Foi um parto de urubu, mas o nosso grupo de Zap sobre o Flamengo conseguiu enfim marcar aquele chopinho, no coração da Gávea. Um publicitário, um desenhista, um crítico de cinema, um designer e um surfista – praticamente o “Clube dos Cinco” sem baderna e sem espinhas. Como bom carioca mandingueiro, estive presente de alma, após furar em cima da hora. Para compensar, corri atrás dos melhores lances da resenha, ou o que consegui recuperar graças ao bom e velho Berg, garçom do Brewteco, faixa-preta e testemunha auricular do encontro.

– Bela mesa, já já começa o Coritiba x Santos.

– Ué, estamos de costas para a TV.

– Exato, quanto mais longe melhor. Solta cinco garotinhos, Berg!

– Boa, brindemos a quem? Ao Bruno Henrique? Sampaoli? Ao Pablo Marí, vendido de novo? Que homem!

– Outro dia no bar conheci um ex-jogador argentino. Sabiam que o Sampaoli nos anos 1980 era cabeça de área? Tremendo pitbull mordedor, volante estilo SWAT. Depois jogou de 8 e terminou lateral. Eu vi até foto, tinha um cabelão.

– Agora entendi a paciência com o Thiago Maia, é corporativismo deslavado. Cadê o Dunlop?

– Arrumou uma fascite plantar, anda com o calcanhar manquitolando há uns meses já.

– Achava que ele era um anti-fascite.

– Mas ele vinha aqui para beber ou sapatear?

– A última que tomei com ele foi no Marrocos, entre um encantador de serpentes e um tecelão. Tô pagando a viagem até hoje. Mas sabem que valeu? Trouxe de lá um elixir de ginseng assombroso, bom para a memória. Três gotinhas por dia e lembro tudo!

– Leram a crônica dele com a história dos nossos mascotes? Curioso como o Popeye, americano, com o tempo perdeu espaço para o Urubu, bem tupiniquim.

– Pois é, os ventos nacionalistas dos anos 1960…

– O mais engraçado é que o Ary Barroso começa com o papo de urubu nos anos 1940. Tem até um desenho precioso do Otelo Caçador: o Popeye com o Urubu no ombro! Essa devia estar no Museu do Flamengo, hein?

– É engraçado como os anos 1960 que mudaram o mundo também foram uma década determinante na história do Flamengo. Reparem: em 1967, chega o molecote Zico; em abril de 1969, Henfil lança o personagem Urubu nos jornais; meses depois, os malucos do Leme levam o bichinho ao Maraca, no jogo com o Botafogo.

– Bichinha!

– Hein?

– Bichinha. Era uma urubua, fêmea. Que aliás morreu depois do jogo, perto do fosso da geral. Morreu de fome. Naquela zorra do jogo, ninguém conseguiu salvar a pobre ave.

– Se não me falha o ginseng, o Flamengo tinha Domínguez, Murilo, Onça de líbero, Guilherme, Paulo Henrique, Liminha, Rodrigues Neto, e Luís Cláudio; Doval, Dionísio e Arílson. O Botafogo tinha Ubirajara, Moreira, Zé Carlos, Leônidas, Valtencir, Carlos Roberto, Gerson Canhotinha, Rogério, Roberto Miranda, Jairzinho e Paulo Cézar Caju. Arbitragem do Armando Marques. O público pagante foi…

– Huum, 1963… Jackie em transe após os tiros em Kennedy. A posse do Papa Paulo VI. João Gilberto no estúdio. Beatles nas paradas. Paulinho da Viola pela primeira vez na Portela.

– Esconjuro, ginseng do capeta.

– Faltou uma obra-prima lançada naquele ano. Talvez o último grande filme de Hitchcock.

– “Os pássaros”!

– Verdade. A intelectualidade estranhou mas “Os pássaros” foi revolucionário. Verissimo acha que é o grande filme metafísico de Hitchcock. O primeiro filme de terror na história do cinema que não teve vilões. O vilão é o mundo, é a natureza vingando-se do homem. E tudo inspirado em fatos reais, quando aves na Califórnia se chocaram com as janelas, paredes e portas das casas. Soube-se depois que estavam desnorteadas, após comerem algas venenosas.

– E o que o gordalhufo Alfred tem a ver com o Flamengo? Berg, suspende o chope dele!

– Bem, Hitchcock era fanático por futebol, de ir a estádios na Europa. Era torcedor do West Ham de receber jornais ingleses toda semana. Daí desenvolvi minha teoria.

– “Um professor deve ter uma teoria como um cachorro deve ter pulgas.” H. L. Mencken, “O livro dos insultos”, página…

– Chega. A tese é que Hitchcock por pouco não apunhalou a história flamenga. Ou ao menos quase matou nosso mascote na chocadeira. Entre os mais de 3 mil pássaros usados na produção, Alfred poderia escolher aves de rapina e bicudos de grande porte. Mas o que ele inventa?

– Esse tema deu fome. Berg, um frango a passarinho!

– O que ele faz, para apavorar a criançada e os domingos no parque? Escolhe doces pardais, andorinhas, belos melros, corvos e as tolinhas gaivotas. Agora avaliem: e se ele filma um bando de urubus? À época o apelido já nos assombrava no Maracanã. Se os cinemas e a seguir os horários nobres na televisão desandassem a mostrar urubus arrancando olhos e nacos de carne de inocentes, ou explodindo postos de gasolina, vocês e a torcida do Flamengo teriam abraçado o mascote assassino? Jamais. Jamais!