Na seção Ladrilheiros desta semana, nossa equipe de intrépidos caçadores de crônicas flamengas foi buscar em suas arcas perdidas este raro e comovente relato de mestre Henrique Teixeira de Macedo, antigo sócio do clube que também gostava de passar suas memórias para o papel. A crônica, chamada “A minha estreia”, detalha a realidade do clube há praticamente cem anos, e foi publicada pela primeira vez em 1995, num simpático livro do autor sobre o centenário rubro-negro.
A minha estreia…
(Henrique Teixeira de Macedo)
Amado, Hermínio e Elcio; Benevenuto, Seabra e Flávio Costa; Cristolino, Vadinho, Fragoso, Angenor e Rochinha. Para ver, pela primeira vez, o time de futebol do Flamengo, eu entrava no Estádio do São Cristóvão, já apinhado de gente.
Três importantes desfalques apresentava o Flamengo: Penaforte, excelente zagueiro, que se transferira para o América, o esplêndido Nonô e Moderato, o melhor extrema-esquerdo da época.
Tinha eu dez anos e o futebol do Flamengo era também um menino. Era já uma graça de garoto, esperto, valente e disposto a prosseguir sua trajetória gloriosa. Tanto que, nos seus apenas quinze aninhos, já abiscoitara cinco títulos de campeão carioca: 1914, 1915, 1920, 1921 e 1925.
A história do futebol do Flamengo começa quando jogadores do Fluminense resolveram fundar no Clube de Regatas do Flamengo a seção de futebol. O Flamengo já existia, antes do Fluminense, e fora fundado para dedicar-se ao esporte do remo, desde 1895, constituindo pura balela, portanto, essa história de dizer-se que o Flamengo nasceu do Fluminense. Aliás, Alberto Borgerth, um dos principais mentores da cisão ocorrida no Fluminense, embora ali praticasse o futebol, era remador do Flamengo.
É a tal coisa, muitas vezes um pai não quer reconhecer o filho, porém, quando o filho pode ser um Flamengo famoso é gostoso assumir a paternidade e vale a pena brigar porque, à custa do filho, se fica também famoso. Mas, o Fluminense, não precisa disso e a verdade deve ficar acima de tudo.
Porque senão estaremos diante de um caso único na história das gerações, qual seja o filho preceder ao pai.
Eu morava em Olaria e para ver o jogo precisava, apenas, pegar o trem e saltar em Barão de Mauá. Os trens, naquele tempo, da extinta Leopoldina Railway, incorporada depois à Rede Ferroviária Federal, eram confortáveis, com assentos de palhinha. Saltando na estação de Barão de Mauá, o coração já se achava mais célere; meti-me no meio daquela gente que ia também para a rua Figueira de Melo, ali perto, para ver o jogo. Foi comprar o ingresso e achar-me comprimido entre a multidão de torcedores. Não só o estádio se achava repleto mas, igualmente, as casas à sua volta, principalmente as que ficavam ao lado de um riozinho infeto (o Banana Podre?) que ali corre e as separa do campo. Naqueles tempos os campos mais modestos eram chamados de galinheiro…
Possuía o São Cristóvão muitos torcedores e era uma força, tanto que, nesse ano, ganhou o único campeonato carioca da sua história; o Flamengo começava a se transformar no gigante que hoje é, graças àqueles cinco campeonatos conquistados e também devido à grande força que representava na canoagem.
No ano seguinte, 1927, o Flamengo conquistaria mais um campeonato estadual.
Nesse primeiro jogo a que assisti, o Flamengo perdeu de 1 a 0 com um gol de cabeça no final, marcado por Tinduca, que pulou mais alto que a defesa, e colocou a bola fora do alcance do extraordinário Amado, que vinha fazendo defesas portentosas. Os fatos que se seguiram vieram a reforçar o meu fervor flamengo.
Atrás do gol do Amado se juntaram torcedores que tudo atiravam sobre o grande goleiro, titular absoluto da seleção, a fim de truncar a sua atuação. Não havia alambrado nos campos de futebol. Quando a partida terminou, Amado saltou a cerca, pouco abaixo do pescoço das pessoas adultas e passou a distribuir sopapos a torto e a direito. Abriu um claro no meio deles e só parou quando a polícia interveio.
Não era para qualquer um enfrentar aquela extraordinária compleição do doutor Amado Benigno, cujo fim, infelizmente foi tão trágico, muitos anos depois, já médico formado.
Não raro, naqueles tempos que já vão longe, os jogos terminavam em vigorosos sururus, às vezes antes do término das partidas, que, em outro dia, eram complementadas com portões abertos.
Vem de longe, menos selvagem, a paixão clubística…
Havia um campo de futebol que possuía uma abertura mais larga, adrede preparada, para dar entrada à cavalaria da Polícia Militar, a fim de acalmar os torcedores engalfinhados e esfriar os ânimos à custa de espadeiradas no lombo dos que se atropelavam no meio do gramado. Eu mesmo tive o meu quinhão, certa vez, e me lembro que um cavalariano me deu um golpe nas costas que ardeu pra valer.
De tudo ficou-me aquela imagem do Amado, conduzido pela rua até o distrito mais próximo, envergando o uniforme do Flamengo com aquela natureza toda e o garbo que nele sobrava.
Ele era o meu ídolo, o herói injustiçado do menino de dez anos, em cujo peito ficaram para sempre incrustadas aquelas cores da camisa rubro-negra, sobre a qual, uma outra, de lã, resguardava o suado corpo atlético.
Maravilha! SRN!
Nostálgica e belíssima crônica.
Amado foi, todos dizem, inclusive meu pai, que era botafoguense, um excelente goleiro, inclusive com passagem, mesmo que pequena, até porque, à época, era bem poucos os jogos do ^scratch^, pelas seleções brasileira e carioca,
Só jogou por um clube, o nosso Flamengo, durante um período enorme, sempre me valendo das histórias contadas pelo meu pai.
A vida dele veio à baila, já no meio dos anos 60, eis que, como dito no artigo, teve morte trágica, jogando-se do seu apartamento em Copacabana, o que provocou minhas conversas com meu pai, já que, até então, nunca ouvira falar do jogador.
O citado Penaforte, que também foi da Seleção Brasileira. acho que inclusive numa Copa do Mundo, foi conhecido do meu pai, tendo tido vida boêmia, como era comum, à época, entre os jogadores de futebol.
Nos anos 20/30, e ainda por muito tempo mais, sair do armário era incomum, mas, em relação ao nosso goleirão, dúvidas não haviam.
Por incrível que possa parecer, lá por 48 ou 49, fui ver o Flamengo jogar no Figueirinha, obviamente contra o próprio São Cristóvão, que já era um time pequeno, passados os poucos anos de glória.
O menor estádio que conheci, sendo que a fotografia permite uma visão interessante, inclusive da defesa do Amado, a justificar toda a sua fama,
Recordar é viver.
Sentimentais SRN
FLAMENGO SEMPRE
Correção imediata – ERAM bem poucos os jogos …
Ah uma máquina do tempo pra voltar 100 anos e ver esse jogo depois de um mergulho nas águas selvagens do Arpoador e antes de um noitada na praça Tiradentes… Hoje é Maracanã gourmet, cidade decadente, ódio em cada esquina, vírus maldito, fascista na presidência, uma merda de dar gosto. Temos um timaço, mas uma diretoria vergonhosa e portões fechados. Nada se salva.
Cinco linhas que refletem o passado e o presente de forma corretíssima.
Parabéns !!!
Se esse vai-não-vai do Mister tem a ver com as lambanças da diretoria, dá pra entender, mas ficar refém dos seus humores, comigo não. Não medi palavras elogiosas em relação ao caráter dele, portanto, tem contrato, cumpra e seja o 1º a vir a público pra desmentir especulações. Fora dos 5 grandes europeus que podem abiscoitar a “orelhuda”, não tem hoje no mundo outro time (Benfica é piada) capaz de chegar ao campeonato mundial, cujo pacto já foi sacramentado com os jogadores. Acho que vou deixar de ler notícias sobre futebol e política pra ganhar uns 10 anos de vida. Si fudê, bro!
Sensacional!