Meu pai estava morrendo. Sentado numa cadeira de rodas. Perdendo os sentidos. E eu, ao lado dele, trazendo as novidades do Flamengo. Eu contava tudo. Dos jogos. Resultados. Da política, que ele falava tanto pra eu não me meter nisso – nunca fui obediente – das coisas da arquibancada. Lembro da última vez que isso aconteceu. Quase narrei um jogo para prolongar aquele momento. Tinha vezes que eu inventava resultados e dava títulos pra gente. “Oi, pai, cheguei. Sabia que o Flamengo foi campeão do mundo de novo?” Ainda acho que nessas horas ele esboçava reação. Mas era o meu coração de filha querendo prolongar a vida dele. Uma coisa que eu ia adorar ter contado foi uma cena que VIVI semana passada. Descendo a rampa do metrô, uma ambulante empurrando o carrinho de bebida na minha direção, me olha, e diz: “Não mereço, mas agradeço. Obrigada, Flamengo.” Fiz daquela explosão de alegria, minha prece, quando entrei no Maraca e vi um gol de bicicleta. Vi os moleques. Vi a vida. Vi o povo de novo.
Dias depois acordei com uma ligação da minha mãe: “Vivinha, pega um calmante. E liga a televisão. É coisa do Flamengo.” Ali, diante de uma tragédia, impotente e devastada me lembrei da prece. Não merecemos. Ponto. Não passei daqui. Mas, o Flamengo me escolheu primeiro. E ao nascer eu tenho tentado retribuir tanto amor. Toda essa história de amar o Flamengo só faz sentido se eu puder ser mais amor, ser presença, dar apoio. Não merecemos. Mas agradecemos principalmente as manifestações de solidariedade dos nossos adversários. A Nação ficou ainda mais plural. Misturada. Fortalecida. Pelo AMOR ao Flamengo, ao futebol, aos NOSSOS meninos.
É assim que aprendemos a lidar com eles: NOSSOS meninos. Não eram só os garotos do ninho. Eram NOSSOS. Quem acompanha as categorias de base, sabe. Tratamos de nossos. Chamamos de futuros craques. Damos esporro. Cornetamos. Defendemos a permanência. Pedimos para vender. “Negociamos”. Por isso, fiz a prece. São Judas, recebe eles aí. Dá um abraço. Deixa eles perto do meu pai. Faz festa no céu rubro-negro pois a base vem como? FORTE. O Flamengo é de acolher. Vamos apoiar as famílias, vamos cuidar dos que sobreviveram, vamos fortalecer nossos meninos que ficaram para reescrever uma nova história em suas vidas. E nas nossas. Eu não tenho resposta para a tragédia, nem para o questionamento de um amigo especial que me perguntou se DEUS existia diante de tudo aquilo. Respondi que SIM, à luz da minha fé. O Seu querer para a vida humana é sempre a vida, e vida em abundância. De Deus não nascem tragédias. Por isso precisamos de respostas técnicas, de alvarás, de responsáveis, de nomes, de gente que coloque a cara, bata no peito, assuma, exigimos explicações concretas para o que aconteceu.
Rubro-negro foi feito para resistir. E sonhar. Como nossos meninos que sonharam um sonho sonhado de jogar no Flamengo. Por isso leia em VOZ ALTA essa parte do texto. Grite por eles como fazemos no Maracanã: Athilaaaaaaa, Athilaaaaaaa! Arthur, Arthur! Bernardo, Ber Nar Do! Christian, Christian! É Gedson, É Gedson! Joooorge Eduardoooo, Joooorge Eduardoooo! Pablo, Pablo! Rykelmo, Rykelmo! Ih, fudeu o Samuel apareceu! Ô Ô Ô Ô, Vitor! Ô Ô Ô Ô, Vitor! Hoje eles são um por milhares, milhares por um. Como livres raios riscando os espaços. Falso sonho que eu sonhava. Ai de mim. Eu sonhei que não sonhava. Mas sonhei. Como eles. Eu sonhei.
Pra vocês,
Paz, Amor e Descansem em PAZ NOSSOS meninos.
Parabéns vivi, li e reli me emocionei como da primeira vez.
Obrigado Vivi!
O Fla Flu mais lugubre da história.
Sempre incisiva com toque de suutileza….
Um assunto tão doloroso.
Um abraço comovido, Vivi. Desde a tragédia as lágrimas rolam com curtos intervalos pra hidratação.
Tristeza profunda e indignação raivosa se misturam numa velocidade tal que me joga na cama.
Insisto no ponto que publiquei no Mauro Cezar e outros sites: Não é a instituição C.R.Flamengo que tem que ser penalizada (isso seria o mesmo que punir seus torcedores, os únicos puros nessa história trágica), mas sim seus dirigentes, a começar pelo Bandeira e seguido pelo Landim.
O primeiro por não ter feito a transferência dos meninos pro CT já a mais tempo, especialmente porque os jogadores profissionais com seus salários milionários e suas mansões cinematográficas não precisam.
Os meninos deveriam ser prioridade numa administração que se orgulhava de ser clube cidadão.
Se fosse – clube cidadão – os meninos teriam, por obrigação dos dirigentes, que ser encaminhados diretos pro CT com pompa e circunstância – afinal, são o futuro.
O Bandeira não deu bola, não levou em consideração e não deu a atenção necessária que os garotos precisavam.
O Landim seguiu na mesma toada.
E o resultado é esse horror que nunca, NUNCA, vai ser apagado de nossa memória.
Um amigo flamenguista do Mauro Cezar, numa brilhante ideia, sugeriu a refundação do clube.
Começando do zero, mudando o nome para Clube de Regatas Flamengo (sem o “do”, que, acho, se refere à praia).
Eu seria mais abrangente eliminando a regata, que só conta com a torcida dos parentes dos remadores e consome uma verba sem retorno, e os esportes olímpicos, deixando apenas o basquete e o futebol.
Mas a mudança mais importante seria eliminar esse horrível símbolo do urubu, bicho feio comedor de carniça e símbolo de coisas ruins.
Trocaria pela Águia, um dos mais belos animais, símbolo da visão superior.
Como não há tristeza que não possa se aprofundar, sou chocado com a morte do Boechat, o melhor jornalista do Brasil, com sua belíssima voz, isenção absoluta, caráter inatacável, integridade acima de qualquer suspeita, carisma irresistível e capacidade de comunicação inigualável, a quem eu ouvia todas as manhãs na Band News.
Só resta aos profissionais do futebol ganhar todos os títulos deste ano jogando pelos meninos.
Menos que isso, não dá.
E que tanto Bandeira quanto Landim sejam punidos exemplarmente, sustentando, dos próprios bolsos, essas famílias até o fim dos dias.
Mesmo assim, não haverá indenização que pague.
Foi muito duro, o nosso grande Rasiko.
Cá entre nós, duro mas totalmente correto, sobretudo em relação ao Bandeira, pois o Landim , quero crer, deu azar, chegando na hora exata do estopim.
Li, há uns quatro dias, no O Globo, que, em março de 2015 (gestão Bandeira, ainda a primeira), o MP/RJ ingressou na Justiça, na área cível, cabe frisar, contra o Flamengo, pelas PÉSSIMAS CONDIÇÕES do chiqueiro (minha contribuição) destinado aos jovens da Base, que, segundo é alegado, teria condições mais inadequadas que as recebidas pelos menores infratores enquanto recolhidos.
Durma-se com um barulho destes.
Como tudo no nosso País é prontamente resolvido, a mesma reportagem esclarece que, para maio deste ano, está marcada a Audiência de Conciliação, portanto exatos CINQUENTA meses após ter sido ajuízada a Ação.
Melhor, impossível !
Haveroa muito a comentar, mas não quero prejudicar o brilho do comentário do Rasiko.
Tristíssimas SRN
[…] da música de Martinho e ideia com a ideia copiada na cara de pau do texto da Vivi Mariano (clique aqui), venho chama-los a […]
Sonho que se transformou num pesadelo.
Vivi seus textos como sempre maravilhosos parabéns você é show!
Clap, clap, clap!
Que texto lindo, cheio de emoção e de agradecimento pela curta e bela trajetória desses meninos. Que Deus cuide da família de cada um…
Poucas vezes um tragédia deixou-me tão abalado.
Não tenho condições de fazer qualquer comentário.
Descansem em Paz.
Tristíssimas SRN
Eu sonhei