Estimado JC,

Talvez você não lembre de mim, mas eu estava na sua festa de despedida, no dia 21 de abril. Era eu de camisa preta com o copão da Brahma, quase virado para o canto do Maracanã onde você se postou de joelhos, as mãos no coração, para mandar beijos para o povo flamengo. Sabe aquele de barba? Pois é, eu mesmo.

Peço que me perdoe a franqueza, velho camisa 12, mas é aquele papo – ajoelhou, tem que rezar. É que estou tendo dificuldades de entender essa história de despedida. Na verdade, eu e a torcida do Flamengo. Você está certo disso?

Sim, sim, sabemos de suas dores lancinantes nas costas, razão principal de sua aposentadoria dos gramados. Repare, Júlio, ninguém está pedindo para você voltar a calçar as luvas – não faríamos isso, ainda mais com Renê, Rodinei e Willian Arão à sua frente. Seria maldade.

A verdade é que, se for da sua vontade, você nem precisaria chegar perto de uma bola. O papo reto é o seguinte, JC: como poucos, você nos ofertou seu coração, nervos e sangue, e nos tirou da beira de precipícios medonhos; chegou a hora de poupar seu corpo e nos oferecer sua mente. Ou você anda pensando em desperdiçar no sofá uma bagagem de 21 anos levantando taças no futebol brasileiro, italiano e português?

Pode ser delírio rubro-negro, claro, aliás mais um. Mas não censure um torcedor flamengo infeliz como eu de sonhar em ver você como coordenador de futebol na Gávea, ao lado de um Leonardo como gerentão. Com uma comissão dessa, aliás, qualquer Cuca ou Marcelo Oliveira haveria de fazer bonito.

Júlio, no fim de 2018, se esse time não me matar do coração antes, completo 30 anos de Maracanã, além de uns aninhos vendo o escrete treinar e golear quem fosse no campo da Gávea. Ou seja, sou um garoto perto dos torcedores mais antigos e sábios. Um deles, o Ruy Castro, escreveu em 2014 um texto já clássico sobre você, em que garante: “Júlio César é o único jogador de sua posição que chegou à condição de ídolo na história do Flamengo.”

De acordo com a teoria castrista, Amado, Jurandir, Garcia e Raul (e eu incluiria Gilmar, Bruno e Zé Carlos) foram grandes arqueiros, claro, mas diferente de você, todos eles foram coadjuvantes em seus times. A crônica citada é “A solidão do goleiro diante do frango” e está no livro “Os garotos do Brasil – Um passeio pela alma dos craques”, se você deixou passar (sem trocadilho).

No fim do texto, Ruy lembra: “Nossa dívida para com Júlio César é enorme e a única maneira de pagá-la seria com aplausos.” Os aplausos já foram depositados, mas proponho que a dívida seja renegociada: por que você não fica até o fim da temporada, une esse grupo que parece perdido e em troca divide com a nação a recompensa das recompensas: mais um título pelo Flamengo, quem sabe um dos raros inéditos na sua estante.

Loucura? Talvez. Mesmo porque, Júlio, todos sabemos que o presidente do Benfica, seu grande amigo, tem planos para você numa diretoria em Portugal, e sua vida hoje é em Lisboa. Outro dia, por sinal, eu conversava com um amigo benfiquista, o Farçadas, e perguntei como havia sido sua passagem feliz por lá. Me disse o portuga: “Ele é o nosso Imperador, pois soube jogar e respeitar a equipa. Perdeu lugar por lesão para o Ederson e esteve com o Ederson desde o primeiro dia, ensinando e apoiando o garoto. Muito humilde”.

Ah, JC, se nossa diretoria tivesse apostado em você, ali por 2014, antes da Copa, quando você precisava de um clube e acabou batendo na porta de um timeco de Toronto… Quantas taças não teríamos conquistado, diz aí?

Seja como for, a verdade é que o Flamengo de hoje mudou muito daquela época em que você começou, JC. Hoje na Gávea temos gente competente em quase todos os setores – há os que entendem de finanças, os criativos, os que sabem se comunicar e os que fazem ótimas planilhas. Falta apenas um, unzinho, que entenda de futebol.

Ou melhor, que entenda de futebol como você entende.

Ou você conhece outro profissional de bobeira no mercado com seu perfil?

Que jogou seu primeiro Fla-Flu profissional com 17 anos, já pegando um pênalti?

Que tenha aprendido a defender faltas com Zico?

Que tenha começado a jogar bola com meias na mão, por falta de dinheiro para comprar um par de luvas?

Que num jogo como aquele em 2003 tenha surtado, com Parreira e Zagallo no camarote, e saiu driblando e tabelando furiosamente, indignado pelo vareio que o Flamengo levava em campo?

Que tenha sido quase rebaixado e tomado sete gols num jogo, ou, no Velho Continente, tenha sido campeão mundial de clubes e eleito o melhor goleiro do ano?

Que tenha trabalhado com treinadores tão diferentes, do folclórico Liminha, o “Carregador de Pianos” que lançou você na Gávea, ao genial e genioso Mourinho, talvez o maior de todos os tempos?

Durante conversa deliciosa no canal do Zico no YouTube, você a certa feita mandou uma das melhores perguntas já feitas para o Galo; se ele se sentia o grande responsável pelo tamanho imenso do Flamengo hoje. (O camisa 10, claro, saiu-se com a nobreza dos reis na resposta.) Mas JC, se Zico ajudou de fato a fazer um Flamengo maior, ninguém mais do que você salvou o Flamengo quando o clube perigava se apequenar, nas tantas vezes que dirigentes confusos ou mal intencionados jogavam o futebol rubro-negro na lama.

Júlio, o pessoal está confuso. Estamos de novo na lama. Que tal voltar e segurar o rojão, como você sabe fazer como ninguém?

Se o problema for a Susana, aposto que haveria 35 milhões de torcedores dispostos a interceder com ela por você.