A verdade biológica revelada há bilênios e confirmada a cada dia é uma só: quando a água bate na bunda de qualquer ser humano o instinto que prevalece é o de autopreservação. Quando é a própria pele que está em risco não importa a ideologia, o compromisso programático ou a escola de administração, cada um trata de cuidar do próprio fiofó e o resto que se dane.

O Flamengo, indiscutivelmente o maior exemplo de administração fria, científica e metódica no universo do futebol brasileiro, chegou bem perto de ser o primeiro entre o grandes a não se deixar influenciar pelas superstições administrativas e os dogmas não escritos sobre a gestão de recursos humanos no Departamento de Futebol Profissional Adulto.

Ao manter Domènec Torrent no cargo com plenos poderes mesmo depois de uma tunda histórica na Liberta, e algumas derrotas esculachantes no Brasileiro, o Flamengo chegou a parecer um clube europeu, desses que não submetem o seu planejamento de médio e longo prazo às mesquinharias transitórias de quem só consegue enxergar o mundo de rodada em rodada.

Mas depois que o time do Dome conseguiu tomar 10 gols em uma única semana e falhar clamorosamente em alcançar a liderança do Brasileiro, ficou impossível ao Flamengo Potência Máquina de Fazer Dinheiro não retornar, sem o menor traço de constrangimento, aos ensinamentos da milenar escola de administração Eu Que Mando Nessa Porra e demitir o treinador às vésperas de quartas da Copa do Brasil e oitavas da Libertadores. Sabe-se lá o que passa na cabeça da nossa dileta cartolagem, mas não é difícil entender por que optaram por tirar o sofá da sala mesmo contrariando todas as regras que Philip Kotler, Jack Welch e Ferran Soriano vem cagando nas última décadas.

Quem diz que sabe o que está acontecendo no Flamengo está, obviamente, muito mal informado. Mas se as pessoas soubessem como é que faz pra tomar quatro gols todo domingo ficariam enojadas, não tem a menor necessidade de explanar esse bastidor. Os caras que mandam no futebol de Flamengo mandaram um técnico embora, pagando uma multa alta, no meio de três competições, sem ter um substituto acertado, porque não aguentaram a pressão pós perda.

Pressão que veio de dentro, de fora, do lado, por cima, por baixo, uma foda. Todos querendo a cabeça do catalão porque não aguentaram a zoação, a frustração de expectativas ou ver Gustavo Henrique em campo outra vez. E qualquer um de nós é capaz de compreender muito bem é que o cartolas do Flamengo, todos eles, desde o seu preferido ao que você mais detesta, também são carne e vísceras e nervos. Gente que baba, arqueja e se contorce como um César apunhalado quando o Flamengo toma um gol.  E que, acima de toda e qualquer ambição material, quer ser amada.

E esses caras com poder de decisão não sabem bater pênalti, não sabem bater falta, não fazem defesas milagrosas. Isso é trabalho dos jogadores, os dirigentes estão lá pra tomar decisões. E todos nós sabemos que na hora da crise a inação é inaceitável. Quando a maionese desanda qual é a única coisa que eles podem fazer? Isso mesmo, demitir o treinador. Um remédio antigo, amargo, de eficácia controversa e, no caso do Domènec, muito caro. Mas que garante a quem demitiu uma espécie de amor fugaz durante um breve período de tempo. Só que todo amor acaba.

Mas agora já era, o catalão entrou pra história do Flamengo como o primeiro malandro a se foder por aceitar a tarefa herética de substituir Jesus. Nem cavalo aguenta. E não dá pra analisar legal o trabalho do cara, os três meses em que comandou parecem ter sido longuíssimos, mas foram só 90 dias. Que é o período de experiência padrão em qualquer emprego no mundo. O futebol do time do meio pra frente era bacana e bom de ver. A defesa sempre foi caótica, mas dava pra se viver enquanto os atacantes acertassem o pé. Quando isso parou de acontecer com a frequência necessária o barraco desabou.

Dome deu um azar do cacete, já começou não tendo tempo de treinar, depois geral pegou Covid, aí nego se contundiu à vontade, jogo dia sim, dia não e ele nunca pode colocar em campo o suposto time titular do Flamengo. Bem, quando o cara não tem sorte não consegue nem chupar um chicabom, muito menos ser treinador do Flamengo. Mas é nas habilidades motivacionais que identifico o maior defeito do Domènec. Ele jamais foi capaz de acender o fogo sagrado no rabo dos nossos jogadores. Os caras nunca jogaram por ele. No Flamengo essa incapacidade é o beijo da morte.

Valeu, Dome, um abraço, pega aqui o seu checão e vaza, muquirana. E só me apareça aqui outra vez quando tiver aprendido a armar defesa, fazer amigos e influenciar as pessoas. Catalão que dorme a onda leva.

Mengão Sempre