Depois de quase 500 dias jogando desfalcado de seu principal jogador, a vitória do Flamengo honrou a torcida. Não apenas a torcida que encarou correr os riscos de contaminação indo ao estádio, mas principalmente à toda mulambada brasileira que ainda não se garante, por falta de vacina ou de dinheiro, a ocupar o seu lugar de direito nas arquibancadas do mundo. Os trechos do texto em itálico são colaborações gentilmente enviadas por torcedores que viram o jogo com mais atenção do que eu.

O Flamengo x Defensa que carimbou a passagem do Flamengo pras quartas de final da Libertadores não chegou a ser uma surpresa. A vaga meio que foi ganha no jogo de ida, naquela memorável apresentação da mais pura perebice rubro-negra provocada pelas circunstâncias.

E depois da pisa que o Flamengo deu no Bahia a torcida deu uma tranquilizada, posto que Renight mostrou que era capaz de deixar o time jogar o futebol jesuítico, que é a denominação majoritária entre os crentes da torcida do Flamengo. Ainda assim pairava um ligeiro mal-estar pela forçada de barra que o Flamengo deu pra jogar com público.

É um tema muito controvertido, a começar pelo seu aspecto médico-sanitário, mas não é excesso de fair play admitir que a presença da torcida do Flamengo no estádio, independente do seu número, criou uma vantagem indevida que o dá uma empanada na realização. Mas se os próprios caras do Defensa não reclamaram, nem isso dá pra criticar.

Os poucos milhares de gatos pingados, vacinados e supostamente testados que se espalharam pelo Mané viram o Flamengo entrar voando e amassar os Defensa sem fazer maiores esforços. Todo bem vestido, com os titulares mais titulares possíveis, o Flamengo fez tudo certinho e estabeleceu um completo domínio territorial e das ações. O goleiro deles, pra variar, virou Neuer. Mas depois de um escanteio o gol do Rodrigo Caio saiu naturalmente.

Os argentinos ficaram bolados, mal pegavam na bola. Beccacece percebeu que ia se fuder e mudou ao time aos 22 do primeiro tempo, tirou atacante e botou volantão sem o menor drama. E o Defensa melhorou, o Flamengo já não desfilava mais em campo. Ainda tinha a bola, mas já não conseguia chegar bem na área de chute.

Essa dificuldade de encontrar a facilidade não abalou o Flamengo e nem diminuiu a intensidade, que no fim acaba sendo a medida de todas as medidas. O Flamengo tava com tesão no jogo e confiante. Tão confiante que no finalzinho do primeiro tempo, a hora em que as pregas se afrouxam instintivamente, os Diegos se atrapalharam numa daquelas saídas de bola à la Fernando Diniz, garotearam feio e os cara fizeram o gol menos merecido da Libertadores 2021 pra empatar o jogo. Reafirmando a acurácia do dito popular “Se tá tranquilo pode ser tudo, menos Flamengo”.

No segundo tempo ele voltaram animadinhos e aí Renight brilhou. Em vez de ficar com a mão no bolso vendo a casa cair ele tirou o Ribeiro, que ganha umas três vezes mais que ele, e botou o Michael, que ganha umas dez vezes menos. Uma substituição muito sacuda que deu certo imediatamente. A mera entrada de Michael em campo causou profundo atordoamento no adversário e isso ficou claro logo em seu primeiro lance no jogo.

Em plena capital federal, o Menino Michael acertou um chutaço de legitimidade que quase retomou o estado democrático de direito. Coube então ao mais carioca dos uruguaios uma acrobacia, totalmente republicana, mostrando que contra a injustiça a melhor defesa é o ataque. Com o placar enfim sossegado por El Alcatro a festa acabou pros argentinos. O Defensa y Justicia não sabia se defendia ou se justificava. Também, com aquela camisa verde cor de grama, o que na Itália daria suspensão, o que podia fazer?

Nosso treinador, com sabedoria, repetiu a estratégia de gerenciamento do elenco que tinha dado certo no Bahia e começou a botar a rapaziada mais graduada pra descansar. Renight resolveu evocar a dupla Vitinho e Michael. A torcida presente no estádio estava pronta para matar a saudade daquela grande amiga do torcedor rubro-negro: a vaia. O que os torcedores não esperavam é que o anticorpo gaúcho já tinha desativado o Ceni-19 dos atletas.

O Rei da Noite parece ter acordado Vitinho, nosso eterno sonâmbulo. Ou a nova vacina MichaelVac, gerando anticorpos do CeniDome-20. Quase aos 40 do segundo tempo, o jogo era um repouso em berço esplêndido. Vitor, acostumado a dormir em campo, essa noite sonhou. Nesses breves minutos de r.e.m. Arrasca e Gabigol estavam lá só para servi-las: a destra e a canhota e, de súbito, Vitinho acordou babando acolhido nos braços da Nação.

Tudo resolvido, não sobrava mais nada pro Flamengo fazer em Brasília. Vaga garantida, exibição bastante razoável e, ainda que exista um vasto campo para o aperfeiçoamento, deu pra ver que o Flamengo está mesmo entre os melhores da competição. Se não ocorrerem tragédias ou imprevistos em número ou intensidade superior ao que já estamos acostumados, Montevideo, e por extensão, a simpática Tóquio, já são uma enorme possibilidade pro Flamengo. Vamos torcer, vamos cobrar.

Mengão Sempre