Por causa do futebol muquirana, dos chocolates recentes, daquela lista tenebrosa de sócios honorários, e claro, pela ampla exposição involuntária do alto nível de profissionalismo, objetividade e transparência do processo decisório do departamento de futebol do Flamengo, o pessoal fechado com o certo não tava muito à vontade pra tirar onda de nenhuma natureza.

Em público começamo a operar forte no modo contra-zuação, exaltando aspectos menos explorados do nosso vasto patrimônio intangível. Como a extraordinária capacidade do Flamengo em engendrar o caos. Parecíamos aqueles maluco do ônibus que falam sozinhos, nos congratulando pelo Flamengo ter conseguido transformar o ano mais molezinha da história do futebol mundial no Brasil em uma jornada épica de superação e sacrifício.

Não é exagero nenhum dizer que, ao contrário da maioria absoluta dos clubes do mundo, quando o caos se instala no Flamengo é que o clube alcança a paz. Quando o perrengue ocupa seu lugar de fala na cosmogonia rubro-negra os mares se abrem, as montanhas se aplainam e Tóquio fica pertinho. As células olfativas das massas flamengas, sensitivas, espiritualizadas e macumbeiras, sentem de longe o cheirinho de título. Tem clube aí que se jacta de enfrentar o perrengue eventualmente, o Flamengo, não. O perrengue mora no Flamengo, tem vaga reservada no estacionamento e conhece cada torcedor pelo nome.

Cruzei a linha do charlatanismo e fui além, vaticinando que a jornada de herói do Flamengo em 2020 ainda enfrentaria uma derradeira peripécia antes da arrancada avassaladora rumo ao Octa: a perda de um dos nossos supercraques por uma fresta da janela europeia, seduzido por montanhas de euros e um calendário mais adequado às necessidades fisiológicas humanas. Um cenário raro, mas que os amigos hão convir, no Flamengo acontece muito. O que me convencia que o Flamengo 2020 ainda renderia um filmaço.

Enquanto eu e a Nação lambíamos as feridas e nos dedicávamos à pueris táticas diversionistas na guerra psicológica cotidiana os nossos cartolas não tavam de bobeira, não. Quando mandaro o tio Dome embora já tavam piranhando o ético Rogério Ceni em seu exílio cearense, numa surpreendente concessão, que espero ser momentânea e episódica, ao mais tradicional Não Tem Tu Vai Tu Mesmo way of life.

Vamos combinar, se nego tava achando o Domènec, com sua extensa folha de serviços para alguns dos clubes mais foda do mundo, meio verde pro serviço de treinar o Flamengo, o que dizer do currículo de treinador do simpático pato-branquense Rogério Mücke Ceni? Salvo engano, o Fortaleza sob o comando de Ceni não chegou a alcançar o status de referencia tática nem no Ceará.

Mas não deu nem tempo de falar mal do Rogério Ceni. O dia ainda estava amanhecendo e ele já tava sendo apresentado em coletiva no Ninho do Urubu, respondendo sem embaraço à bizarras perguntas combinadas e conquistando os rubro-negros com uma conversinha mole e citações ao Zico que nos iludem e aquecem nossos corações. Perdi na hora a vontade de reclamar, é apoio total a esse malandro que usa camisa por dentro da calça.

Ao longo do dia as reações da imprensa à contratação de Ceni pelo Flamengo foram espetaculares. Testemunhamos um ataque de perereca massivo nas mesas redondas nas duas pontas da Dutra. No Rio tinha gente revoltadaça porque o Rogério estava trabalhando sob contrato no Fortaleza e o Flamengo não tem o direito de bagunçar a porra toda oferecendo dinheiro para que profissionais quebrem contratos em vigor. Pelas ideias desses caras o Zico tava até hoje jogando salão no Ríver de Piedade e eles fazendo jornal de mimeógrafo em suas cidades de origem.

Em São Paulo, a bronca era porque o Rogério estava sendo cevado no Fortaleza para um retorno histórico ao Morumbi e acusavam o Flamengo de ser o Talarico que estragou uma linda história de amor. Teve uma mesa redonda dessas que parecia grupo de auto ajuda pra corno, um chororô sem fim e muita mágoa no coração. Evidente que o violento faniquito da colegagem do Eixo fez a mim, e a qualquer indeciso,  imediatamente perceber a beleza oculta daquela transação e a apoiar entusiaticamente a contratação de Ceni.

O mais legal é que a chegada desse grande, promissor e muito preparado jovem treinador nos fez lembrar de uma importantíssima e muitas vezes negligenciada função social do Mengão: deixar todo mundo que não é Flamengo muito puto.

Missão cumprida com êxito.

Mengão Sempre