Eu queria escrever uma crônica pura e imprevisível como o drible do Berrío, que fizesse o leitor ir para um lado, inocente e apressado como um lateral do Botafogo, e de repente, não mais que de repente, eu caprichasse na letra e o texto estancasse; dali eu tomaria uma direção totalmente diferente, deixando o leitor perdido, só observando meu toque açucarado, à feição para o gol. Porém, como isso seria impossível, catei o telefone e liguei para o Jardim Zoológico.
Ocorre, amigo leitor, que dentro de todo cronista dorme um intrépido e curioso repórter investigativo, que acorda tarde e, pior, atrasa o aluguel. Como gosto da apuração aprofundada, diplomado que sou no Telecurso Cícero Mello de Jornalismo Esportivo (via ESPN Brasil), disquei 3878-4200 e mandei ver.
“É do Zoológico?”. Sim, respondeu a voz gentil. “Quantos bichos chamados Berrío nasceram esta semana? Ué? Nem um bebê guepardo? Uma eminha? Nenhum filhote do Zé Colmeia? Nem um mísero cágado barbudo?”. A voz gentil me mandou pentear macaco e desligou.
Pois é, compadres flamengos e comadres flamengas, o carioca já não é mais o mesmo. Em outros tempos, o centauro Orlando Berrío, metade poeta, metade velocista, seria homenageado de todas as maneiras na Cidade Maravilhosa, após o drible desconcertante na semifinal da Copa do Brasil, que o leitor ou leitora provavelmente já viu umas 10 milhões de vezes, desde a quarta-feira 23 de agosto.
Renato Maurício Prado garantiu em seu blog só ter visto poesia parecida escrita pelos pés de João Batista de Sales, o Fio Maravilha, ali pelos anos 1970; Juca Kfouri escreveu que desde o elástico de Romário em Amaral em 1999 não via nada igual em gramados tupiniquins. De fato, a técnica de driblar parecia ter embarcado com as bagagens e os amigos do Neymar em direção à Europa. Até a última quarta-feira, quando foi novamente importado pelo colombiano Berrío.
Mas cadê que o forasteiro recebeu as devidas homenagens? Berrío não virou nome de bicho no Zoológico do Rio, não foi convidado pelo Louro José para mostrar sua receita favorita na TV, não recebeu nenhuma moção ou placa na Boca Maldita da Gávea. Incrivelmente, nem foi acompanhado por 217 fotógrafos na visita que fez ao Cristo Redentor, na quinta-feira após a partida. Lamentável.
Sim, porque a arte de Orlando Berrío merecia ser louvada, ainda que sem oba-oba ou palhaçadinha. Afinal, não é sempre que vemos uma luminosa jogada de 9 segundos ofuscar 90 minutos de travas e trevas profundas no Maracanã. Sim, amigo leitor trabalhador que não aguentou varar a madrugada: aquele Flamengo x Botafogo descambava para uma pelada de uma pobreza franciscana – se São Francisco usasse caneleiras e botinas, claro.
Até o lance de mestre que começou com o recém-chegado treinador Reinaldo Rueda. Sim, o Rueda. Ao ver seu compatriota Berrío implacavelmente marcado pelo velocíssimo lateral alvinegro, defensor quase tão rápido quanto o atacante rubro-negro (Berrío, por sinal, foi eleito outro dia o segundo jogador mais rápido do mundo, por algum veículo sem ter o que fazer), o que Rueda arquitetou?
O sábio treinador colombiano simplesmente ordenou erguerem a placa de substituição do camisa 28 do Flamengo. Imediatamente, o latera de penugem descolorida do Botafogo relaxou, como qualquer um presente no Maracanã reparou. E só por isso Berrío pôde arrancar com um nanoespaço entre ele, o defensor e a bola, o que foi suficiente para o colombiano realizar sua arte.
Ainda não estou certo se a jogada foi tão magistral assim ou se o jogo é que era tão pavoroso, mas que contraste, que contraste! O brilho de Berrío foi como o luar na noite escura, um sorriso de ring-girl interrompendo uma luta sangrenta de boxe tailandês, um solo de violino no palco com Wesley Safadão, uma moeda de ouro numa fossa cheia de mer… OK, você já entendeu.
Mas que grande arte não nasce das trevas, não é mesmo? O poeta Vinicius de Moraes costumava afirmar que Pelé foi “um gênio completo, porque o seu futebol representa um reflexo imediato de sua cabeça nos seus pés. Eu não sou gênio, não”, garantia Vinicius, “Eu tenho que pensar um bocado para que a mão transmita direito o que a cabeça lucubrou.”
Outro genial torcedor, Nelson Rodrigues, explicava de forma sucinta o lampejo dos craques da bola: “No futebol, o raciocínio é uma carroça diante da velocidade vertiginosa do instinto”.
Arte instintiva ou genialidade insuspeitada? O que teria levado o apagado Berrío a se atrever naquela jogada mirabolante diante de 53 mil almas, num lance em que qualquer um periga tropeçar na bola, cair de bunda no chão e nunca mais recuperar-se do tombo?
“Não foi atrevimento”, disse um sereno Berrío logo após o jogo, em conversa com um amigo colombiano pelo telefone. “Acontece, amigo, que o campo estava acabando, e o único lugar por onde eu poderia passar com a bola era por ali”.
Orlando Berrío é assim: não tenta impressionar, jamais busca a magia pela magia. Pode acontecer a mágica, mas ele persegue a lógica – talvez por ser filho de dois professores na Colômbia. Sim, amigos, trata-se de um gênio. Um gênio que talvez precise chegar a 36km/h para que sua genialidade pegue no tranco, mas um gênio.
Eu queria nesta crônica exaltar ainda o chute seco do Diego barbante adentro, o salto preciso de Guerrero para deixar a bola entrar, mas é hora do intrépido jornalista que dorme dentro de mim (e é um morto de fome) sair para almoçar. Enquanto penso em onde ir, um amigo flamengo me liga. Atendo, logo após me certificar que não é alguém lá do Zoológico me retaliando:
“Fala fera! Bora ali conhecer o Capitão Jacques Restaurante, em Copacabana?”, propõe ele. “Os caras fazem uma espetada de peixe com camarão acompanhada de arroz colombiano de lamber os beiços, o próprio Berrío costuma aparecer lá para rangar. Parece que depois do drible o prato vai ganhar o nome dele: espetada à Berrío!”. Ah, até que enfim o reconhecimento…!
Orlando Enrique Berrío Meléndez, 26 anos. E se nada mais fizer da vida, terá sido o primeiro artista a chocar a audiência, uma multidão fanática, com um único e singular rabisco.
[…] […]
https://www.youtube.com/watch?v=2_32ADQtu64
Tem que tirar o chapéu pro Mauro Cesar. O cara tem uma visão clara do mundo do futebol como nenhum outro jornalista consegue ter e expressar.
Resumindo: principal responsável por essa lambança fora do campo do Mureta: EDUARDO BANDEIRA DE MELLO. Porquê? Porque insiste, por vaidade e arrogância, em permanecer como VP de futebol, quando a maioria concorda que ele não entende absolutamente nada do assunto, vide as incontáveis contratações absurdas e inexplicáveis ao longo da sua gestão que combaliram, SIM, os cofres do Flamengo. Ou seja, as contas poderiam estar muito mais próximas de serem zeradas não fossem as sucessivas cagadas do EBM e seus asseclas Fred Luz – outro ignorante – e Rodrigo Caetano, que deveria saber mais pra impedir negociações tão medíocres.
A questão Muralha é um exemplo. Mal avaliado desde o começo, de acordo com o próprio Mauro, pagou-se um preço exagerado, como se fosse um goleiro consagrado. Não era. Foi um brilhareco num clube pequeno, tal qual incontáveis jogadores que são contratados pelos clubes grandes por causa desse brilhareco e lamentam quando a chama rapidamente se apaga. O Tite ter convocado o Alex ex-Muralha foi um erro e um desserviço a ele. Se já não era lá essas coisas, parece que entrou numa espiral descendente que não parou mais. E é bom não esquecer o preparador de goleiros do clube, Vitor Hugo, que há muito vem sendo criticado por pessoas lá de dentro. Não deve ser à toa.
srnp&a
Indubitável !
O belísimo lance preconizado pelo Berrio foi a única demonstração do verdadeiro futebol, a nível individual, que pôde ser vista no joguinho chato pra caramba que realizamos contra o Botafogo.
INDIVIDUAL, cabe ressaltar, não coletivo.
Houve, no aspecto coletivo, uma acentuada mudança – PARA MELHOR – na atuação do nosso Flamengo do novo técnico em relação aquele anterior, absolutamente ridículo em muitas e muitas partidas, mesmo em algumas das vitoriosas.
Alguns dos meus muitos amigos – dos pouco inimigos seria o óbvio ululante rodriguiano – afirmam que tenho má vontade com o Sr.José Ricardo Mannarino.
Tenho mesmo, só que má vontade mais do que justificada.
Para tanto, ficando junto com o Grão Mestre Muhlemberg, vou transcrever o que escrevi, no início de dezembro de 2014, quase TRÊS ANOS atrás, a respeito do Flamengo sub-20 na Copa Rio Grande do Sul de Futebol sub-20, quando era treinado – E EU NEM SABIA ! – pelo Zé em questão.
Como torcedor apaixonado (desculpem a redundância) rubro-negro, procuro não perder jogo algum.
Assim foi no já longínquo dia 5 de dezembro de 2014.
Primeira rodada da aludida competição, com início lá pelas sete da noite, jogo Flamengo x Palmeiras.
Já fazia algum tempo que não assistia a garotada.
Desconhecia, quase que totalmente, os jogadores, nem passava pela minha cabeça o nome do técnico.
Durante a transmissão, fiquei sabendo que o nosso time começou jogando com Thiago, RONALDO, Léo Duarte, Rafael Dumas e Jorge – Juan Felipe, Mateus Sávio e Jajá – Cafu, Darlan e Marquinhos.
Quanto ao técnico, desconhecimento total.
Interessante que busquei, com muita dificuldade, estes dados, porque RONALDO iria jogar, se mais uma vez não tivesse se contundido, como lateral direito, contra o Paraná.
Estava, na minha busca, até querendo enaltecer o Zé, que, muito antes de todos, lançou o garoto em tal posição.
Vou agora à transcrição prometida.
URUBLOG, um dos últimos momentos do inesquecível Blog, artigo denominado ^You Say Goodbye, I Say Hello^.
Comentário número 14, da minha lavra, de 6 de dezembro de 2014, às 13.24 horas.
^Pelo horário do último comentário publicado, não saiu um que fiz sobre a estréia do Flamengo, ontem, no sub-20.
Empatamos a zero com o Palmeiras, mas mereceríamos melhor sorte, pois dominamos amplamente o jogo, perdemos uns cinco gols incríves (eles, apenas um), inclusive um penalty, muito mal batido por uma das estrelas do time, o Jajá, que se mostrou um bom jogador, mas muito MASCARADO, imperdoável nesta idade.
Boas atuações do goleiro Thiago (pouco exigido, uma só vez), dos zagueiros de área Léo Duarte e Rafael Dumas, este o capitão e o melhor de todos, além do armador Mateus Sávio, que mostrou ótimas qualidades,sendo substituído, já aos 78 minutos, não consigo atinar por qual razão.
ESTRANHEI (no original não destaquei) a postura, MUITO AVANÇADA DOS DOIS LATERAIS (também sem destaques), Ronaldo e Jorge, ambos eficientes, mas, PELO POSICIONAMENTO (idem), dando muitos espaços para contra-ataques, especialmente pelo lado esquerdo.
Os extremas – Cafu e Marquinhos (depois Natan, 67 minutos) aceitáveis, e, bem fraquinho, pelo menos ontem, o centroavante Darlan.
Há esperanças, vamos ver o restante do Campeonato.
Sinceras SRN
FLAMENGO SEMPRE^
Constata-se, portanto, que, SEM SABER SEQUER QUEM ERA O TÉCNICO, já naquele momento questionei o sistema adotado, o que viria a ocorrer, de forma praticamente idêntica, durante toda a gestão de Zé Ricardo no time principal.
Laterais excesivamente avançados, sem cobertura pelo meio, possibilitando contra-ataques perigosíssimos, que, mesmo no jogo em questão, quase nos leva à derrota, apesar de dominarmos amplamente.
Como perder gols passou a ser uma tônica do time principal, como os laterais, por EXCESSO DE TEIMOSIA (que se equivale a BURRICE) continuaram muito projetados, como Márcio Araújo é um blefe na cobertura, matando os zagueiros de área, mas o protegido da Chefia, ACONTECEU, durante ano e meio, o que todos sabem.
Títulos importantes, nerusca de pitibiriba.
Os Arquivos Implacáveis do URUBLOG confirmam.
As minhas ressalvas em relação ao Zé Ricardo, que, em momento algum, pretendeu MUDAR o seu entendimento equivocado,
ANTECEDEM até mesmo o meu conhecimento de que Zé Ricardo era Zé Ricardo.
Sinceras SRN
FLAMENGO SEMPRE
Licença ao Dunlop! (Pela ordem, sr presidente!)
1. Mestre Carlos Moraes: Eu penso e lembro de vc, sempre! (Desculpe o tempo que levei pra responder…)
É uma honra ter sido lembrado tb! Vc é uma figura que, pra mim, passou a ser referencia de bom gosto na Arte, Esporte e Mulher bonita! rs (somos unidos, desde o princípio, pelo impacto da inesquecível Giulia Morelli! rs Aqui, contrariando Camões, Não cesse a lembrança da antiga musa…que não canta, mas era um encanto! rs)
2. Ouvi o jogo à bordo do meu pequeno veleiro/moradia, que agora está ancorado em frente à praia da Urca, mais precisamente do antigo Cassino, antes Hotel, depois sede da TV Tupi, agora de escola internacional de Design. (em breve terá a bandeira alvinegra no “estai” de “boreste” do meu barco,rs)
Poucas vezes mencionado o garoto, goleiro do Flamengo, achei que havia algo errado com o Botafogo do nosso Jair, cheio de ventura (hoje tive a honra de apertar a mão do pai dele, o Furacão, que vi, aos 13 anos, aqui mesmo na Urca, na Escola de Educação Física que nos deu o grande rubro negro Claudio Coutinho!) que transformou o time e faz mágica desde a passagem de comando do Ricardo Gomes! Neste jogo, porém, a mágica estava do outro lado, no drible sensacional do colombiano! Achei merecidíssima a vitória do Flamengo e super interessante a tese do Marcelo Dunlop! É! Pode ter sido isto mesmo, o instante de relaxamento que custou a obra de arte bem acabada! Olé!
Abraço, amigos adversários!
Náuticas e derrotadas SAN! (©MCM)
Fernando 3 (F3)
O Berrio não pode mais sair do time. Ele é da mesma estirpe de craques que aó se consagraram no mengão, como Fio, Nunes, Obina, Brocador, …
Estou contigo, poderoso Khan. Velocidade do Paulinho, estrela do Obina e a garra do Fio. Por isso ele se confunde às vezes, são três jogadores, cada um querendo ir para cada lado…
Belo texto!
Cara, falei isso pro meu filho, e os amigos jovens dele, na saída do jogo no Maraca, quando caminhávamos para umas cervejas de comemoração!
O Berrío e o nosso Fio atual. Erra tudo, o tempo todo, e faz uma jogada celestial em gol!
Tomara que a Charanga toca a música do Benjor no jogo contra o Cruzeiro.
P.S.: eu não vi o golaço de 1968, como o Fernando Amadeo, mas vi um outro de falta de longe bagarai, contra o Internacional, no Maraca, que nunca esqueci.
Saúde e Sorte.
Belo texto Dunlop! Que mais jogadas a La Berrio floresçam em nossos campos.
Ótimo texto! O colombiano merece cada palavra dele depois da obra de arte pintada naquela quarta-feira de agosto…
kkkkk tudo bem que o drible do Neymar no Angelim foi ignorado, mas valeu Dunlop!
Belo, Belo! Belíssima crônica!!! Viva o futebol arte brasilei…..ops,Colombiano!
Parabéns, belo texto! Privilegiado, eu estava lá, no nosso Maraca, tanto agora quanto em 1968, quando presenciei o golaço de letra do nosso grande artilheiro Dionísio, o “Bode Atômico”, o gol da virada sobre o nosso eterno vice, após a jogadaça do inigualável Fio Maravilha.
Raiz, hein! Se arrumar no YouTube, manda o link para a plebe aqui!
Bravo!
Muito legal o texto… Mas o Berrio não é lá grandes coisas não. Tá sempre brigando com a bola. SRN
Uau!!