Por que diabos todo grande roqueiro teima em morrer no auge?
Conheci o Rodrigo Rodrigues, por pura sorte, no memorável ano de 2011. Sim, aquele exato ano em que o portal Terra entrou para a história com a imbatível reportagem “Caetano Veloso estaciona seu carro no Leblon”. A manchete caiu no ridículo, claro, mas apenas porque erraram o personagem: no fim daquele ano, “Rodrigo Rodrigues estacionou seu carro no Leblon” e o episódio foi, de fato, inesquecível.
Tudo começou numa quarta-feira abafada no Leblon, no coração da Ataulfo de Paiva. E lá vinha o Juninho, tal qual uma hemácia de gravatinha, entrando e saindo do bar com a bandeja cheia de chope para as mais diversas células da boêmia carioca.
De pijama na minha cama, eu só pensava em dar folga a meu fígado. O Destino, contudo, tinha planos bem mais divertidos:
– Alô? Alô? Mermão, cai pro Jobi agora. PVC, Lúcio de Castro, Mauro Cezar & companhia estão aqui. Tô com o Amaral e a Júlia – e o Biel quer desafiar o PVC!
O Destino, além de ter meu telefone, é um bebum incansável. E como eu poderia recusar esse convite na madrugada (vitrola rolando, um blues)? Espectador fiel da ESPN Brasil desde Márcio Guedes de bigode preto, sempre sonhei em cruzar com um deles em alguma taberna. Encontrá-los todos juntos, quiçá mamados, a dez minutos de casa, era a notícia do ano – mais bombástico que “Caetano estaciona no Leblon”. Tomei um banho – ou pus um chapéu? – e parti.
Saltei do táxi sob abraços, mas sem perder tempo na apuração. Estavam todos ali para uma animada saideira, após três dias de trabalho duro na SoccerEx Global Convention 2011, no Forte de Copacabana – uma série de conferências com ídolos como Zagallo, Eusébio, Gullit, sem falar em alguns políticos que acabariam presos. Naquela tarde, a mesa redonda oficial do programa tinha sido com Parreira, um cartola do Milan e o francês Marcel Desailly. O Jobi era o bar perfeito para digerir abobrinhas.
E foi então que vi, pela primeira vez, o grande RR. Com agilidade insuspeita, vinha correndo de dentro do bar, para impedir o PVC de pegar um táxi e ir embora. O comentarista de memória de elefante e corpo esguio estava cansado, o debate na mesa ficou acalorado, mas RR o demoveu. Com sua principal arma: seu imenso sorriso naquele rosto bonachão. Suas primeiras palavras para mim foram inesquecíveis: “Opa, beleza? Rapaz, essa galera tá na maior água!” E ria.
Quando a turma da ESPN acertou a conta com o Cícero (ou o Edilson?), o papo já comia do lado de fora. O Flavinho Gomes conversando sobre carros com o Rod, o Amaral falando de Ronaldinho Gaúcho com o Mauro, e a Julia, eterna musa da Fla-Poça, mostrando timing perfeito ao impedir uma quase-briga com sua maior arma, ainda mais eficiente que a do RR: seus olhos verdes-safira, mais contundentes que tiro pro alto. E o Biel, claro, perturbando o PVC:
– Palmeiras x Flamengo, 2002, Parque Antártica. Lembra?
– 1 a 1. O gol do Flamengo foi do… Leandro Piu-Piu?
– Não senhor, PVC. Gol de Liédson!
– Verdade, pensei no jogo da Taça Rio-São Paulo e…
Sim, o PVC havia encontrado um rival à altura. Que ainda por cima atuava em casa.
No meio disso tudo, o RR fazia um cafuné num companheiro, agilizava o táxi para outro, cumprimentava um fã, conversava com os garçons. Minhas amigas e meus amigos, sou um cara de sorte. Eu vi Michael Jordan e Messi jogarem ao vivo (não um contra o outro, pô). Vi Wayne Gretzky deslizar no gelo. Vi Almir Guineto versar. Hoje, posso dizer com uma alegria pungente: meninos, eu vi Rodrigo Rodrigues resenhar. O RRRR, pois era também o Rei da Resenha.
Divertido, ele viu todos os seus colegas partindo, e piscou para mim: “Vamos ali tomar um negocinho?”. Só acreditei que ele não bebia quando pediu uma fanta uva para acompanhar a pizza, naquelas mesas externas da Guanabara. Falamos de Zico, Maracanã, bares da Tijuca e da Blitz (foi o tema de seu primeiro livro, e foi meu primeiro show de rock na vida, em 1983). Falamos de crônicas (ele não gostava de ler o Tostão), música, Londres, e ele me disparando perguntas. “Conta mais da Fla-Poça, por que Fla-Poça?”. Expliquei mais uma vez que minha turma se chamava assim pois marcávamos no Maracanã numa minúscula poça d’água, que teimava em aparecer mesmo nos domingos de sol, alguma infiltração bizarra. Quando chovia, virava um lago. E ele ria.
Perturbei ele com uma penca de perguntas sobre a ESPN, e lá pelas tantas ele contou:
– A única coisa que pedi à direção foi: não me tira o Paulo Calçade. Com ele o programa fica fácil de tocar.
Era o colega de bancada que ele mais admirava.
Achei que nunca mais o veria, e ficamos amigos de Twitter. Pedi a ele o email do Juca Kfouri, que ele prontamente me deu. Graças a esse contato, comecei uma troca de ideias com o sábio Kfouri e comecei a emplacar minhas crônicas no blog do velho tribuneiro. (Te devo essa, RR.) Mas chegou o dia 23 de dezembro – o dia em que Rodrigo Rodrigues estacionou no Leblon, e se deu mal.
“Estou no Rio. Jobi tal hora?”, li na mensagem do Twitter. Você não recusava uma noite com o rei da resenha. Ele só me deixou ir embora 6h18 da matina, eu destruído de chope, ele inteiro de fanta uva. Fomos buscar o carro dele num estacionamento da Dias Ferreira, e o funcionário sonado entregou o cartão: “São 86 reais, senhor”. Ele me olhou, soltou um “me fodi”, e não aceitou minha colaboração. Só ria.
Em 2012, fui a São Paulo e vi os Soundtrackers ao vivo, no The Sailor Legendary Pub. Acho que o Paulo Amigão, outro bonachão, estava lá. A banda costumava abrir com o sucesso “Don’t you (forget about me)”, do Simple Minds. Foi mais uma noite estupenda, uma pena que ele precisasse estar no palco, com seu traje de Marty McFly, e não ali embaixo na zoeira.
(Quase no fim da noite, eu testemunhei uma grande cena. Um cara chegou no WC e entrou como estivesse num saloon, acertando a porta nas costas de um mijão. Bêbado, deu uma risadinha e não pediu desculpas. O mijão saiu, esperou, e chutou a porta nas costas do mijão dois. A coisa quase deu em porradaria. Narrei tudo em tempo real no Twitter e o RR deu RT – minha primeira glória literária: “Ôrra! Estão querendo tretar, @MarceloDunlop!“)
Em julho de 2016, o Rodrigo deixaria a ESPN. Mas as coisas vinham esquisitas antes. Em novembro de 2014, a emissora mudou todo o cardápio dos programas, e tuitei, desaforado: “Volta, João Canalha. Volta, @RR_TV! Nosso almoço está ficando insosso sem vocês.”
O RR me rebateu na xinxa: “Olha o #mimimi…”
Mas tudo daria certo e ele estava onde queria. Não apenas no Sportv, mas ancorado num prédio com uma bela vista para o quintal de seu maior ídolo, hoje amigo. Imagino o RR, da cantina do Sportv, traçando seu negocinho e espiando o campinho da casa do Zico, ali do lado. Era o auge. E bem no auge, ele partiu.
O luto, alguém já disse bem, é o preço inevitável do amor. Ou como diria a malandragem, quem nos faz rir um dia nos faz chorar. Com a partida do RR a coisa foi um pouco pior, pois ficamos todos por aqui, a nos achar uns bostas por não poder fazer nada. Não uns bostões como esses governantes, mas uns bostas.
RR não foi o Zico ou o Jordan dos apresentadores, e sim um Geraldo Assoviador, um Denner, craque prematuro que partiu aos 45, com tanto a realizar. Mas, para mim, foi o maior comunicador que conheci. Pois dava a informação e, em cima, dava o sorriso, sem sonegar nem um nem outro. Era impossível não gostar do RR.
Estava escrevendo isso, parei para tomar um negocinho, e lembrei de um amigo, músico, um dos primeiros caras a ser entrevistado pelo RR. Peguei o telefone e pedi umas palavras sobre o homenageado.
“O Rodrigo Rodrigues? Grande figura. Demos uma entrevista a ele na TV Cultura, com a Sabrina. Depois de um tempo, ele pegou uma namorada minha, acredita? Tecnicamente me botou um bonito par de chifres. Não tem importância. É, grande figura.”
Era impossível não gostar do RR.
Um bom artigo homenageando um jornalista inteligente.
Vou fazer, no entanto, uma confissão.
Não costumo acompanhar estes milhares de programas sobre futebol.
Na maioria, acho intoleráveis.
Além do mais, sou de outros tempos.
Dos gloriosos tempos da Mesa Redonda Facit.
Imaginem acompanhar, juntos, dois expoentes como João Saldanha e Nelson Rodrigues.
Nunca houve, não há e dificilmente haverá um jornalista esportivo do quilade do Saldanha.
Nunca houve, não há e mais dificimente ainda haverá um gênio literário tão interessado no futebol como o Grande Nelson.
Vou fazer outra confissão.
Recomendado pelos meus filhos, pouco depois da minha aposentadoria nada voluntária, resolvi passar os olhos no URUBLOG.
Não sai mais.
Arthur, o nosso Grão Mestre, é, até certo ponto, um misto de Saldanha e Nelson.
Além do mais, àquela época e por longo período, havia um escrete de comentaristas.
Vou destacar dois, apenas por serem os mais criativos.
Bill Duba e Edvan Santos.
Criaram personagens inesquecíveis, à semelhança do insuperável Sobrenatural de Almeida e da famosa Vaca Vadia.
A tal ponto que a verdadeira esposa do Bill incorporou o nome do personagem, a Elbinha, que seria irmã do Edvan.
Grandes momentos.
O RPA trouxe vários novos integrantes, muitos deles de superior qualidade,
Por outro lado, vem perdendo os seus comentaristas diferenciados, aqueles que não se fixavam apenas na realidade, que pode ser uma para mim e outra totalmente diferente para o Aureo, por exemplo.
Com o afastamento do Edvan, o Bill, que ainda se faz presente, deixou de lado o que tinha de diferente e criativo. Ficou, como todos nós, extremamente ligado aos acontecimentos das quatro linhas, com poucos momentos em que nos brinda com sua criatividade.
Parece-me que este é o momento em que poderemos resgatar o Edvan, o homem de Alagoinhas.
Nunca foi torcedor do time da casa, o Atlético, mas sempre foi um defensor ferveroso de sua cidade, que, não por poucas vezes, nos mostrou em ^tours^ aéreos.
Pois bem, o Atlético, graças ao seu goleiro Fábio Lima, chegou, pela segunda vez, à final do Campeonato Baiano.
Nada menos, nada mais do que 47 anos após a primeira, e até então única, tentativa.
O adversário será o mesmo, o Bahia, papão da terra.
Lanço um desafio.
Torçamos todos pelo Atlético de Alagoinhas.
Quem sabe o título não nos traga de volta o querido Edvan Santos.
Esperanços SRN
FLAMENGO SEMPRE
Corrigindo rapidamente um equívoco absurdo –
C A B R A VADIA
Texto sensacional para um ser humano extraordinário. RIP RR
O futebol anda muito triste. Com quase dois milhões de casos e 100 mil mortes por covid-19 no Brasil, a breve passagem do Rodrigo Rodrigues por aqui representará a lembrança do futebol de arquibancadas vazias.
Muito bonita e emocionante a sua crônica, meu caro Marcelo Dunlop.
SRN!
Belíssimas palavras! Vou repetir uma frase que escutei nas homenagens ao RR: ele era um cara diferente.
Belíssima crônica.
Que beleza, Dunlop!
Obrigada por esse texto. Você é foda, Dunlop! Vá em paz, Rodrigo! ♥️
Qta história sensacional!! RR ídolo!
Que lindo, obrigado Marcelo. Vá em paz gigante RR.