Se Tolstoi fosse brasileiro provavelmente teria morado na Tijuca e começado sua magnum opus com as frases Todos os flamenguistas felizes são iguais. Os infelizes o são cada um à sua maneira. Os cálculos ainda são meras estimativas, mas indicam que o ano mágico de 2019 já despejou sobre as cabeças rubro-negras, em menos de seis intermináveis meses, a infelicidade prevista para os próximos 50 anos.
Vamos pular aquela parte em que listamos tudo que vem acontecendo de ruim com o Flamengo desde janeiro. Seria uma dor desnecessária e, ao menos no momento, facultativa. Bem diferente da dor provocada pelo futebol muquirana que o Flamengo tem apresentado semanalmente desde o pestilento verão de janeiro. Essa é uma dor que não dá pra escapar. E que é a razão maior da infelicidade rubro-negra.
O futebol que o time do Flamengo joga é triste. A crise técnica é indisfarçável. Ainda que os seus resultados até proporcionem um discurso ufanista em coletivas, o que o Abel entregou na real sempre esteve muito abaixo do prometido.
Como foi uma contratação altamente controvertida, que dividiu a Nação, Abel vem sendo fritado pelas chamadas forças ocultas (a sociedade civil organizada, visionários, profetas e os de boa memória) desde antes de assinar o contrato.
Pra reverter esse movimento, acabar com essa fritura, que faz parte do jogo, Abel só tinha um caminho: fazer o Flamengo jogar bola. Não conseguiu. Obviamente, Crise na Gávea!
Não é a primeira vez que o Flamengo vive uma crise. A crise nunca foi problema. O Flamengo come crise com manteiga no café-da-manhã na Gávea. Aliás, os dois únicos estados mentais conhecidos na Nação são a Crise e o Oba-Oba, em maiúsculas. Os períodos de transição entre um estado e outro são intervalos de tempo tão ínfimos que nem ganharam um nome próprio.
Muitas das crises que assolam o Flamengo são abiogênicas, surgem do nada e desaparecem no éter. Outras tem origem em fatores externos. Mas essa crise que estamos curtindo agora foi criada e tem sido adubada com notável diligência pela própria Diretoria do Flamengo.
Vamos conceder à Diretoria, entidade ainda sem rosto definido e de organograma difuso, o beneficio de acreditarmos que ao escolherem Abel o fizeram com as mais nobres intenções. Beleza, tentaram e erraram, acontece toda hora com todo mundo.
Mas, na moral, até os leigos perceberam, desde o Carioca, que o Abel tem um repertório tático paupérrimo e que o time é humano, ridículo, limitado e que só usa 10% da sua cabeça animal. O próprio treinador afirma ter um elenco muito bom na palma da sua mão. Mas é só blá, até agora não conseguiu fazer o time jogar um futebol eficiente. Fica difícil até pros fanáticos pelos processos baseados na continuidade administrativa livrarem a cara do Abel.
A Diretoria em vez de encarar a realidade incômoda e reagir ao que estava acontecendo preferiu assumir um compromisso com o erro e bancar o Abel. E agora todo jogo é definido, acima de tudo, como um jogo que se o Flamengo perder o Abel cai. Ora, é evidente que nesse astral não há como sair nada de positivo. É desgastante pro clube, pro Abel, pros jogadores e pra torcida. Que já não consegue nem curtir direito uma vitória de virada tremendamente flamenga como o 3×2 de ontem sobre o genérico paranaense.
Torcer pro Flamengo hoje é abandonar qualquer racionalidade, fechar os olhos para o que não é belo, bom e justo e se abraçar com a fé. Ontem o Flamengo fez tudo que estava ao seu alcance pra perder o jogo pros paranaenses. No finalzinho, sob vaias tonitruantes, achamos um gol no lusco fusco dos acréscimos. Jogando com casa cheia contra os reservas do caras. A fé se impôs sobre a lógica. Flamengo acima de tudo! Mas não dá pra ser feliz assim. A esperança de ver o time jogando bem já foi quase totalmente esquecida, agora só desejamos manter a honra e a palhaçadinha em níveis aceitáveis.
Não é uma situação inédita, já estivemos na mesma miséria aspiracional em várias ocasiões. Mas a sensação de impotência era mitigada pela consciência de que a falta de recursos era a grande responsável pela nossa infelicidade. Promovidos a ricos, na verdade novos-ricos, que exigem que as suas recompensas pelo simples fato de serem ricos sejam entregues de forma imediata, a consciência da comovente pobreza dos nossos objetivos é ainda mais angustiante.
Num mundo ideal ninguém deveria ficar feliz quando alguém perde seu trabalho. Mas se alguém se torna um obstáculo no caminho em busca da felicidade, ele deve ser removido da maneira mais rápida, humana e indolor possível. Rápida já não dá mais, mas a Diretoria poderia abreviar a agonia de todos os envolvidos fazendo o seu trabalho em vez de ficar esperando que algum time adversário demita o Abel. Isso é uma atitude desumana. Lembrem-se do Jayme.
As relações entre o Flamengo e a felicidade são complexas e até merecem um estudo mais aprofundado por parte da ciência. Acadêmicos de Humanas, mãos à obra. Mas até um leigo percebe que a maior lição que essa crise está proporcionando à torcida do Flamengo é a de que existe um limite para a satisfação que os bens materiais trazem às nossas vidas. A grandeza do Flamengo está nas forças intangíveis e nas coisas inquantificáveis. As coisas estão no mundo. Só que é preciso aprender.
Mengão Sempre
Agora taí, o sonho da torcida virou realidade… Só espero que não acabe em pesadelo. SRN