Noventa e sete jornalistas esportivos estão hospedados no Hotel Bertaso, considerado o melhor de Chapecó, apesar de não incluir o café da manhã no preço da diária. Uns outros tantos se abrigam no Mogano Premium, na Avenida Fernando Machado, que além da internet também oferece o desjejum gratuito para os hóspedes. A semana foi exaustiva para todos esses escrevinhadores e polemistas de arraial que agora se locupletam com os terabytes gratuitos na Capital da Agroindústria.
Para falar de Flamengo e garantir relevância na cruenta guerra por cliques nas redes sociais travaram-se longas discussões sobre a natureza dos impedimentos milimétricos. Discussões que trouxeram à plebe ignara conceitos básicos de trigonometria, a crença injustificada na infalibilidade tecnológica e a certeza malsã de que se juntarem a CBF, a CONMEBOL e a FIFA, não se encontra uma só molécula de honestidade.
Todas essas teorias se abrigam sob o generoso guarda-chuva da teoria da conspiração máster — O Grande Acordo Nacional para Fuder o Flamengo, cuja existência a ciência, a imprensa e até o Tribunal Superior Militar já confirmaram.
Houve também aqueles que preferiram se dedicar a esmiuçar a lesão nos meniscos de Arrascaeta. Contusão que provocou um súbito boom nas buscas sobre as disciplinas de ortopedia e traumatologia, com ênfase nas nuances relativas aos períodos de recuperação pós-cirúrgica.
Tamanho interesse pelas cartilagens da articulação tíbio femoral localizada entre os côndilos do fêmur e da tíbia, cujo nome aparece misturando memória e desejo, não se via desde que Márcio Nunes arrebentou com os ligamentos do joelho do Zico às vésperas da Copa do México. Somos uma Nação de 40 milhões de Esculápios potenciais. E 150 milhões de secadores miseráveis.
Um experiente cirurgião de menisco, recém formado pelas faculdades Google, levantou a suspeita de que Arrascaeta não se machucara jogando contra o Grêmio. Foi algo combinado previamente entre o atleta e o maquiavélico Jorge Jesus. O uruguaio atuara em Porto Alegre no sacrifício, já lesionado e com a cirurgia marcada previamente.
Tudo teria sido feito para ludibriar Óscar Tabárez e livrar o jogador do Flamengo da inconveniente convocação para dois inúteis amistosos contra a Seleção do Peru. Operado na sexta-feira, cortado da Celeste e já em plena recuperação, Arrascaeta pode surpreender a gato-mestragem mundial e aparecer em campo elegantemente vestido com o Manto Sagrado muito antes do previsto pelo migué das assessorias de imprensa. São bizarrices dessa qualidade que a Libertadores tem nos ensinado a esperar.
Mas não é pela Libertadores que estão todos aqui em Chapecó. O motivo que congrega essa malta ansiosa é o combate desigual entre o líder e o lanterna do Campeonato Brasileiro. Uma situação ideal para que o Flamengo, seriamente desfalcado e vindo de uma incomoda sequência de dois jogos sem conseguir marcar três gols, finalmente claudique em sua caminhada em direção ao Hepta e traga de volta alguma emoção à uma competição que os mais apressados consideram inapelavelmente terminada.
Uma derrota do Flamengo na Arena Condá seria tão perfeita para os relatos épicos quanto a vitória da Chapecoense, talvez o mais simpático entre os times mais fudidos do campeonato. E poderia, sim, reacender o fogo no rabo de muitas equipes que já jogaram a toalha e meramente cumprem tabela, desejando, no máximo, uma vaga nas competições em 2020 ou coisa pior.
Mas esse é um desejo da turma que a ética jornalística determina que permaneça abstruso, oculto por espessas camadas de neutralidade, bom senso e bom-mocismo. Entre os gatos-mestres é possível, e até permitido, torcer contra o Flamengo. Mas já se convencionou que não é bom para os negócios que isso seja feito de maneira explícita.
Como o perturbado Seymour Glass, de férias na Flórida, pacientemente explicou à jovem Sybil Carpenter, “os peixes-banana entram nadando num buraco onde tem uma porção de bananas. São iguaizinhos a qualquer peixe normal quando entram, mas mal se veem lá dentro eles se comportam como uns porcos. Já vi um peixe-banana entrar num buraco e comer setenta e oito bananas. Naturalmente, depois disso eles ficam tão gordos que não conseguem mais sair do buraco. Não passam pela porta.”
Explicação cientificamente controversa, mas que nos permite concluir sem maiores esforços interpretativos que os peixe-banana são condenados por sua própria ganância e, portanto, compartilham o destino de Seymour, amaldiçoado pela existência implacável.
Até os fãs de J.D. Sallinger admitem suas falhas. Entre elas a misantropia feroz e o pecado de jamais ter visto um jogo do Flamengo de Luiz Borracha, Norival, Newton Canegal; Biguá, Bria e Jayme; Adilson, Zizinho, Pirilo, Jair Rosa Pinto e Vevé. Felizmente, hoje é mais fácil perceber que no seu conto de 1947 ele estava falando com a gente em 2019.
É muito duro assistir aos jogos do Flamengo às 11 da manhã. Um horário muito mais adequado aos Concertos para a Juventude ou à Segunda Edição das Santa Missa em Seu Lar. Mas se o Arrascaeta, que é o Arrascaeta, pode fazer tamanho sacrifício pelo Flamengo, que direito temos nós de reclamar de alguma coisa? Ser Flamengo é difícil mesmo. Mas não ser é muito pior.
Mengão Sempre
Cabô minha paciência com o var! Depois de ver e rever uma porrada de vezes ficou claro que o Flamengo foi “operado” na maior cara-de-pau. Mas, ironicamente, a gota d’água que transbordou a xícara de chá, que não é a do mestre zen, veio através do pênalti marcado contra o Inter x Cruzeiro. De novo o var se mete onde não foi chamado e de novo erra. O ser humano tem sido useiro e vezeiro em inventar tecnologias fantásticas que a plebe ignara não sabe como aplica-la de maneira inteligente. Estão aí a televisão, o computador – ou, mais especificamente, a internet – e o celular pra não me deixar mentir. Os amigos do RP&A têm esperanças ilusórias de que, com o tempo (quanto?) e a prática tudo vai melhorar. Pra mim, que não confio nem um pouco nessa espécie desgraçada (de sem graça, com exceção das belas mulheres que Arthur e eu apreciamos), é um caminho sem volta. Mais uma vez citando meu primo, o universo e a estupidez humana são infinitos – e eternos, eu acrescento.
O var vai acabar acabando com o futebol.
srn p&a
Assistir os comentários do Gérson Canhotinha depois dos jogos, é hilário. O cara além de saber tudo e impagável.
Caro Arthur,
Concordo em tudo que digitastes. Os porcos de plantão estão à espera de um vacilo do Mengão para de forma gananciosa publicá-los no estilo “escrevi primeiro”, para ganharem os holofotes da imprensa bairrista. Não, amigo, não vai ser dessa vez, que terão nosso sangue. Mengão deve ganhar sem traumas. Só questão de algumas horas… abs.
Arthur, pesquisando a obra do citado autor vem a explicação de que os transtornos mentais do personagem ( Seymour Glass) são decorrentes dos resquícios da guerra. Ao se referir aos peixes-bananas que são devorados por seus pares, ele está se referindo aos mortos na guerra e das diversas maneiras de consuma-la (agem como porcos-sem regras). A engorda e a impossibilidade de ultrapassar a abertura de saída, é referência da impossibilidade de esquecer os fatos e mortes. Uma lembrança constante que se faz sentir inútil. Morto.
Voltando às quatro linhas, a única certeza que tenho é que não podemos ficar sem Arrascaeta, Rafinha, Filipe Luís e Gérson. Os demais são todos substituíveis.
Só uma atuação desastrosa para não conseguir o objetivo. Acho improvável.
Quanto aos seca-pimenteiras, já nem assisto a programas esportivos. Salvo, Mauro Cezar Pereira. Os demais são cansativos e sem assunto.
Mister saberá lidar com esses problemas. Na calma.
SRN