Já que política no esporte agora virou tabu, o leitor ou a leitora me permite falar um pouquinho de religião? Lá vai: Abelão, pelamordedeus… Ave Maria, seu juiz, VAR pro inferno! E Alá o Pará fazendo merda de novo! (Pronto, ufa.)
Mas, papo sério: eis aí um tema a que tenho certa devoção, este da religiosidade no mundo da bola – tema deveras reavivado pela esplêndida entrevista do Marcio Braga na Fla TV, onde o ex-presidente fala de São Judas Tadeu, de milagres e de tempos em que o clube vivia de esmolas.
Ah, quantos mistérios insondáveis rondam esse assunto, já parou para pensar? Por exemplo, por exemplo: pode um pai de santo influir num campeonato, ao menos com um bom banho de arruda no joelho ruim do craque? Pagar promessa para ser campeão, batata ou balela? Existe carma no futebol? E se existir, é com K ou com C? Por que em nome de deus todo jogador se chama Everton hoje em dia? Tantas perguntas, e tão pouco tempo de Globo Repórter.
Aprendemos todos há décadas, com os irmãos Mario Filho e Nelson Rodrigues, a reservar uma vaguinha para o sobrenatural no futebol, e até hoje há quem bote fé que a mística vence qualquer parada. No documentário “Barba, cabelo & bigode”, o colega cronista PC Caju –que, convenhamos, jamais foi muito católico quando jogador –, garante que o Fluminense só foi chutar os portões do inferno da Terceira Divisão por culpa de um carma pesadíssimo, depois de ganhar, roubadamente, um Estadual do Botafogo lá nos idos de 1971. Sim, naqueles anos do regime militar quando não havia desonestidade no Brasil, tempos em que todos comiam filé-mignon e que na real nem existiram, tudo invenção daquele comuna do Elio Gaspari (tá bom, tá bom, parei).
Eu, cá entre nós, nem me considero um torcedor dos mais mandingueiros, apesar de me aboletar num setor do Maraca que o povo tem baforado o ambiente que é uma beleza, suncê pode crer, mizifio. Já fui, inclusive, apelidado por um cupincha de um “torcedor flamengo de pouca fé” em 2001, nas vésperas de um certo Estadual. Mas tenho amigos prenhes de superstições que compensam.
Tem o que tatuou o padroeiro na pele, o que não entra no estádio sem dar uma cambalhota na rampa, o que não crê em nenhuma linha da Bíblia mas foge de medo de pé-frio. Um dos meus supersticiosos prediletos, porém, é um que crê fielmente que para o time ser campeão é preciso contar com um jogador com apelido – o que, olha aí, talvez justifique o Pará no time hoje. Outra superstição estranha é a de um ex-jogador respeitável, cuja mania é sempre deixar um uruguaio por perto, sentado no banco, diz que dá sorte.
Há, no entanto, quem encare todo esse assunto com seriedade. Pigarro respeitoso, parágrafo, dois pontos.
Clodoaldo Gonçalves Lemes, doutor em ciência da religião pela PUC-SP, escreveu uma tese curiosa chamada “É Gol! Deus é 10 — A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”, a partir da qual o autor garante: “Ganhar ou perder depende de inúmeras variáveis. Porém, no futebol, os jogadores agradecem as vitórias enquanto, nas derrotas, acreditam que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma lição”. O estudioso, obviamente, não se debruçou sobre o incrível caso do Flamengo na Libertadores e a lição que ninguém consegue aprender, como testemunhamos contra o Peñarol, na quarta-feira 3 de abril.
Mas a frase do estudioso parece incontestável: “Ganhar ou perder depende de inúmeras variáveis”. O mistério, portanto, é definir que variáveis importam mais que outras. Ainda: só valem variáveis terrenas ou as etéreas contam? Entre os 40 milhões de fiéis que formam o rebanho rubro-negro, conheço ao menos um que desconfia que toda crise por que passamos é um carma que se paga desde o desaparecimento da pobre Eliza Samúdio, que nem um enterro justo e uma missa teve direito. E quem há de duvidar?
Mas chega, chega desse papo sobre o céu e o inferno, que a maioria dos nossos leitores já mora no Rio de Janeiro. No fundo, quem talvez esteja certo é o empreendedor inglês e cigano Thomas Shelby, para quem “toda religião traz respostas tolas para perguntas tolas”. E de perguntas tolas o inferno e esta crônica já estão cheias.
A Bíblia diz que só a Liberta é verdade, ou só a verdade liberta, preciso reler essa parte, mas a verdade é que o Flamengo chega a abril naquela encruzilhada de sempre. De um lado, um Estadual 2019 árido, mas cujos rivais Ganso, Diego Souza e aquela baiana loura argentina tornaram mais que obrigatório vencer – e doar a taça para as famílias dos Meninos do Ninho (resolve logo esse carma, Landim, pelo amor de São Judas). Do outro, a mata densa e fechada da Libertadores da América, com rivais desleais, o espírito do Oba-Oba e árbitros selvagens atacando do alto, com zarabatanas, e a gente desviando enquanto faz as contas de pontinhos e saldo de gols, de novo, de novo!
Mas sem choro nem vela, irmão flamengo e irmã flamenga, não há o que lamentar: afinal, é esta nossa história desde tempos antediluvianos. Há apenas uma atitude a tomar. Uma romaria até aquele templo mal reformado nas margens do rio Maracanã, e um canto de louvor por 90 minutos sem pausas, com abraços entre budistas, cristãos, espíritas, judeus, evangélicos, ateus, islâmicos, testemunhas de Jeová e raulseixistas, até o apito final. Ajoelhou, tem que rezar: é meter uns 6 a 0 no San José, sem pedir perdão pelo sacrilégio, ou se penitenciar depois.
E você, tem alguma superstição? Comenta aí.
Sou um daqueles de fora do Rio que tem de dizer ‘torço para o Flamengo por ser um time nacional, não regional’.
Meu irmão é Curintia e descobri que assistir aos jogos do mais querido com ele é pedir para acontecer o oposto do que eu espero. Quando desconfio de que p Flamengo não ganhar eu chamo ele para tomar uma cerveja e ver o jogo comigo (funcionar não funciona, mas meu coração agradece).
Bravooooooooo! Braaaaaavooooo!!!
Concordo com o amigo aí de cima, esse time de cronistas da nossa república paz e amor é de dar orgulho duplo.
O orgulho de ser rubro negro, e o orgulho de ter tanto talento nas bem traçadas em falar da nossa paixão.
Dunlop, mais uma de Nelson Rodrigues, essa eterna fonte de sabedoria que eu chupo: “eu só acredito em milagres”. Eu já me referi em comentário que anda por aí perdido, e já que você abordou com maestria (epa, essa foi tipica de locutor antigo) o perigoso terreno da superstição, vou me repetir, realmente não sei o que esse time necessita para dar certo, existe algo mais sobre os ares da Gávea do que simples avião de carreira ( parodiando o barão de Itararé) e também shakeaspereando o mistério, existe algo de podre nos subterrâneos da Gávea. Acho que a coisa anda tão ruim que poderíamos convocar as eficientes bruxas do bardo citado que resolveriam não só os Macbeths da vida como os rubro-negros. Yo no creo, pero que los, etc., etc.
Nem Xisto explica a crise na Gávea! SRN
Parabéns pela crônica! Esse assunto é delicado. A priori, cômico – desde que não envolva seu time. Não sou ligado nesses fatores externos, mas evito o acompanhamento de torcedores contrários ao estádio.
Em 1989, combinei com um colega de faculdade para assistirmos ao jogo decisivo do carioca. O infeliz me apareceu acompanhado de um colega tricolor. Tentei persuadi-lo. Em vão. Desde esse episódio, nunca mais me acompanhei de estranhos e mal vestidos ( Como se refere um certo redator). A educação tem limites.
SRN
Dunlop faz Literatura aqu ino blogue. Sorte a nossa.
Excelente crônica.
A melhor do Dunlop, pelo menos para mim.
Trouxe até a opinião do filho de Dona Iramaia (que mulher de fibra), eis que é impossível haver dois Cid B. !
Embasbacadas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Obrigado Moraes, e valeu a força, Cid! Vocês precisam ver as superstições que amigos estão me mandando. Vagabundo chega a não lavar o Manto Sagrado após uma noite boa no Maraca. Quem se lembrou dos macetes do Apolinho no comando do time? SRN
Muito bom, Dunlop!
Mas com o Abel sentado do banco nem precisa de sapo enterrado na Gavea.
O time é um amontoado de bons jogadores, nenhum é craque mas pode decidir a partida num lance mais inspirado.
Esquema de jogo? Como assim? O Abel se inspira no Felipão, aquele do 1 X 7…
Plunct, plact, zum, não vai a lugar nenhum
Pode ser, grande Ricardo. Olhai pro céu, olhai pro chão!, já dizia a cantiga da infância.
Nunca assisto aos jogos usando o manto. Acredito que dá azar. Só visto depois que o jogo acaba – vencendo ou perdendo.
Valeu, Ronaldo! Há amigos aqui garantindo que não veem jogo com o Galvão de jeito nenhum. É cada mandinga…
Pois, meu caro Dunlop, sobre este tema eu já venho me perguntado: será que os meninos mortos no incêndio do Ninho do Urubu andam conspirando contra o Flamengo?
” (resolve logo esse carma, Landim, pelo amor de São Judas)”
Que o time não é lá essas coisas, eu estou cansado de saber.
Mas fatos estranhos andam acontecendo. Exemplos: o VAR anula gol interpretando lance de falta, o auxiliar bem colocado não acena o impedimento, enquanto o árbitro mal colocado marca… Se moro na Bahia…
Ontem, conversando com minha “conge”, (é com g mesmo, igual a monge) nós chegamos a conclusão de que se o time “vim” a ser campeão carioca, mesmo “sobre” todas as pressões existentes, estará contrariando a urucubaca que paira na Gávea e no Ninho.
Excelentes suas crônicas.
SRN!
Grande Aureo, chegou a ver a entrevista do Marcio Braga na Fla TV? Que as bruxas existem, existem, como o ex-presidente garante naquela derrota lá para o Serrano… Vale ver e rever.
muito bom, garotão.
SRN!
Genial! Só não repito a frase-símbolo do Carlos Moraes – “Palmas de pé como no antigo teatro Municipal” – porque não pedi licença sobre seus direitos autorais.
Orgulho, mesmo, sincero, de coração (fazendo o coraçãozinho com as mães), dessa troupe de cronistas.
Não tem no mundo – não investiguei, mas posso garantir – um clube com tão excepcionais testiculadores e com olhares tão diversos sobre o time-paixão.
Excelente! Mandou, Dunlop.