Como os livros ensinam, são três os dias mais importantes da sua vida.
O primeiro é o dia que você nasce; o segundo é o dia que você descobre por quê. E tem o terceiro, não menos importante: o dia que você se descobre Flamengo e nota que jamais poderá se afeiçoar a um técnico de futebol.
No caso de Rogério Ceni (2020–2021), até que foi fácil. Mas a vocação do clube para ser uma impiedosa e bem azeitada máquina de moer técnicos é um tema que emociona. Todo treinador que cai, com estrondo, “vivia situação insustentável” por isso ou aquilo. No caso de Ceni, o destaque foi a hora: 2h46 da matina. No horário em que as pessoas comuns só levantam para urinar, o Flamengo defenestra técnicos. É sensacional.
Com a vocação, surgem muitos folclores. Os mais antigos garantem que, certa vez, um estrategista chegou cheio de moral à Gávea, com pompa e respeitabilidade. Começou a distribuir os coletes e, quando chegou no lateral reserva, já estava no olho da rua. Maldade, claro.
E tem a velha anedota do turista inglês. Dizem que um certo Sr. Pinkle veio ao Brasil a trabalho, ali nos anos 1970. Fanático por futebol, conseguiu no hotel uma entrada para o Maracanã. Pois em 2001 Sr. Pinkle retornou ao Rio de Janeiro com a esposa. O inglesão espiou um jornal no aeroporto e bradou, satisfeito: “Do you see? Do you see? I knew it! Zagallo is still the manager of Flamengo! Marvelous!”.
Com exceção do inglês da anedota, todo flamengo sabe que a máquina é bruta, e só descansa a lâmina quando ceifa de 15 a 20 treinadores por década. Vá à Wikipedia e conte você mesmo, que já estou cansado: nos últimos 50 anos, foram umas cem degolas.
E foi assim, cansado dos números e das crises na Gávea, que desandei a ler “O futebol como ele é” (Editora Grande Área). O autor, Rodrigo Capelo, narra de maneira saborosa, sem economês enfadonho, os bastidores do grande negócio que é o futebol brasileiro, com seus vários saltos de profissionalismo – inclusive os para trás.
Curiosidade: no início do ano, um amigo flamengo me sugeriu escrever um livro detalhado sobre a gestão Bandeira de Mello. Eu disse que a história que eu gostaria de ler, bem mais que apurar, começaria ali em 2009, com a chegada de Adriano ao clube, e terminaria na apresentação de Gabigol, com tudo que rolou naquela década de luta. Pois Capelo contou tudo em seu livro, e muito mais.
“O futebol como ele é” começa no Rio de Janeiro em 1942, durante a negociação curiosa entre um Flamengo remediado e um São Paulo ricaço, pelo passe de Leônidas da Silva. E termina na chegada de Gabigol e Arrasca, ambos traçando uma alcatra fininha e suculenta na churrascaria Barra Grill, com os cartolas rubro-negros. Ao redor, Erasmo Carlos numa boa em outra mesa e uma penca de garçons ouriçados com os reforços.
O livro conta os subterrâneos, falcatruas, erros e acertos de 13 grandes clubes brasileiros, mas fiquemos com as instrutivas páginas sobre o Flamengo.
No robusto capítulo rubro-negro, repleto de cifras e tabelas que comprovam o sucesso da gestão, Capelo reconhece méritos e aponta falhas em quase todos os personagens do renascimento rubro-negro. Está lá o emocionante discurso de Bandeira, ao tomar posse em 2012: “Não vamos descansar enquanto não conseguirmos equacionar esse passivo, que não é só financeiro. É ético. É moral”, disse o presidente, antes de arrancar aplausos de todos os presentes. Outra tirada de Bandeira no discurso: “Como vamos poder cobrar dos nosso atletas conduta responsável, se não damos a contrapartida?”
É uma delícia relembrar os tempos das vacas magras, ainda mais com o escudinho da Libertadores já chapado no Manto Sagrado. Rodrigo Capelo lembra que os velhos diretores do Flamengo – como os de muitos outros clubes – simplesmente não repassavam imposto de renda, o que em qualquer país sério daria cadeia.
Outra bela lambança, que o leitor só hoje se dá conta: o candidato que originalmente nos traria para um mundo de finanças saneadas, Wallim Vasconcellos, só não foi presidente porque ficou vinte anos (vinte anos!) sem pagar mensalidade no clube. Sensacional.
Mas, como se aprende no livro, os executivos não fizeram o trabalho todo sozinho, e mesmo o treinador Jayme e o artilheiro Brocador tiveram papéis fundamentais no resgate rubro-negro. Aspas para Capelo:
“A estratégia dessa diretoria do Flamengo, da austeridade e do pagamento de dívidas, só pôde realmente ser executada por causa da conquista da Copa do Brasil, em 2013. A competição agradou uma torcida exigente e acalmou os ânimos. Sem ela, dificilmente teria havido paz para tomar decisões impopulares.”
No fim das contas, o leitor fecha o livro ainda mais impressionado com as coisas do futebol. Afinal, executivos capazes de obter um contrato de dez anos com a Adidas (363 milhões de reais), ou de aumentar a receita com TV de 43 para 113 milhões em dois anos, não são, ainda, capazes de manter um comandante técnico nem por dez meses. Ou não sabem escolher, ou não sabem administrar o pessoal.
Após cinco anos à frente do Grêmio, Renato Portaluppi chega com mais esta missão. Além de inflar o ânimo da rapaziada, e talvez comer o povo no esporro para alguém arrumar o gramado do Maracanã, o treinador de 58 anos pode dar aula de como resolver problemas sem deixar o fio esgarçar. Como ouvir e sentar para conversar, como aparar egos, sem que tudo se torne insustentável.
Uma boa dica, além da leitura do livro de Rodrigo Capelo, é exibir para toda a cúpula do futebol o documentário “Copa União 1987”, com as múltiplas rusgas entre jogadores, o treinador Carlinhos, torcida e imprensa. E como Zico e os cabeças do departamento, à época, desmontaram a máquina de moer técnicos e venceram o nhém-nhém-nhém que abrevia trabalhos – e elencos – promissores no Flamengo.
Renato estava na Gávea, e vai lembrar muito bem.
PS: Eu avisei que Michael era o Chaplin da Gávea! Eu avisei!
PPS: Após a publicação desta crônica, recebi da chefia do República Paz & Amor um telefonema estranho. Eram 2h46 da matina, o que poderia ser? Bem, sou flamengo e não atenderei nunca.
Me desculpem eu não falar do Flamengo agora, logo eu que só vejo o Flamengo. Mas ontem ousei assistir a tal final Brasil e Argentina.
Na verdade foi um jogo muito ruim, pior só a decisão da Libertadores entre Santos e Palmeiras. Até o juiz foi pavoroso, daqueles da escola do Daronco, para o jogo toda hora, só assim não tem jeito de errar. Esse é o retrato do futebol sul-americano: arbitragem e jogadores horrorendos. Com esse futebolzinho que jogaram os dois, copa da mundo, nem pensar.
Sei que vão argumentar: mas a maioria dos jogadores na partida jogam na Europa. Pois é, fato inexplicável, quem tiver explicação plausível, cartas pra redação.
O jogo foi realmente ruim, mas além do gramado horrível do Maraca, o principal responsável por isso foi o projeto de árbitro que nao deixava a bola rolar mais de 30 segundos sem interromper por 2 ou 3 minutos sem qualquer motivo (por exemplo quando Di Maria foi mancando até dair de campo e cair, ou seja, nao atrapalharia em nada o jogo, e o juiz inexplicavelmente parou o jogo para esperar o atendimento medico para um atleta que ja estava fora de campo)
Guilherme, infelizmente é isso aí. Já não basta o nosso futebol medíocre (estou sendo benevolente) tem uma escola de juízes brasileiros que seguem o passo do professor Daronco que é metido a dar aula pros jogadores a cada momento que para o jogo. Esses embusteiros interrompem o jogo por qualquer esbarrãozinho, enquanto o jogo está parado, eles não cometem erros, algo assim parecido, chuta a bola lá pra área do inimigo que enquanto ela estiver lá nós não corremos perigo de gol.
Urgencia urgentissima : O Flamengo tem que contratar para ontem 1 zagueiro de area de nivel para formar dupla com Rodrigo Caio. Esqueçam os perebas Leo Pereira , Gustavo Henrique e Bruno Viana. Os tres conseguem ser piores do que Manguito, Fernando e Wallace.
Acho que precisa dum zagueiro pra fazer dupla com o Rodrigo Caio e, principalmente, um substituto pro Rodrigo Caio, já que ele joga uma partida e fica três no DM… não dá pra contar com o cara, ele está meio frágil…
A inhaca que estava impregnada saiu, definitivamente.
Não porque chegou o Renight, mas pelo golaço do Michael.
Flamengo é assim, quando a macumba tá contra, só um raio cruzado pra restabelecer o curso natural do fluxo.
Exatamente como ocorreu na final da Libertadores, quando o Galhardo tirou os melhores jogadores do River pra fazer graça lançando garotos. Mesmo mal padeceu o Luxa no Atl. MG x Fla na Copa do Brasil 2014, ao colocar o filho do Bebeto.
Igual ao dinheiro, futebol também não aceita desaforo.
Resta saber o que o pessoal da Chape fez de errado.
SRN
Dunlop, será que foi trasmimento de pensação? No blog passado eu descrevi meus momentos de angústia durante o jogo com a Chapecoense. Eu pensava, se esse gol demorar a sair, o Renight vai ser demitido antes de assumir.
Grande Xisto! Vamos com tudo!