É difícil apontar entre nós um que não esteja se remoendo de saudades do Flamengo. Esses quase 100 dias sem a bola rolando mostraram a cada um de nós o espaço que o Flamengo ocupa em nossas vidas. O buraco é imenso, uma cratera impreenchível. Na alma mulamba há um vazio, uma incompletude, uma ausência de propósito que reprises de jogos antigos na TV não tem como tapar.
O Flamengo é o time em campo e nós em toda parte. O ser Flamengo envolve quase todas as interações sociais que a Organização Mundial de Saúde nos restringiu ou vetou. A aglomeração, o abraço, o contato físico e a troca descontrolada de vapores de saliva produzidos pela fala, canto ou grito. Tudo isso é Flamengo, mas sem isso o Flamengo não é.
A assustadora notícia de que o Flamengo voltará a jogar na quinta-feira com o Bangu criou antimatéria. Aumentando a vacuidade daquele vazio nas almas mulambas onde já não havia nada. Provocando artificialmente um surto de niilismo plenamente justificável. Afinal, o mundo enfrenta uma pandemia, o Brasil é um dos recordistas de mortes por COVID19 no mundo (44.118 mortes) e o Rio de Janeiro é o estado recordista dessa macabra modalidade no país (68 mortes por milhão de habitantes).
Mas a Federação Carioca e os clubes, com a pompa e a circunstância próprias das reuniões do seu egrégio Conselho Arbitral, entendem que é um ótimo momento para apertar o botão do foda-se e retomar a prática do futebol profissional no estado. Ótimo para as legiões de neo-niilistas, recém convencidos que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência. Agora é oficial, quem quiser morrer, está liberado.
A falta de timing e o negacionismo raiz dos responsáveis por tão bizarra decisão são descomunais, napoleônicos. É incompreensível que alguém em pleno domínio das suas faculdades mentais, e tendo conhecimento de que no hospital de base a alguns metros do gramado vai ter gente sufocando até a morte enquanto os jogadores batem laterais, dibram e correm atrás da bola, não perceba o extremo mau gosto e o profundo desrespeito subjacentes à realização de tal evento.
O Flamengo ter sido a locomotiva desse trem macabro pela volta do futebol antes da hora é mais uma faca cravada em nosso peito. Faca que é cruelmente rodada a cada vez que nossos dirigentes defendem sua posição pró-Covid esgrimindo o suposto protocolo muito elogiado pela FIFA lá da Suíça (1677 mortes), o suposto ambiente controlado, o suposto respeito ao distanciamento social. E foi nessa onda de suposto isso, suposto aquilo, que por aqui já morreram mais de 40 mil.
Do funesto simbolismo de colocar o Flamengo na posição de arauto de um Galactus da normalidade em meio a mais desavergonhada e obscena anormalidade vivida pelo país nos últimos 40 anos nem uma palavra.
Qualquer adulto deveria saber, mesmo que instintivamente, que normalidade não é shopping aberto, culto na Universal ou jogo no Maraca. Normalidade é quando as pessoas nos hospitais param de morrer sufocadas por falta de respiradores.
Essa volta do futebol, sob nenhuma circunstância, ângulo ou ponto de vista poderá trazer alguma grandeza ao Flamengo. Em verdade a subtrai. E o Flamengo se prestar a esse papel, ao arrepio de sua história de 125 anos na vanguarda dos avanços sociais, por um reles Carioca soa ainda mais mesquinho. O Flamengo deveria abrir mão desse título para os mais necessitados, como fez o Nacional de Medellin em 2016. Candidatos realmente necessitados à essa filantropia não faltariam na vizinhança.
Infelizmente, o Flamengo não é aquilo que julgamos que deveria ser. O Flamengo é o que é. Hoje, um fiel representante da mentalidade vigente nas elites políticas e econômicas nacionais. Que em nome de um imenso nada, marcham resolutas e sem coração, rumo à tragédia. Amparadas pelo truísmo idiota de que a economia é mais importante que a vida. Só se for mais importante que a deles. Da nossa não é mesmo.
Lembremos que a regra número 1 do rolé ainda é permanecer vivo. Se cuidem, cuidem dos outros. Fiquem vivos. É a maior das vinganças.
Mengão Sempre
Quem meteu politica foi o landim que foi a brasilia baba o ovo daquele genocida ante flamenguistta milicianico satanico!
Ótimo e certeiro texto.
É uma pena verem como um texto sobre política, quando na verdade é sobre saúde e sanitarismo.
O MAIS QUERIDO, desta vez faz o oposto do que fez no último ano, decepciona.
Por acaso vão marcar o Gabigol com o distanciamento recomendado?
Os jogadores do Bangú tem feito exames toda semana como os do Flamengo?
Outra coisa, se não vai ter público nem televisionamento que visibilidade terão nossos patrocinadores?
Vão servir o que no camarote VIP? Cloroquina?
Se ainda fosse um jogo decisivo de Libertadores…mas Copa Rio?
Parabéns aos envolvidos
Parabéns Arthur pela lucidez e discernimento. Aqueles q confundem a preservação da vida com politica de governo não têm empatia c o ser humano. Incapazes de se relacionar de forma amorosa c a vida.
arthur,
esse texto, sem duvidas nenhuma,não foi o melhor da sua feliz trajetória aqui no blog,mas mesmo assim fico feliz por vc estar de volta.
SRN !
Sou fã de carteirinha do Arthur, sempre leio seus artigos, mas desta vez discordo do que foi dito. Considero que o Flamengo esteja um passo à frente nessa questão. Com os cuidados necessários, o futebol pode, sim, voltar.
Parabéns Arthur sinto exatamente conforme expressado em suas palavras além do mais ABOMINO totalmente a aproximação do Genocida ao nosso Clube até porque nem Rubro Negro ele é…. SRN
Discordo com você. Acho que você há algum tempo deixou a política tomar conta de seus comentários, como muitos jornalistas esportivos e estão se perdendo. Segundo seu texto, então deveríamos esperar não existir mais mortes também por Dengue, por AIDS, por Câncer, por Acidentes de Trânsito, por outras enfermidades e outras fatalidades, já que pessoas continuam morrendo, para voltar o futebol. Também não podemos esquecer que a falta de muitos equipamentos médicos (respiradores, etc…) se deve ao pouco investimento na saúde ao londo dos 40 anos como você mesmo frisou, para muitos em 2014 “não se faz Copa do Mundo com hospitais”, você se lembra? O Flamengo tem que ser exaltado pelo nível de profissionalismo que enfrentou essa Pandemia, se outros clubes e empresas tivessem feito o mesmo, quem sabe o número de casos seria menor.
Tá certo, eu me perdi. Deve ter sido na hora em que desejar que o maior numero de brasileirinhos fiquem vivos virou manifestação de oposição ao governo. Obrigado por me avisar.
Outra coisa. Eu, que sou ávido consumidor das linhas do Arthur, desde os tempos de Urublog, compreendi totalmente, e até mesmo apoiei, a falta de crônicas relacionadas ao insignificante carioqueta, que a pandemia e a estupidez dos nossos comandantes insistiram em ressuscitar, apesar da grande deixa para colocarmos uma pá de cal nessa competição perdulária e sem sentido que nos obrigam a aceitar. Resta-nos, por mais que doa e a saudade, um verdadeiro boicote, uma atitude cidadã para colocarmos o que importa, que é a vida das pessoas, em primeiro lugar.
Obrigado mais uma vez, Arthur, por dar expressão ao que sinto. Quando o Flamengo atingiu esse outro patamar, meu lado supersticioso (devo ter antepassados tortos, só pode ser) cutucava que alguma coisa poderia acontecer para nos negar a grandeza a que estamos destinados. Pois é isso, essa facada institucional, que faz os que comandam o clube colocar nossa instituição nessa cruzada negacionista. Tirou todo o prazer, não gosto de ganhar assim. Fazer o que?
Primeiro texto que não concordo com você. Tomara que a política saia de pauta, pq sobre futebol era mais bacana.
Continuarei lendo, abraços!
Com testes, protocolos e sem torcida sou a favor da volta do futebol, inclusive para nos ajudar em um aspecto negligenciado da pandemia: o adoecimento mental. Sou antifascista convicto, tenho nojo desse governo, mas o pensamento binário Mal x Bem não vai nos tirar desse atoleiro.
Arthur, perfeito seu texto, eu já tinha me referido ao tema num cometário perdido por aí. Minha sensação de ser e continuar Flamengo mesmo dilacerado com o que e quem o Flamengo possa estar representando circunstancialmente. É difícil de engolir, porque o Flamengo não deixa de ser pele rubro-negra um momento sequer, e a gente acaba sofrendo.
Eu queria não ter q concordar com esse texto, queria ter a alegria de ver o nosso Mengão voltar a jogar sem ter o desprazer de vê-lo fazer isso num momento tão complicado.
E cabe acrescentar q não é apenas o Flamengo e a Ferj q estão apertando o botão do foda-se. Aparentemente os cariocas tão nem ai pra nada. Dá pra entender q o capitalismo selvagem induza os lojistas a querer abrir seu comércio e os shoppings façam lobby pela abertura a despeito da morte e contaminação de milhares, em nome da grana q destrói as coisas belas. O q não consigo entender são as filas q se formam à frente dos mesmos por pessoas comuns q parecem q se acham imunes.
Talvez seja uma metáfora macabra de Gados resignados a caminho do abate.
Lia seus posts sobre Rubro-Negrismo na página do Fla lá na Globo, aquele invadido pela arco-irizada safada e mal-vestida, isso faz muuuuuito tempo, poxa, como não te aplaudir por essa postagem espetacular? Obrigado Nivinha por compartilhar!
Você é sempre cirúrgico, seus textos são excelentes.
Mas dessa vez eu pergunto: se arbitro, auxiliares, jogadores e comissão técnica forem testados negativos pra covid. O que impede de ter o jogo?
Perfeito, Arthur! O anormal que assola o país não deve nem pode se tornar o novo normal!
Coragem e saúde!
Não se envolva nesta insana politicagem que tomou conta de nosso país Arthur! Seja leve… Tomemos esta atitude do Mengão como um exemplo de que se tomarmos os devidos cuidados podemos nos aproximar de uma vida normal. Deixemos os chacais e hienas que brigam pelo poder e manipulam o pânico da população, no ostracismo e sem vozes para ecoar seus uivos de ganância…
Cuidemos de nós e dos nossos e com a alma iluminada pela luz do espetáculo do Poderoso Mengão esperemos passar esta tragédia, torcendo que esta quarentena estimule a reflexão dos que vão escolher os “representantes do povo” logo mais.
Genial, Arthur – sentia falta de alguém dizendo que a vida é maior que o futebol, que não há (ainda) normalidade e que esse comportamento diminui o Flamengo. Não sinto mais. Parabéns!!!
Mais um texto muito bem escrito. Mas dessa vez tendo a discordar do conteúdo.
Penso que a atitude do Flamengo, criando os paradigmas de segurança e elevando o sarrafo do protocolo sanitário, é uma resposta baseada na ciência de como o futebol pode voltar aos campos brasileiros e assim contribuir para diminuir o peso dessa quarentena nos ombros da grande massa da população.
Não concordo em nada com a “condução” do governo federal nessa pandemia, mas acredito que o Flamengo, no que lhe cabe, tem ajudado a corrigir esses desvios de direção causados pelo PR.
Abracos e saudações rubronegras
A iniciativa de criar um modelo seguro é louvável, mas poderia esperar mais um pouquinho, né? Independente de quando for considerado seguro a volta do futebol, será necessário um protocolo de segurança. Mas estamos longe desse momento ainda