Amigo Bruno Spindel,

Jogo rápido, que já já vai começar uma roda de samba com Beth Carvalho, Nelson Cavaquinho e meu cupincha Wilson Batista.

Aqui é Thomaz Soares da Silva, o Zizinho, e só quero daqui agradecer pelas centenas de lembranças bacanas neste meu centenário. Como o bom Didi costuma dizer, “mestre Ziza não manda bola pelo correio, gosta de driblar e de entregar a domicílio, no pé do atacante”. Tal qual a pelota, vai aqui o recado deste humilde armador do futebol.

Sabe lá, amigo Spindel, o que é marcar seu último gol como profissional 60 anos atrás – pelo Audax chileno – e ainda ser lembrado por tanta gente boa, pelo meu domínio da bola, pela minha técnica e, o que me envaidece mais, pela raça que eu exibia em campo? Como o cineasta Barretão escreveu certa vez, eu corria com o “porte de um fogoso potro”, rê rê.

Transmita todo meu carinho e agradecimento ao craque João Máximo, ao casca-grossa Jânio de Freitas (foi jiu-jiteiro ele, sabia?) e ao garoto Ruy Castro, por descreverem minhas façanhas. Mande um especial abraço ao meu bom Zé Trajano, que me enfiou no seu novo romance, li e gostei muito.

Acompanhei daqui as peripécias suas e do menino Braz pela Europa, e lembrei de meus bons tempos. Ê, saudade! Fiquei famoso por lá em 1951, quando saímos em longa excursão com um combinado Bangu-São Paulo. O time treinado pelo Leônidas da Silva era um escrete: Mário no gol, Mendonça, Mauro, Bauer, Alfredo e Noronha; Alcino, eu com a camisa 8 velha de guerra e Durval; Décio e Nivio. No banco, feras como o Ponce de Leon, Djalma, Pinguela, Vermelho e Barbatana! Goleamos a seleção holandesa em Amsterdam, tá pensando o quê?

Lá pelas tantas, estávamos esperando o trem na Itália na madruga e alguém ouviu o apito, era correr ou perder o comboio. Saímos com as malas em desabalada carreira pela gare, que estava meio às escuras. Quando reparei que logo atrás de mim vinha o chefe da delegação, senhor Fausto de Almeida, pisquei para um parceiro ao lado, dei um pulo e berrei:
– Cuidado! Olha o arame!

Surpreendido pelo obstáculo invisível a olho nu, seu Fausto tentou saltar. Não tinha arame nenhum, essa pilhéria era um clássico em São Gonçalo. Ele se esborrachou todo por cima das malas, pobre coitado.

Parabéns, Spindel, por mais uma contratação forte do Flamengo, é isso. Nem pense em gastar dinheiro com bustos em bronze para mim ou coisa do tipo, alegria de velho craque é bom futebol e taças na estante. Você não imagina meu regozijo em ver o Flamengo mudar assim – no meu tempo tudo que é craque acabava negociado para tampar rombos. Fui vendido por coisa de menos de 1 milhão de reais em dinheiro de hoje. Pergunte pro Jânio de Freitas o que ele achou, e ele dirá como de costume: “Foi uma facada nas costas da nação rubro-negra”.

Tenho que ir que o samba me chama. Se quiser mesmo me homenagear, eu não aguento mais rever somente aqueles meus dois gols da Copa de 1950, pô. Marquei 146 tentos pelo Mengo e 30 pela seleção. Puxa um pesquisador bom aí e mete um gol perdido meu em celuloide, quando o Museu do Flamengo ficar pronto, que tal? Ficarei lisonjeado e eternamente grato.

Ah, vai meu último desejo: procurem aí aquela joia rara dirigida pelo rapaz João Luiz de Albuquerque, na antiga TVE: é um filmete em que Ghiggia corre na direção do Barbosa, chuta a bola e… acerta um tirambaço na trave. A bola sobra para mim, eu arranco e meto o gol do título no Maracanã. Carnaval por todo o Brasil. Gozado à beça. E danem-se as mágoas.

Abraços do
Zizinho

PS: O Gilberto Cardoso estava todo emocionado na coletiva do David Luiz. Especialmente quando o zagueiro mandou que “o mais importante na vida são as pessoas”. Redobrem aí os cuidados e o controle no Maracanã nesta quarta, pelo bem dos flamengos que vão se arriscar pelo time. Cuidem das pessoas, Spindel, ouçam o menino David.