Há uns dias atrás, desabafando nas redes sociais após um Fla-Flu vergonhoso, pedi que o Flamengo me esquecesse. Com dor no coração implorei que meus genes mulambos e irracionais me deixassem curtir minha pandemia em paz, comendo Doritos, lendo gibi e ouvindo música, sem drenar meus recursos emocionais torcendo para que uma série de impossibilidades lógicas ocorressem ao tempo exato para que conquistássemos o Octacampeonato Brasileiro.

Infelizmente o Flamengo só faz o que quer. E o que agora é evidente a qualquer um, é que o Flamengo anda querendo ganhar um campeonato em que ficou de sacanagem durante a maioria das suas rodadas. Contrariando tudo que os manuais recomendam em termos de gestão de uma equipe campeã, o Flamengo se aproveitou de uma peculiar conjunção astral e, faltando apenas oito jogos para terminar esse Brasileiro infernal, ligou o modo Deixou Chegar Fudeu. Que satisfação, aspira!

E o Flamengo fez isso exatamente às 21 horas do 21º dia do 21º ano do século XXI. Data mística que alguns sábios afirmam ser o início oficial da Era de Aquarius. Ora, meus amigos, geral conhece a música do Fifth Dimension e que a Era de Aquarius será marcada pela harmonia e pela compreensão. Pela simpatia e confiança abundantes e pelo fim das falsidades. Sonhos dourados de visões. Revelações do cristal místico. E a verdadeira libertação da mente. Mengão 2 x 0 na porcada sem mundial.

Se o cabra for olhar somente o que rola dentro de campo fica mais difícil acreditar que o Flamengo chega lá. Porque o futebol do Flamengo ainda é marcado pelo grande sofrimento que proporciona aos seus seguidores. Cada hora é um susto diferente, e mesmo quando estamos em vantagem ainda temos que ficar de olho no que o Ceni de Troia pode aprontar.

Já quase no final do jogo, quando defendíamos como dava nossa vantagem mínima, o São Paulo entrou em desespero e lançou seu último cartucho pra salvar uma temporada em que não ganharam porra nenhuma: botou Vitinho em campo. O sangue de 40 milhões gelou, mas deu tudo certo. No final o Sr. Vitor (melhor evitar intimidades desnecessárias) até bateu um escanteio direito que acabou resultando no belo gol fecha-tampa-do-caixão do jovem Pepê. E assim, no susto e no vício, voltamos a disputar a bagaça à vera. São umas paradas que só acontecem com o Flamengo.

Paradas que já aconteceram antes, nesse mesmo século maluco em que vivemos. Como em 2009, o Flamengo em 2020/21 jogou fora o livro e tá fazendo tudo à la loka. Dando vários sustos, passando várias vergonhas e ganhando só quando tem que ganhar. Como se finalmente tivesse se convencido que não nasceu pra fazer tudo direitinho e aproveitar a sua desmesurada vantagem sobre os adversários. Se tiver que ser na sofrência, que seja. Viemos ao mundo pra isso mesmo, roer unha e secar os paraguaios. Que assim como em 2009 mostram a cada rodada que não tem antídoto pras nossas mandingas.

O Flamengo no Brasileiro de 2020 é uma mistura desequilibrada do Flamengo de 2007, com o Flamengo de 2009 e uns lampejos do Flamengo Mágico de 2019. Só que sem a torcida nos estádios com sua voz rouca, olhos rútilos e a baba bovina e elástica a pender de lábios trêmulos de incredulidade e regozijo pelas façanhas do formidável Manto Sagrado, a mais foda das vestimentas esportivas que se tem notícia.

E pra ser absolutamente científico e estatístico, o fato é que a presença física da torcida tem se mostrado irrelevante no campeonato. O que deve ser motivo de profunda reflexão, principalmente para nós, cariocas, mais temperados pela cultura de arquibancada. Esse campeonato está nos mostrando como é que se sentem todos os anos os 34 milhões de rubro-negros que não moram no Rio e não vão ao Maraca toda hora. Ser Flamengo é assim, aprender a torcer de longe sem perder a pegada. É morar na Aldeia Global de Mcluhan e se deixar envolver pela noosfera de Teilhard de Chardin compartilhando conhecimento. Um por todos e todos por um, certo, D’Artganan? Havendo um clima nessa união, se destaca o olho grande, o 007 e o corujão. Para o língua nervosa e o dedo de seta a dança está certa sem caô-caô.

Peguem como exemplo o Renê. Sempre à disposição, entrando na boa ou na podre, nunca chorando ou se justificando pelas lambanças que assina. Ontem, heroico e impositivo, num gesto de grande desprendimento e doação à equipe, conseguiu a proeza de levar seu terceiro cartão amarelo sentado no banco. Abrindo assim espaço pro jovem Ramonstro figurar entre os relacionados do próximo jogo. Renê é um jogador de grupo, 100% comprometido, um marine. O espírito tem que ser esse.

Faltam oito jogos, o Flamengo está definitivamente na briga e o seu bafo quente tem obviamente desorientado os ocupantes provisórios das primeiras colocações, provocando os já esperados surtos de flatulência. Quando a chapa esquenta, e ela ainda não alcançou a sua temperatura máxima, só quem tem couro grosso aguenta. A campanha errática do Flamengo engrossou à pampa o couro da torcida. Se tiver engrossado o couro dos jogadores também Tóquio é mixaria, nós vamos até a Lua.

Mengão Sempre