Amigos e amigas, que semana: perdemos Batuta, ganhamos Neneca.
E, como se não bastasse, entre as notas menos importantes, o Flamengo se classificou para as oitavas da Libertadores.
A verdade é que não me impressionei com a goleada em cima do time do Álvaro Valle: o jovem goleiro Neneca, Hugo para os íntimos, teve de suar dobrado pelo bicho. Só isso já me deixa confortável para sair por aí a bradar, os dedões roçando no fundo da sandália e a língua a ressoar no palato:
– Não, o Flamengo não é o franco favorito!
– Hein? Mas eu só perguntei onde fica o Miguel Couto…
– Ah, vira ali à direita. Mas fique sabendo que o Flamengo não é o favorito!
– Socorro, um maluco!
Mas como eu dizia, ganhamos Neneca, perdemos Silva Batuta. E eu fiquei dois dias tentando colher episódios pitorescos da vida do velho camisa 10, que brilhou no Flamengo nos anos 1960.
“Em Copacabana, ele era o ídolo da rua, chegava arrastando a perna e estufando o peito quando algum flamengo o reconhecia”, me contava uma orgulhosa vizinha. O Jorge Murtinho, que era um bebê mas viu o Batuta em ação, resumiu: “Um monstro, a melhor matada no peito que eu já vi em todos esses anos de bola”.
E o que teriam Silva e Hugo em comum, ou Batuta e Neneca, a não ser o amor pelo Flamengo e o baita apelido? Fácil, ambos surfaram com maestria os mares bravios das Crises da Gávea.
Silva, em 1965, chegou desacreditado de São Paulo, com a torcida carente após perder o Gérson. E o que fez Silva? Deu-nos raça, gols e taças, despachando o então temido Botafogo com a ajuda de um time valente – Valdomiro, o bom lateral Murilo, Ditão, Jaime Valente e Paulo Henrique; Carlinhos Violino e Nelsinho; Carlos Alberto, César Lemos e Rodrigues. Todos sob a batuta do Silva (132 partidas, 70 gols), formado pelo São Paulo e nos dado de bandeja, tal qual um Rodrigo Caio dos dias de hoje.
(Silva só não ficou uns dez anos no Flamengo pois o Barcelona gamou, e veio com 180 mil dólares para tirá-lo da gente.)
Pois foi, sob as bênçãos do batuta Silva que o Flamengo enfiou 4 a 0 no Del Valle, graças à maturidade de nossos jovens – além do goleirão Neneca, vimos em especial a frieza do atacante Lincoln, que um amigo piloto me soprou que “estava em dia de Cadillac”.
Era o mesmo Lincoln que entrou tão mal outro dia, ou algo aconteceu? Era o mesmo Flamengo que tomou de 5 lá no Equador, ou algo mudou?
Exausto e suado no sofá após o jogo no SBT, vibrando mais que o comentarista Júnior Baiano, segui o ritual: primeiro, ver se o Mauro Cezar tinha visto o mesmo jogo que eu, o que pude atestar com satisfação. Após a confirmação de que Mauro é o último sensato do Brasil, peguei o controle e girei para a Netflix.
E foi ali que, afinal, pude entender o futebol. Não com o Mauro, quem diria, mas com a perguntadeira ruivinha Anne (com E), protagonista de instigante série canadense.
Anne, a jovem órfã, não resiste e pergunta à sua professora, o ar melodramático que só ela: um dia, talvez adulta, ela poderia enfim ser feliz? Ao que a senhorita Stacy, certamente rubro-negra, ensina:
– Ah, a busca pela felicidade eterna! É completamente irracional esperar ser feliz o tempo todo. Francamente, não é possível nem real. Você não será capaz de conhecer a alegria a não ser que conheça a tristeza. Nós que podemos atingir as maiores alturas também podemos mergulhar até as mais baixas profundezas.
– É um equilíbrio, então.
– É a beleza da coisa toda.
– Vou me lembrar disso.
É o equilíbrio, meus amigos e minhas amigas. Não vamos ganhar todas, não vamos golear sempre. Nem o Flamengo consegue ser Flamengo todo dia, e esperar isso não é possível nem real. Já anotei e vou me lembrar disso.
Obrigado, Anne, e muito obrigado Batuta e Neneca, passado e futuro da nação rubro-negra.
Já mesmo.
O nosso sentimento de tristeza foi idêntico.
À época, insuperável.
Pois, Carlos, acho que ja falamos sobre esse jogo, eu estava lá com alguns amigos. Já saímos sentindo que estava tudo perdido. Foi o tal jogo que o Botafogo voltou às pressas de uma excursão. Até então eu achava que tinha sido minha pior experiência com o Flamengo, tão ingênuo era, não sabia quantas iguais ou piores iria enfrentar pela frente…
Grande Dunlop!
Mais um de placa. Espetáculo.
Algumas observações quanto ao texto e comentários:
1) Time do Alvaro Valle é uma belíssima sacada.
2) Infelizmente, eu não era tão bebê assim.
3) 180 mil dólares? Como o futebol mudou! Hoje, isso é dinheiro que o Imperador gasta em um daqueles fins de semana que tiram o sono dos vizinhos de condomínio.
4) Gostaria de ter o otimismo do Arthur Maciel.
5) Chacal está certíssimo quanto à história do equilíbrio, sobretudo pelo espaço de tempo tão curto. Mas, às vezes acontece. Em 2009, perdemos no primeiro turno pro Coritiba por cinco a zero. No final, fomos campeões e o Coritiba foi rebaixado.
6) Nosso camarada Fernando Amadeo, leitor assíduo e comentarista sempre presente, foi injusto com Nelsinho. Naquela partida ele teve um problema muscular logo no começo. Como as substituições não eram permitidas, jogou se arrastando até Almir bagunçar a zorra toda.
7) O que é isso, meu amigo Carlos Moraes? Silva deixava a desejar? Como se pode tirar do penúltimo parágrafo, ninguém joga bem sempre, ninguém ganha todas. Não sou afeito a saudosismos, mas me arrisco a dizer que não há no atual futebol brasileiro atacante que chegue aos pés do Silva. Outro dia ouvi o narrador Daniel Pereira (tá certo que a referência não é lá grandes coisas) afirmar que os melhores jogadores do Campeonato Brasileiro eram Thiago Galhardo, Cano e Marinho. Juntando os três, não dá meio Silva.
Abraços em todos. SRN. Paz & Amor. Se cuidem.
Talvez tenha exagerado.
Há momentos que não são esquecidos, em hipótese alguma.
Os bons e os maus.
Um dos momentos mais tristes que vivi no Maracanã torcendo pelo Flamengo, aconteceu numa partida adiada, que fecharia a Taça Guanabara, em 1966.
Bastava o empate contra o pequenino Bonsucesso, que levaríamos o título.
No domingo anterior, empatáramos em 0 x 0 com o favorito Botafogo, permitindo uma decisão que deveria ser das mais fáceis.
Meio de semana, à noite, Maracanã a meia boca, cerca de 50 mil presentes (para os dias de hoje um público excepcional, até porque era jogo de uma torcida só).
Time titularíssimo em campo, entre eles o Batuta, é lógico.
Você deve ter passado por decepções parecidas.
No primeiro minuto, o Bonsuça fez 1 x 0, seguimos martelando, martelando, martelando, mas nada. Um monte de gols perdidos, inclusive pelo Silva.
No nonágesimo minuto, o segundo ataque dos adversários e o segundo gol.
Saímos todos do estádio cuspindo sangue, apesar da necessidade de um jogo desempate contra o Foguinho, do qual não é bom falar.
Algo rigorosamente inesquecível.
Desde esse jogo, tomei uma certa implicância com o Silva, apesar de concordar que juntando Thiago Galhardo, Cano e Marinho, não se consegue sequer meio Batuta.
Saudosas SRN
FLAMENGO SEMPRE
PS – a matada no peito do Silva só era comparável à do Pelé.
Pois, Carlos, acho que ja falamos sobre esse jogo, eu estava lá com alguns amigos. Já saímos sentindo que estava tudo perdido. Foi o tal jogo que o Botafogo voltou às pressas de uma excursão. Até então eu achava que tinha sido minha pior experiência com o Flamengo, tão ingênuo era, não sabia quantas iguais ou piores iria enfrentar pela frente…
Já mesmo.
O nosso sentimento de tristeza foi idêntico.
À época, insuperável.
Show de bola………
Que leveza de texto! Como um balet de idéias e palavras, com passos ora em lembranças ora no futuro. Do título ao final, um show!
Lincoln se deu bem caindo pelas pontas dando umas chegadas no meio sem se fixar. Acho que encontrou sua posição. Acho.
Ah como é bom poder dizer que me apaixono mais e mais a cada leitura dos batutas do RP&A,tão talentosos quanto nosso agora saudoso Silva e ao mesmo tempo com o frescor das paixões Rubro-negras,tal qual nosso garoto Hugo.Parabéns Dunlop,tua arte é du caralho irmão.SRN sempre com muita P&A.
Entre os comentários pós-jogo do Mauro Cézar (rubro-negro) e do Canhotinha 70 (tricolor, mas cria da Gávea), eu fico com o segundo. Surpresas do futebol. Mauro é meio azedo, um Renato Mauricio melhorado.
Mauro Cézar é um excelente comentarista pra achar defeito, mas tem razão na grande maioria das opiniões.
SRN
Mauro faz bons comentários, fundamentados, mas é agressivo demais, às vezes chegando ao desrespeito com o atleta ou treinador.
SRN
Bravo!
Pergunto-me apenas se Lincoln Cadillac precisa é de sequência pra manter os motores rendendo — rodar com constância, sem forçar num primeiro momento, tal qual a amaciada necessária dos carros de anteontem. E depois, sim, permitir-se acelerar forte, deixando a poeira pra trás… ah, a poeira… poeira…!
Texto bacana,xará
2019 o Mengão desequilibrou nossas mentes,fez parecer que éramos invencíveis.esse texto simples, muito bom para lembrar do equilíbrio,queremos sempre ,ser feliz a qualquer preço,mas a realidade bate a porta!
Abç SRN
Que maravilha. Quanta sutileza.
E o refinamento poético de conjugar as perspectivas e afetos do passado, presente e futuro em uma breve crônica!
Obrigado por esse regalo, Dunlop.
Que beleza, Dunlop! Um dos textos mais lindos que vc já escreveu.
SRN
bem bacana seu texto ,concordo com 99% dele,só discordo que levar uma goleada de 5×0 numa quarta-feira e na outra semana sapecar um 4×0 seja um equilibrio.
SRN !
Verdade, Chacal. Lembrou aquele ano de 1998, tomando 5 do Vitória e devolvendo os 5 no Maraca, na Copa do Brasil. Mas é sempre uma bizarrice. O equilíbrio no caso está em não perder a cabeça e não permitir que o grupo imploda. Obrigado a todo mundo pelos comentários e pela leitura. SRN!
Dunlop, Silva, o Batuta, é o 10 do meu time de botão (desculpe Galinho, mas ele chegou primeiro).
Que delícia ir ao Maraca assistir esse time que você escalou. Dispenso Valdomiro e Nelsinho, que deixaram a desejar naquela fatídica final de 66 contra o Bangu. Não fosse o Almir Pernambuquinho a enfrentar os alemão – perdão pelo plágio, Muhlenberg – o final teria sido muito, mas muito mais caótico do que foi.
Ano passado tive a felicidade de ver o craque Silva – não existe “ex-craque” – sendo homenageado, junto com outros craques do passado, antes de um dos jogos no Maracanã, e me emocionei. Atitude bacana da Diretoria.
A Nação na Terra ficou mais órfã, e as peladas e resenhas no Céu ganharam um reforço de peso. E que peso!
Toda a força da Nação para Neneca, nosso futuro, já presente.
SRN!
Pra cima deles, Flamengo!
Confesso que exagerei ao decretar a morte desse time após o fatídico 5×0. Coisas de gente passional. A molecada trouxe de volta a alegria e a esperança.
Silva Batuta merece todas as homenagens. Andei revendo vídeos com jogadas dele, pqp que classe!
Tive a sorte de conhecê-lo em 97, quando participei da montagem de uma rádio comunitária em Bonsucesso e descobri Silva, Denilson (Rei Zulu), Amoroso e Ocimar trabalhando no abrigo Cristo Redentor. Convidei e os 4 toparam na maior humildade participar de uma mesa redonda semanal na radiozinha. Foi maneiro demais. Grandes figuras os 4. Descanse em paz, Batuta. Obrigado.
Que história bacana!
Gostei, EMBORA … não conheça, lamentavelmente, a série canadense.
Pela fotografia, a ruivinha (ou seria aquela a Professora) é bem bonita, parecida com a nossa Marina Ruy Barbosa.
Por outro lado, vi muitas vezes o Batuta.
Um senhor jogador, no mais das vezes, pois, aqui e ali chegava a dar raiva, pois não acertava nada.
O número de partidas expressivas foi bem maior.
Já Neneca, sou contra.
Hugo.
Já tivemos um Neneca, goleiro por sinal, que atuou apenas por uma temporada. no início dos anos 90.
Para resumir, diria que não deixou saudades.
A felicidade, todos corremos atrás.
São poucos os momentos plenos.
O importante é aproveitá-los, intensamente.
Deixa-nos saudades, mas a alegria de uma vida de momentos intensos é muito maior.
Experimentadas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Essa série é muito boa, né Dunlop? Pena que teve de ser finalizada de modo apressado, sem dar o devido tempo para o fechar melhor os arcos da história. Meio como aconteceu com JJ, que encerrou sua trajetória sem fechar o arco com o Mundial (ao menos ele tem uma remota possibilidade de ter outra chance); que a trajetória do Dome e sua equipe tenham o tempo necessário para trilhar um caminho de conquistas à lá Flamengo!
Abraço