Depois da reprovável caçada humana protagonizada pelo minúsculo Botafogo na quinta-feira a torcida e o time do Flamengo bem que mereciam um refresco. O jogo com o Bahia, apesar de não ter sido a molezinha que se esperava, reuniu os ingredientes certos para proporcionar bons momentos para quem fecha com o certo. O primeiro entre eles foi que os dois times, e isso é bastante louvável, queriam jogar bola.

Em contraste com as bárbaras madeiradas da batalha campal do Engenhão, o jogo foi disputado com lisura e respeito à integridade física dos jogadores. O Bahia, mostrando porque dá nome a um estado inteiro e o Botafogo apenas a um bairro, mesmo quando em desvantagem no placar jogou limpo e evitou os pontapés. A jogada mais violenta de toda a partida foi um cascudo involuntário desferido por Rodrigo Caio sobre a cabeça de Gérson ainda no primeiro tempo.

O Flamengo, honrando a tradição ancestral do perrengue, levou o primeiro gol ao fim do primeiro tempo numa jogada de incrível falta de sorte de Arão que mandou contra o próprio patrimônio após uma defesa de almanaque de Diego Alves. Essas merdas que acontecem nas melhores famílias, até mesmo nas heptacampeãs.

No Maracanã, ninguém, repito, ninguém vestido com as cores de Exu se desesperou com aquele gol que surpreendeu até a rapaziada de Itinga. Time e torcida colocaram a bola ao centro e partiram decididos para construir, juntos, o único resultado socialmente aceitável, a vitória do Flamengo.

No intervalo rolou uma confusão injustificada no gramado, o povo se agitava ao redor da mureta sem qualquer motivo aparente. Quando a transmissão da TV ajustou seu foco vimos que o causador do furdunço era o ídolo Obina, à paisana e nos braços da galera. “Obina Livre”, gritavam alguns, “Melhor que Eto’o” respondiam os moderados. A simples presença de Obina no estádio funcionou como um poderoso tranquilizante para as massas. Apesar do placar desfavorável estava óbvio que sob a influência do baiano ungido por todos os deuses nada de errado nos aconteceria.

No segundo tempo os fatos rapidamente se ajustaram às teorias de germanização em voga. O Mengão foi pra cima, no peito, na grama, esbanjando categoria. Apesar de algumas preocupantes tentativas de contra ataque do Bahêa, Gabriel, Everton Ribeiro, Reinier, Filipe Luís e Bruno Henrique pareciam músicos de uma orquestra sinfônica executando um concerto pra a juventude.

No primeiro gol Gabriel colocou a bola na cabeça de Reinier, no segundo, Filipe Luís e Gabriel trocaram passes perfeitos para que Bruno Henrique marcasse seu 16º gol no Brasileiro. E no terceiro, Arão, o maior exemplo vivo de ressureição futebolística, cobrou uma falta no mais puro estilo Zico (perdoem a heresia) que explodiu no travessão e foi parar no pé oportunista de Gabigol, que alcançou o recorde de Zico (sempre ele) de gols pelo Flamengo na competição.

Aí foi demais, não deu pra segurar. Pela primeira vez o grito de “É Campeão!” irrompeu espontaneamente nas arquibancadas rubro-negras para ser ouvido e reproduzido urbi et orbi. Até os renitentes catastrofistas admitiram que não era mais possível conte-lo, porque não há sapatinho no mundo com tamanho poder de repressão.

A torcida do Flamengo sabe fazer contas, tem consciência de que ainda faltam seis jogos. Mas que podem facilmente se transformar na famosa meia-dúzia de três ou quatro, a depender do nosso desempenho e da flatulência alheia. “A cisterna contém, a fonte transborda” é um dos Provérbios do Inferno colhidos por William Blake no O Casamento do Céu e do Inferno, de 1793. A metáfora é claríssima, os resultados, os elogios, as loas ao Flamengo, tudo que vem de fora, é armazenado pela torcida e pode ser guardado para mais tarde. Mas a certeza, a convicção e a confiança no título, essas nascem nas entranhas de cada torcedor e quando irrompem como um gêiser, não se deve nem tentar reprimi-las. Não faz bem à saúde.

Em campeonatos de pontos corridos a consagração de um campeão se dá baseada em convenções. Que tanto podem ser a matemática como pode ser pela mera comparação entre o futebol apresentado pelas equipes. No fundo, no fundo, é uma questão de foro íntimo, determinada por aquilo em cada um acredita. A torcida do Flamengo acredita com a máxima convicção e muita fé que esse campeonato já acabou e que ele é do Flamengo. O grito de “É Campeão!” talvez contrarie uma ou outra lei matemática, mas confirma uma lei consuetudinária. Vapo!

Agora faltam seis jogos. Mas quem quiser está autorizado a comemorar desde já. O Flamengo é o melhor time do mundo, e um dos melhores do Brasil. Os jogos para cumprir tabela são apenas para confirmar oficialmente o que todo mundo já sabe. Meu sapatinho já foi pro lixo.

Mengão Sempre