspirar, servem para levar os times atuais adiante. É ruim quando os tornamos vultos fantasmagóricos, inatingíveis, que por excesso de reverência imobilizam quem está em campo. Como aconteceu durante muito tempo com o Flamengo Cósmico de 1981, da sombra do qual recém saímos depois de 38 anos eclipsados pela conquista do Mundo.
O mais honesto, produtivo para o Flamengo e prazeroso pra a torcida, é encarar esse Flamengo 2020 como um novo time, com uma nova proposta de percurso para chegar ao destino que desejamos. Não como a segunda temporada de uma série que adoramos ver ano passado, mas como uma nova criação com qualidade igual ou superior, capaz de atender nossos anseios. Que já não são os mesmos do ano passado, porque nós também mudamos. Desejamos o mesmo Flamengo idealizado de sempre, só que diferente.
O futebol também é uma experiência estética, que Hegel definiu como a ciência que estuda o belo. Assistimos aos jogos do Flamengo em busca do belo, seja ele artístico ou natural. No Brasileiro 2020 o belo dos jogos do Flamengo é a percepção do imenso espaço para aperfeiçoamento que existe. Ainda estamos distantes do que se convencionou chamar, por mais baixos que sejam os padrões, de futebol bonito. O Flamengo sempre estará muito longe do que gostaríamos que fosse, mas somos nós que fazemos que o Flamengo seja o que é.
A evidente necessidade de evolução estética do time no fundo estreita a ligação com a torcida. Que a parte estar longe fisicamente, mais do que admirar uma obra pronta de indiscutível beleza, se sente participante do processo evolutivo. Quando transformamos patinhos feios claudicando abaixo da zona de classificação em cisnes assassinos terror dos G4s nós também nos transformamos. Temos que investir nessa ligação, que rolou muito forte em 2019. Mas que depois que passamos o rodo no Brasil e na América, e depois que começou o papo da “hegemonia”, tinha se perdido.
O time é novo, é no sapatinho, um jogo de cada vez, que essa corrente time-torcida vai fortalecer. Pro Flamengo ela é fundamental. Quando a torcida não consegue se unir e construir uma estrutura mental e anímica sólida e significativa fica muito mais difícil pros jogadores em campo. As arquibancadas vazias jogam contra o Flamengo e o Domènec não pode contar nem com as sábias vibrações da Fla-Mureta. Se tivesse acesso à essa ajuda o catalão jamais deixaria o Arrascaeta no banco se não fosse caso de fratura grave. Cap, germá, cap.
Rumo aos 45 pontos, no sapatinho frenético da humildade afirmativa compulsória. Depois a gente vê como é que fica.
Mengão Sempre
Mudar toda a estrutura do Flamengo campeão de tudo de Jesus apenas na sua segunda partida, sem ter treinado, é de uma estupidez inaceitável.
Dome deve saber muito de futebol e de metodologia de treinamento, afinal ninguém trabalha com um Guardiola por 12 anos sem aprender nada. Mas saber do riscado não é tudo para um treinador. Ele também precisa ser um cara inteligente, um bom tomador de decisões.
Essa bola fora dele me preocupou muito, ao passo em que a sua imediata correção no jogo seguinte demonstrou humildade (ou cu trancado) suficiente para renovar minhas expectativas.
Concordo com o escriba, um Flamengo a la Guardiola (falo do conceito, e não dos seus últimos resultados no velho continente) é uma imagem de sonho para qualquer torcedor. Por isso gostei muito da sua contratação. Espero que um dia possamos ter o Guardiola original.
Continuo não vendo relação entre a prática de esportes profissionais, ao ar livre, de portões fechados e com protocolos de biossegurança, e prejuízos à saúde pública.
Vejo mais relação entre o retorno – ainda que com tantas modificações – de uma atividade que movimenta enorme receita e empregos, e comida na mesa de muita gente que precisa muito mais do nós aqui, que temos banda larga pra ficar de papo furado na internet exigindo que os outros fiquem em casa sem ter um puto no bolso para sustentar a família.
Tô muito animado com a chegada da mulher do Isla. Benza deus! Protegei as minhas coronárias. Amém.
Tô muito animado com a chegada da mulher do Isla. Benza deus!
Adorei a referência a Ezequiel 25:17/Pulp Fiction! Que de fato alcancemos a Terra Prometida ao final desta cruzada pelo vale das trevas!
Imagine o seguinte: você foi escolhido para a glória suprema e lhe é dada a oportunidade de envergar o Manto Sagrado em uma partida oficial, no Maracanã. Mas aí, calha de você não estar num dia muito inspirado e você fica ali, de boas, tentando não comprometer e esperar a moçada com mais zeros no contracheque resolver a bagaça. O time leva um gol, sente a pressão e começa a entregar a rapadura. É hora de encontrar aquele sangue no olho, aquela motivação extra que tá faltando. Aí você olha pro banco.
Pergunta: que imagem faz você parar rapidinho com o migué e começar a jogar de verdade? O Jorge Jesus, possesso, parecendo que está recebendo um santo na beira do campo ou o Dome, paradão, assistindo a tudo placidamente, como se estivesse satisfeito?
Tudo isso pra dizer que acho que está faltando esse sangue no olho, essa raça, essa dose extra de vontade que era tão comum no glorioso ano de 2019. Pode estar faltando perna, pode estar faltando tática, pode estar faltando até a sorte, mas faltar raça num time do Flamengo é o que é mais difícil de assistir.
A boa notícia fica por conta de termos saído daquela posição de favoritíssimo, algo que geralmente joga mais contra do que a favor. Agora caberá às galinhas das alterosas sair da posição de frango-atirador (desculpem, foi inevitável o trocadilho) e passar a receber toda a pressão do favoritismo, além de tentar segurar o ego do Sampaoli. Sei não, mas acho que, se der corda, eles mesmos se enforcam.
SRN.
temos que encarar as partidas com a mesma seriedade que teriamos com a torcida presente,esse papo de que estamos em desvantagem por causa da pandemia não me convence.
flamengo é o melhor elenco do brasil e tem que mostrar isso em qualquer situação.
ontem o time mostrou vontade e lutou até o fim,gostei do que vi.
SRN !
Chacal, bom dia. Concordo plenamente. Também gostei muito do que vi.
SRN!
Sábias palavras , ó guru das arquibancadas. Um dia de cada vez!
Arthur mesmo jogando em outro patamar, mesmo não sendo o mesmo Flamengo, mesmo jogando em meio a uma pandemia e ainda por cima sem torcida. A melhor coisa que aconteceu foi a volta do Flamengo ao gramado. É por todos esses motivos que o Flamengo é muito mais que necessário nessa hora. Seja para nós deixar emputecido, seja para nos dar uma alegria fugaz como a de ontem. Olhe para frente e nos guie a nossa fanforronice de sempre. Aqui é Flamengo e iremos querer sempre mais! Abraço Fraterno!
SRN! Heráclito é nosso pastor, disse uma ovelha rubro negra!