Dentro da absurda anormalidade em que todos estamos vivendo o resultado de Flamengo x Palmeiras foi normal. É indiscutível que o Flamengo, além de ser mais bonito e morar mais perto da praia, tem mais time que o Palmeiras. Mas o grande trunfo rubro-negro nessa disputa não está dentro de campo e sim dentro da cabeça dos palmeirenses, onde o Flamengo aluga, desde 2017, espaços corporativos, flats e coberturas.

Quando Felipe Melo, Abel Ferreira, Tia Leila e congêneres fecham os olhos à noite em busca de descanso a imagem que permanece em suas retinas fatigadas é o Gabigol bagunçando com os camisas verdes. Já tentaram de tudo para ganhar do Flamengo uma que fosse, mas nem quando tava geral de covid e tivemos que jogar com os crias eles conseguiram se dar bem. O Flamengo faz o sangue deles congelar.

Quando a bola rola é fácil perceber essa relação de dominação que o Flamengo estabeleceu sobre a porcaiada. Os caras gostam de ver o Flamengo jogar. No primeiro tempo o Flamengo tava de roda presa, dando espaços e saindo pro jogo numa velocidade de cágado. Não parecia nem um pouco motivado a ganhar o jogo. E nem assim o Palmeiras teve culhão pra vir pra cima, ficou de canto, esperando algum dos nossos vacilar.

E quando o vacilo veio o Diego Wallves tava lá pra cortar o barato deles. A defesa que o maluco fez naquela bola do Luís Adriano foi espetacular. Segue o jogo. É por isso que o Palmeiras admira o Flamengo como o aluno admira o professor. Odeia, quer matar, mas tem consciência que o Flamengo sabe mais.

Mas talvez a superioridade inconteste não se baseie apenas na soma das inteligências do elenco rubro-negro. A questão envolve também aspectos emocionais e afetivos. O Flamengo é um time que tem mais confiança mais em si mesmo, que acredita mais. O Flamengo se garante mais. E num campeonato sem torcidas, onde a força mental de cada um é o único incentivo disponível, fica muito difícil ganhar do Flamengo só jogando bola. É absolutamente necessário derrotar o Flamengo no plano psíquico, demonstrado que qualquer esforço de resistência será inútil. Mas o Palmeiras ainda não tem maturidade pra essa abordagem mental. Por isso que o porco tá há cinco anos levando pau do Flamengo com suína regularidade.

No segundo tempo o Flamengo voltou a fim de jogo e aí não teve nem conversa. O Mengão amassou os caras, o goleiro deles fez defesas sinistras. Mas quando Bruno Henrique engatou a quinta, já era. Como um piloto de fuga muito focado ele foi ultrapassando as barreiras que os palmeira tentavam botar no caminho, entrou na área voando e serviu na medida pro Pedro chegar de carrinho e jogar a nêga lá dentro. 1 x 0 merecidão.

E poderia ter sido de muito mais se o Flamengo não tivesse sido escandalosamente roubado por aquele bombado que não sabe interpretar as 17 regras do futebol e flexionar o tríceps ao mesmo tempo. Em alguns países membros do OCDE o pênalti do Luan no Bruno Henrique, solenemente ignorado pelo zé bomba, dava até cadeia. Mas escândalo mesmo foi no pênalti cristalino no Pedro que ele não apenas não assinalou como ainda inventou uma porra de uma falta de ataque.

E o VAR? O VAR tinha ido tomar um café. Notem que esse 157 revoltante aconteceu na mesma rodada em que pênaltis foram distribuídos à vontade pra Fluminense, Corinthians, Internacional, Atlético, como se fossem títulos brasileiros por fax. Todos muito discutíveis, alguns escancaradamente inexistentes. Só o do Flamengo que não deram.

Mas tá tudo certo, nossa torcida, além de muito bem vestida, já comprovou possuir uma altíssima tolerância cleptocrática e coloca em primeiro lugar o bem comum. Enquanto estiverem roubando o Flamengo é porque as instituições estão funcionando normalmente.

Em vez de ficar puto, que comprovadamente é pior, é preferível ajustar as pretensões e expectativas. Temos que nos conformar, porque dificilmente o Flamengo conseguirá conquistar o Brasileiro desse ano invicto. É provável que o Flamengo perca uns jogos ao longo da temporada. Contusões, convocações inconvenientes e apitadores sem muito jeito pro ofício podem surgir em nosso caminho. Cabe o Flamengo dar seu jeito e neutralizar esses obstáculos. Só não pode é chorar.

Mesmo que seja por um cara como o Gérson, que tudo indica que vazará pra Marselha durante essa pausa da Seleção. Vai fazer a maior falta, mas a vida é assim mesmo, o brinquedo agora se chama futebol business e não futebol friends. O Flamengo precisa de dinheiro, tem muita conta pra pagar e a taxa de câmbio não admite abusos. Com Real nas cordas é muito fácil pra qualquer time europeu, mesmo que não seja um dos fodões, comprar quem eles quiserem no Brasil. E parece que o próprio Gerson tá muito a fim de ir. Nessas condições, o melhor a se fazer é deixar o cara ser feliz e buscar seu sonho. A vida sem sonho não faz o menor sentido.

E é muito maneiro quando um jogador do Flamengo sai fora como o Gerson tá saindo. Jogou muito, entregou muito, não custou muito e ainda vai dar lucro pro clube. Vai pra Europa e pode se dar muito bem lá, geral vai torcer pra isso acontecer. Mas caso não role e queira voltar, as portas da Gávea vão estar abertas, escancaradas. Vai na paz, Gerson.

Pela estreia já deu pra ver que o Campeonato Brasileiro de 2021, mesmo sem o Gerson, tem tudo pra dar certinho pro Flamengo. Basta ficar atento aos pequenos detalhes, como o uso preferencial do calções brancos, a atenção redobrada nos cara-ou-coroa entre os capitães para que o Flamengo sempre ataque pro gol à esquerda da tela no segundo tempo e às tradicionais normas de etiqueta da Socila: não falar com a boca cheia, não colocar os cotovelos na mesa, não peidar e não ocupar a liderança do campeonato antes da hora certa. Que é mais ou menos ali na altura entre a 37ª e 38ª rodada. Se fizer isso não tem erro.

Vai ser mais ou menos a mesma coisa que o Brasileiro de 2020. Onde o mundo descobriu, horrorizado, que o Flamengo é capaz de ganhar Brasileiro sob as condições mais adversas. Com técnico impopular, jogando mal e sem torcida. O Flamengo é uma força da natureza.

O poder do Flamengo é pra assustar mesmo, mas adversário nenhum precisa ficar envergonhado por disputar um campeonato em que todo mundo já sabe que o Flamengo vai ganhar outra vez. Não vale a pena ser mesquinho, tem que olhar o quadro todo. No bem que o TRI do Flamengo trará ao futebol brasileiro em geral. Não há desonra alguma em ser vice do Flamengo. É até bom pro currículo.

Mengão Sempre