Para que nossa semana seja menos miserável, republicamos um conto de José Pablo Feinmann, escritor e roteirista argentino, apresentador do que talvez seja o único programa de televisão dedicado à filosofia no mundo, o esquisitíssimo Filosofia Aqui y Ahora. Vejam aí o que acham da prosa do rapaz, na tradução marcante de Arthur Muhlenberg. Publicado originalmente em 2016 aqui no portal. E #GraciasDiego.
Dieguito
Segundo seu pai, que talvez o odiasse, Dieguito era decididamente um idiota. Segundo sua mãe, que algo havia aceitado ao quere-lo, Dieguito era só um menino com problemas. Um menino com oito anos que não conseguia avançar nos seus estudos primários – tinha repetido duas vezes o primeiro ano -, taciturno, solitário, que parecia servir apenas para se fechar no mezanino e brincar com seus bonecos, costurava e descosturava, os vestia e os despia, vivia consagrado a eles.
Um idiota, insistia o pai, e um maricas também, agregava, já que nenhum homenzinho de oito anos brinca tão obstinadamente com bonecos e, o cúmulo, com bonecas. Um menino com problemas, insistia a mãe, não sem deslizar uma palavra científica que amparava a excentricidade de Dieguito.: síndrome disto ou síndrome daquilo, algo assim. E não um maricas, contradizendo o pai, mas um verdadeiro homenzinho: por acaso não amava o futebol? Por acaso não ligava a televisão sempre que Diego Armando Maradona aparecia na tela mágica fazendo, precisamente magia, a mais implacável das magias que um ser humano pode fazer com uma bola?
Dieguito deslizava pela vida alheio a estes debates paternos. Levantava cedo, ia ao colégio, cometia ali todo tipo de erros, embaraços ou, sempre segundo seu pai, imbecilidades que logo se expressavam nas estúpidas notas do seu boletim, e depois, Dieguito voltava para casa, se trancava no mezanino e brincava com seus bonecos até a hora de comer e dormir.
Certo dia, um dia em que incorreu no infrequente hábito de caminhar pelas ruas do bairro, presenciou um acontecimento extraordinário. Foi numa passagem de nível. Um poderoso automóvel tentou cruzar a linha com as barreiras baixadas e foi atropelado pelo trem. Simples assim. O trem seguiu sua marcha de vertigem e o carro, feito em pedaços, ficou num descampado.
Dieguito não pode dominar sua curiosidade. Quem dirigia um carro tão bonito? Correu – alegremente? – pelo descampado e se deteve junto ao carro. Sim, estava em pedaços, negro, fumegante e com muitos ferros retorcidos e muitíssimo sangue. Dieguito olhou pela janela e teve a maior surpresa de sua curta vida: ali dentro, um pouco arrebentado, estava ele, o homem que mais admirava no mundo, seu ídolo.
Uma semana depois todos os jornais argentinos dedicavam sua primeira página a um acontecimento habitual: Diego Armando Maradona já estava há 10 dias sem comparecer aos treinamentos do seu time. Houve polêmicas, reportagens com varias personalidades (desde ministros a psicanalistas e filósofos) e conjecturas de todos os calibres. Uma delas se impôs sobre as demais: Diego Armando Maradona havia fugido do país depois de ser atropelado por um trem enquanto cruzava uma passagem de nível com seu deslumbrante BMW. Pra onde tinha fugido? Muito simples: para a Colômbia, para se unir com o ancião e desfigurado Carlos Gardel, que ainda sobrevivia à sua tragédia no país do realismo mágico. Agora, desfigurados horrivelmente, os dois grandes ídolos da nossa história se acompanhavam na dor, na solidão e na humilhação de não poder se olhar no espelho. Eles, em quem havia se refletido o grande país do sul.
Em meio a essa tristeza nacional não pode senão surpreender o pai de Dieguito a alegria que iluminava sem cessar o rosto do menino, a quem ele, seu pai, chamava o pequeno idiota. O que tem o pequeno idiota?, perguntou à mãe. “Não sei” respondeu ela. “Come bem. Dorme bem”. E logo uma pequena vacilação – como se tivesse, demoradamente, lembrado de algum feito inusual -, acrescentou: “Só tem uma coisa estranha”. “O quê”, perguntou o pai. “Não quer mais ir ao colégio”, respondeu a mãe. Indignado, o pai convocou Dieguito. Se fechou com ele em seu escritório e perguntou por que não ia mais ao colégio. “Dieguito não querendo ir mais ao colégio”, respondeu Dieguito. O pai lhe pegou um sopapo e abandonou o escritório em busca da mãe. “Este idiota já nem sabe falar”, lhe disse. “Agora fala com gerúndios”. Dieguito respondeu: “Dieguito não sabendo o que são gerúndios”.
Transcorreu um par de dias. Dieguito, agora já quase não baixava do mezanino. Seus pais decidiram ignora-lo. Ou mais exatamente, esquece-lo. Que se arrebentasse esse idiota. Que apodreça esse infeliz; só para trazer desgraças e fazer papelões tinha vindo ao mundo.
Porém, há coisas que não se podem ignorar. Como ignorar o insidioso, nauseabundo fedor que vinha desde o mezanino até a sala de jantar e os quartos? Que diabo era isso? A quem poderiam convidar para o chá ou jantar com semelhante fedor na casa? Decidiram resolver tão incomodo problema. “Isso”, disse o pai, “é obra do pequeno idiota”. Chamou mãe e, juntos, decidiram empreender a marcha até o mezanino. Subiram a escada estreita, tentaram abrir a porta e não conseguiram: estava trancada. “Dieguito!”, gritou o pai. “Abre a porta, pequeno idiota!” Se ouviram uns passos leves, girou a fechadura e se abriu a porta. Dieguito a abrira. Sorriu com cortesia e disse: “Dieguito trabalhando”, e logo se dirigiu a mesa em que jazia o ídolo nacional ausente. Sim, era ele. O pai não podia acreditar: não estava na Colômbia, com Gardel, estava ali, sobre essa mesa, e o fedor era insuportável e tinha sangue por todas as partes e o ídolo nacional ausente estava despedaçado e Dieguito, com pura obsessão, lhe costurava uma mão (a mão de Deus?) a um dos braços. E a mãe lançou um uivo de terror. E o pai perguntou: “Que está fazendo, grandessíssimo idiota? E Dieguito (secretamente satisfeito por haver sido, por fim, alçado por seu pai aos domínios da grandeza) apenas respondeu:
– Dieguito armando Maradona.
A SUDERJ informa, …
escalação do Clube de Regatas Flamengo: Diego Alves, Isla, R. Caio, F. Luis, W. Arão, Gerson, Arrascaeta, Vitinho, E. Ribeiro e B. Henrique
escalação do Racing: qqq, www, eee, rrr, ttt, yyy, uuu, iii, ooo, ppp, aaa e GOLEM
Ao receber a escalação, imediatamente o Garoto do Placar ajustou-o para…
Flamengo -1 X 0 Racing
E u ia me omitir, aquela coisa entre pessoas que a gente admira e respeita, se não é para elogiar pra que falar, ma s acho o conto ruim. Anedótico e tudo que cheira a anedota que se quer transformar em literatura pega mal. Acho de extremo mau gosto ainda mais como homenagem ao ídolo de todos nós Maradona. Terrir numa hora dessas? Aquele trocadilho final é de doer, estraga qualquer conto, talvez se não fosse tão explícito e deixasse nós, leitores, raciocinar, seria melhor. Lembrou-me uma certa época das piadas com “moral da história” que virou febre por aqui, com trocadilhos infames, “não confundir o balde do gari com garibaldi”, “peru de fora não se mama em festa”, “o quadrado da puta lusa é igual a soma do quadrado dos cadetes”, por aí.
Concordo com o relator, não achei o conto tão genial quanto o material que costuma aparecer por aqui, nem apropriado no contexto atual. E o trocadilho final é do quilate do que prega que o nome do montador de presépios deveria ser Armando Nascimento de Jesus… De arder, como diria o mestre Nelson Rodrigues…