No mesmo instante que terminava a jocosa comemoração de Gabifacão pelo seu gol-fominha na noite de sábado, iniciava-se para a massa rubro-negra um período de profunda instabilidade nas medições do tempo. Ainda faltava mais de uma hora pra ser domingo, mas naquele momento era como se já fosse véspera de terça-feira. Terça-feira que será, como todo rubro-negro em dia com as prestações do seu relógio circadiano sabe de antemão, o dia mais longo do mundo. Mas só até as nove e meia da noite.
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Porque assim que trilar o apito e a bola rolar no Maracanã devidamente infernizado pela Magnética, o tempo vai voar. Principalmente pra curicada maloqueira que se deslocará da ponta feia da Dutra até o Maracanã para prestar as devidas exéquias ao seu time na Libertadores. O que move essa gente? A viagem ao Rio, claro, mas também aqueles delírios de Maracanazo que embalam os sonhos da arco-íris mundial. Quer sonhar? Não tem problema. Sonhar é quem nem B.O., é grátis. Mas não vai rolar de jeito nenhum.
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Essencialmente, é sempre temerário fazer vaticínios sobre resultados de jogos que ainda não aconteceram, mas sobre esse Flamengo x Corinthians pelas quartas de final não há sequer uma molécula de inconsequência ou soberba quando se afirma: Já era! Foco na semi que essa porra já acabou. O Curiquinha vem cumprir tabela e coadjuvar o show da torcida no Maraca, que esse é certo, e quiçá o do time. Que tem potencial pra dar show também, mas absolutamente nenhuma necessidade de brilhar.
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O Flamengo chega à uma partida decisiva no mata-mata de Libertadores sem a menor pressão sobre os seus ombros. Não discutamos se isso é bom ou ruim. O fato é que hoje o Flamengo pode jogar inexpressivamente, com lentidão, sem criatividade, de saco cheio, com preguiça ou com sono, a única coisa que precisa fazer é não tomar dois gols de um time que nem é muito chegado nesse negócio de fazer gol. Não é de bom tom dizer que a missão do Flamengo é moleza, mas dá pra dizer que é difícil e vai demandar um esforço coletivo animal para não cumprir essa missão.
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Há, mesmo entre os bem-vestidos, quem em geral operam na positividade, quem ainda esteja temeroso com o desfecho da eliminatória. Não se deve criticá-los, pois há fundamento em suas neuras, já que o destino colocou na mesa todas as pré-condições necessárias para catalisar uma flamengada daquelas. O Maraca lotado, favoritismo inconteste, regulamento a favor, confiança em alta e aniversário do Filipe Luiz.
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É pra rir, né? Mas não pode zoar. Porque essa suposição de que forças sobrenaturais agem para promover fenômenos de causalidade podem ter até origem religiosa e essas paradas de fé não pode zoar. Mas, são os teólogos sérios (cometi um oxímoro?) que definem a superstição como “desvio do sentimento religioso que consiste em atribuir a certas práticas uma espécie de poder mágico, ou pelo menos uma eficácia sem razão”.
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É desse caldo judaico-cristão-macumbeiro que nascem aquelas lendas pessoais envolvendo lugares exatos na arquibancada, cervejas de uma marca tal compradas com uma tia tal em um isopor tal do lado de fora do estádio, além de meias e cuecas tricampeãs. Pra mim tá tudo certo, pra mim tá tudo bem. A história do Flamengo mostra que as macumbas mais o ajudam do que o atrapalham. O que é certo, muito certo, é que para os rubro-negros o Inferno hoje é a única certeza. Bem vindos ao Hell de Janeiro.
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Não que o time em campo vá recusar qualquer ajuda. Mas jogando a bola que estão jogando nessa sequência, já dá pra se garantir, não digo contra, mas sem a ajuda dos santos de plantão. E nesse setor aí do espiritual São Judas dá conta do recado com tranquilidade, é experiente, sempre foi um cara do consenso, tem muitas conexões, inclusive é fechamento das antigas do filho do 01 do monoteísmo.
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O time do Dorival tá todo arrumadinho. Todo mundo conhece e sabe fazer seu papel no esquema. Não são apenas os resultados que atestam o acerto do trabalho, são as atuações dos jogadores, principalmente os jogadores menos dotados de talento, que gritam a cada jogo do Mengão: o Dorival é pica! A confiança que o elenco todo exibe é, obviamente, resultado de uma administração de elenco muito bem-feita pelo treinador.
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Não é sempre que vemos veteranos e moleques tendo as mesmas oportunidades e minutos jogando. Geralmente o comando técnico privilegia um grupo em detrimento de outro, mas com o Dorival os hasbeen e os wannabe tem sua vez, todo mundo amigo. Pra um time como o Flamengo que tem um elenco foda em permanente expansão e está todo ano envolvido no ambicioso projeto de abraçar o mundo com as pernas, ter um treinador capaz de lidar com essas complexidades interpessoais, fazer o time jogar bonito e ainda obter resultados é o ouro.
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Falta o que pro Dorival ser reconhecido como um técnico de primeira linha? Ora, falta ganhar a porra toda. A hora é essa, Professor Dorival. Essa temporada de 2022 está à feição para que a justiça seja feita às suas façanhas. Nada melhor que passar o rodo bonito hoje de noite, que vai estar todo mundo vendo, pra torcer ou pra secar, como e porque o seu Flamengo se tornou o clube mais fuderoso e mais merecedor de reconquistar a América do Sul e libertá-la do tédio mortal do futebol soporífero de vocês sabem quem.
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Dorival, o caminho do homem justo está assolado por todos os lados pelas iniqüidades dos egoístas e pela tirania dos homens maus. Bendito seja aquele que em nome da caridade e da boa vontade pastoreia os fracos através do vale da escuridão. Pois ele é, verdadeiramente, o guardião de seu irmão e o descobridor de crianças perdidas. Se na coletiva meterem de novo aquele caô de que você faz o simples pode mandar se fuder.
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Nós autorizamos!
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Mengão Sempre
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Nunca pensei um dia chegar de estar cantando vitória antes de um jogo de quarta de libertadores. O normal seria estar torcendo para reverter o 1×0 de um time argentino qualquer e ter um infarto a cada roubo do juiz.
Arthur deu a letra e a profecia se cumpriu ( e, sim, teólogo sério é oxímoro)
Ezekiel 25:17
Rasiko Muhlenberg. Kkkkkkk
Gostei da inspiração.
Poha, Arthur; estou gostando de vc na coluna “A voz da Torcida” com seus costumeiros ótimos comentários, mas sinto falta mais falta de suas palavras aqui na República. Dito isso, vamos ao jogo de ontem: como vc falou bem, a torcida quer sempre um show com goleadas e futebol perfeito, mas para um bom entendedor, o Mengão jogou com inteligência. Jogou com paciência, aguardando o Cúrintia tomar a decisão, afinal de contas são eles que precisavam de gols. Assim, não achei que o Fla jogou devagar; o jogo demandava isso: defender com contra ataque. Ainda perdemos gols com Gabiperdegol pra variar. Importante é ganharmos mais alguns milhões para o cofre e esperar o adversário para aí sim, jogar com raça. Essa Liberta tá difícilm de alguém tomar.
Saudações Rubro Negras.
Cadê você no Twitter amigo?
Kkkkkkk arthuzão voltou a ficar inspirado,estava sentindo falta.
Um famoso mestre espiritual do século XX fundiu as cucas dos ouvintes menos preparados pra sair da zona de conforto das limitantes crenças populares ao declarar que Deus estava mais pra problema do que pra solução, apontando fatos históricos pontilhados de guerras sucessivas como prova inconteste da sua nada teórica afirmação, mas prática recorrente in saecula, saeculorum.
Não satisfeito em chocar as estruturas mentais até então estabelecidas e, aparentemente, inabaláveis, esticou a corda e elegeu o inferno como seu local preferido para a aterrisagem quando se libertasse da pesada armadura carnal.
Argumentou que passar a eternidade ouvindo harpa tocada por cândidas criaturas com imutáveis expressões faciais era a certeza do tédio imortal e da depressão irreversível, independentemente da quantidade de Prozac que fosse importada, mesmo que as almas recém chegadas trouxessem suas cotas pra consumo próprio, pelo menos no período de adaptação ao choque de realidade.
Justificou tal premissa lembrando que enquanto no inferno as músicas mais pedidas pelos ouvintes seriam as dos Rolling Stones, Led Zeppelin, Black Sabbath, Iron Maiden, AC/DC, Nirvana, Rage Against the Machine e congêneres, os Beatles estariam encarregados de evitar um trauma impactante fazendo a transposição pro purgatório, que seria então dominado pela ilusão romântica das love songs e seus expoentes como Lionel Richie, Elton John, Dionne Warwick, Whitney Houston e outros menos conhecidos.
Alertou que a estadia no purgatório se destinava a permitir que a alma passageira fizesse uma escolha consciente. Caso ela se deixasse envolver pelo pieguismo decadente, muito bem representado no Brasil pelos sertanejos evangélicos, seria, pela lógica evolucionária às avessas, enviada aos céus, onde nada mais lhe restaria do que ouvir a orquestra de um único instrumento: a temida sonífera harpa.
Gabigol, num momento de inesperada conexão com dimensões desconhecidas fora do catálogo dos manuais esotéricos, e servindo de canal a elas, decretou o “inferno do bem”, até então desconhecido pela prevalência da infernofobia.
A partir dali nada mais foi o mesmo na história da humanidade.
A Maior Torcida Mundo não só abraçou a ideia como a multiplicou e deu vida a uma forma-pensamento inexplorada por falta de ousadia existencial bloqueada pelo preconceito condicionado, formando assim a massa crítica necessária para que uma nova realidade se impusesse agregando, com a participação indispensável das mídias sociais, milhões de novos integrantes numa fração de espremidos minutos.
De acordo com as pesquisas realizadas logo após a entrevista do Gabigol com sua cumprida promessa infernal pós-derrota no Mineirão, a torcida do Flamengo tinha tido o significativo aumento de 20%, deixando pra trás o emblemático porém ultrapassado número de 42 milhões para atingir a inacreditável marca de 54 milhões de ensandecidos torcedores, agora, mais do que nunca, espalhados pelo planeta, fisgados que foram pelo irresistível apelo do Negro fonte da Luz, da Vitalidade do Rubro, da garantia de um coração pulsante, uma alegria contagiante e uma alma em expansão, como provam os números.
O amante da Simone de Beauvoir dizia que o inferno são os outros.
Os outros somos nós.
Fabntastico, Rasiko!
Valeu, Guilherme! O mestre citado acima também recomendava imitar os bons. É o que tento fazer com o Arthur, inspiração constante.
Excelente, Rasiko. Gostei do final seco e reto, impactante.
Sempre acompanhei seus comentários, mas esse te alçou a colunista do RPA… E o parágrafo final tem que virar mantra: “o inferno são os outros, e os outros somos nós!”