Campeonato Brasileiro, 17ª rodada.

Aos vinte e nove minutos do segundo tempo, com três a zero no placar e o Palmeiras entregue, houve um lance emblemático não apenas da partida, mas da fase encantada por que passa o time do Flamengo. Falta na direita, Everton Ribeiro cobrou mal, pôs a bola baixa demais e o lateral-esquerdo Diogo Barbosa cortou com facilidade. Aguardando o cruzamento no meio da área, Bruno Henrique, Gabriel e Pablo Marí não livraram a cara do capitão – que, do mesmo modo que eles três, estava numa tarde magistral – e reclamaram firmemente. Detalhe: como sabemos todos, o time vinha de uma partida decisiva e cercada de expectativas, no meio da semana, o que em outros tempos serviria de salvo-conduto para uma acomodação geral.

O Flamengo atual é um time que não para de querer jogar. É uma arrebatadora combinação entre qualidade e intensidade, e não me parece exagero afirmar que, embora ainda sem título a celebrar, talvez seja o melhor Flamengo já visto por quem não tem idade para ter assistido àquele de Zico, no começo dos anos oitenta.

O elenco do Palmeiras dispõe de cinco meias: Gustavo Scarpa, Lucas Lima, Raphael Veiga, Zé Rafael e Hyoran. Pois Felipão abriu mão de todos eles, para escalar um meio-campo com três volantes. Mais do que uma evidência do jeito caolho como a maioria dos treinadores brasileiros enxerga futebol, isso representou um atestado da superioridade rubro-negra, ao menos neste momento, sobre o Palmeiras. A competição é longa e traiçoeira, surpresas vão e vêm, o Palmeiras tem força e gente para sair do buraco em que se meteu desde a volta da Copa América, porém Felipão passou recibo.

O jogo de ontem ganhou lugar de destaque nas minhas memórias dos grandes clássicos, porque é o único de que me lembro em que um dos dois em campo não conseguiu uma só conclusão válida. Mesmo nas partidas da atual temporada contra times mais fracos, e em que o Flamengo foi muito superior – CSA no Mané Garrincha e San José no Maracanã são bons exemplos –, o adversário criou duas ou três oportunidade de perigo. Ontem, não. O domínio foi amplo, geral e irrestrito, no que considero a melhor apresentação rubro-negra, entre tantas boas, sob o comando de Jorge Jesus.

Se um desses maníacos por notas decidir atribuí-las aos jogadores do Flamengo pelo que fizeram ontem, creio que não haverá ninguém com menos de oito. Pela vida mansa, talvez Diego Alves, que se tivesse entrado em campo trajando uma camisa social branca, não a sujaria. As atuações de Rafinha e Filipe Luís foram soberbas. Rodrigo Caio e Pablo Marí, mais uma vez absolutos. Willian Arão, excelente na nova função. A movimentação de Everton Ribeiro fez com que eu, refestelado no sofá de casa e abastecido de long necks, me sentisse exausto. Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel, espetaculares e incontíveis.

Entretanto, continuo surpreso e cada vez mais maravilhado com o futebol de Gerson. Quando se aproximava o final do jogo com o Inter, em Porto Alegre, o ex-jogador e atual comentarista do SporTV, Ricardinho, destacou a atuação de Gerson com uma expressão típica dos boleiros: “Escondeu a bola”. No dia seguinte, assisti a um vídeo no youtube em que o alucinado do Neto se via obrigado a exaltar as qualidades do time – reconhecendo-lhe, ainda que de forma precipitada, a possibilidade de ser campeão mundial – e repetia a expressão usada por Ricardinho, mostrando-se impressionado com Gerson. “Ele esconde a bola!”

Aos trinta e cinco minutos do segundo tempo, outra situação representativa: ao contrário do coro de “Burro! Burro!”, que já se tornou tradição nos relacionamentos entre os torcedores brasileiros e os treinadores de seus clubes, a torcida do Flamengo entoou um “Olê, olê, olê, olê, Mister, Mister”.

O Brasil descobriu Portugal.

Lances principais.

(Questão de ordem: a não ser em casos excepcionais, as jogadas invalidadas por marcação de impedimento não entram na relação dos lances principais. Esse jogo foi um desses casos: se não houver a descrição dos dois gols palmeirenses corretamente anulados, simplesmente não haverá lance algum do Palmeiras a ser descrito.)

1º tempo:
Aos 2 minutos, depois de rápida troca de passes do Palmeiras pela direita, Matheus Fernandes esticou para Willian, nas costas de Rodrigo Caio. Willian chegou ao fundo e cruzou. Com Diego Alves batido, Matheus Fernandes escorou com o peito para o gol vazio. A checagem do VAR mostrou que Willian estava uma chuteira à frente de Rodrigo Caio.
Aos 10, apertado por Bruno Henrique, Gustavo Gómez deu um chutão na saída de bola. Willian Arão interceptou de cabeça, lançando Bruno Henrique, e daí, de primeira, a ligação perfeita com Arrascaeta. Ele arrancou e, na chegada à área, tocou para Gabriel, deixando-o sozinho diante de Weverton. Com calma e categoria, Gabriel deu uma cavadinha e pôs no fundo do gol. Um a zero.
Aos 18, o Flamengo saiu de seu campo para o ataque trocando passes de pé em pé. Pablo Marí, Bruno Henrique, Gerson, Everton Ribeiro, Gabriel, Gerson, Arão, Everton Ribeiro e daí o toque, entre Matheus Fernandes e Felipe Melo, para Bruno Henrique. Ele chegou ao fundo e cruzou na pequena área, Marcos Rocha tirou de cabeça na hora em que Arrascaeta ia completar.
Aos 31, Rafinha e Gabriel trabalharam pela direita, Rafinha recuou a Gerson, que ajeitou para o pé esquerdo e, de longe, chutou forte. Weverton caiu para defender firme.
Aos 32, ótima jogada de Rafinha, que recebeu de Willian Arão no meio-campo, arrancou em velocidade, livrou-se de Diogo Barbosa e deu um bolão a Everton Ribeiro na direita. Ele bateu rasteiro e cruzado, Arrascaeta e Bruno Henrique não alcançaram, a bola atravessou a pequena área de Weverton.
Aos 37, Filipe Luís tocou para Bruno Henrique no círculo central. Ele carregou para a direita, acelerou sem que ninguém o conseguisse deter e, da lateral da área, pôs a bola na cabeça de Arrascaeta. Dessa vez Marcos Rocha não conseguiu cortar, e a testada de Arrascaeta saiu firme, no alto do canto direito. Dois a zero.
Aos 39, Arão fez um corte de cabeça para Filipe Luís, que lançou Arrascaeta nas costas de Marcos Rocha. Ele dominou, driblou Gustavo Gómez, invadiu a área e rolou para Gabriel (Bruno Henrique também chegava na jogada). Vitor Hugo se esticou todo e conseguiu tirar, Gustavo Gómez afastou o perigo.
Aos 46, falta de Willian Arão em Luiz Adriano, na meia-esquerda. Dudu bateu quase na risca da pequena área, Rodrigo Caio não cortou, Vitor Hugo cabeceou e Diego Alves fez grande defesa. No rebote, Willian mandou uma bomba para a rede. A checagem do VAR mostrou que Vitor Hugo estava com o ombro à frente de Rodrigo Caio.

2º tempo:
Aos 2 minutos, depois de uma jogada confusa de Gabriel pela direita, junto à linha de fundo, Gustavo Goméz tirou mal e a bola veio rolando para o pé esquerdo de Gerson, na risca da área. Ele pegou muito embaixo e o chute passou por cima do travessão.
Aos 4, com a ajuda do combate de Gerson, Bruno Henrique roubou a bola de seu xará palmeirense no meio-campo, avançou, livrou-se de Felipe Melo e, antes de chegar à meia-lua, chutou forte e com perigo, por cima do travessão.
Aos 13, Diego Alves saiu jogando com Filipe Luís. Ele carregou para o meio e adiantou a Everton Ribeiro, com campo livre para avançar. Everton Ribeiro acelerou e tocou para Rafinha, que deu um corte seco em Diogo Barbosa dentro da área. Houve um choque entre os dois. Como sou chato com esse negócio de pênalti, não achei que tenha sido. Mas se a turma do VAR concordou com o juiz Rafael Traci – que marcou em cima do lance –, não sou eu que vou discutir. Sobretudo num pênalti a favor do Flamengo. Gabriel cobrou no melhor estilo Henrique Dourado: esperou Weverton optar pelo lado esquerdo e apenas rolou no canto direito do goleiro. Três a zero.

Ficha do jogo.

Flamengo 3 x 0 Palmeiras.
Maracanã, 1º de setembro.

Flamengo: Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio (Thuler), Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Everton Ribeiro e Arrascaeta (Piris da Motta); Gabriel e Bruno Henrique (Berrío). Técnico: Jorge Jesus.

Palmeiras: Weverton; Marcos Rocha, Gustavo Gómez, Vitor Hugo e Diogo Barbosa; Felipe Melo, Bruno Henrique (Jean) e Matheus Fernandes (Raphael Veiga); Dudu, Luiz Adriano e Willian (Gustavo Scarpa). Técnico: Felipão.

Gols: Gabriel aos 10’ e Arrascaeta aos 37’ do 1º tempo; Gabriel aos 15’ do 2º.

Cartões amarelos: Rodrigo Caio e Bruno Henrique (F); Bruno Henrique (P) e Willian. Cartão vermelho: Gustavo Gómez aos 36’ do 2º tempo.

Juiz: Rafael Traci. Bandeirinhas: Kleber Lúcio Gil e Alessandro Matos.

Renda: R$ 3.368.134,00. Público: 65.969.