Em 8 de junho de 2015, dois dias após a final da Champions League, disputada no Estádio Olímpico de Berlim e encerrada com a vitória do Barcelona sobre o Juventus por três a um, publiquei um post aqui no RP&A em que eu fazia algumas comparações entre a maneira de jogar dos times europeus e a dos brasileiros. Para quem torce pelo Flamengo, é gratificante observar o quanto evoluímos; para os torcedores da imensa maioria dos nossos demais clubes, deve ser triste constatar que, se parados no tempo estavam, lá ficaram. Partindo do comentário de um leitor, feito no post anterior àquele, o texto era costurado por alguns versos de uma das mais inspiradas composições da dupla Moraes e Galvão.
Republico agora, para que a gente veja o que mudou, o que segue na mesma – salta aos olhos a revolução provocada por Jorge Jesus e o Flamengo de 2019 – e, acima de tudo, para prestar uma humilde homenagem a um dos grandes craques rubro-negros da história da MPB. Valeu demais, Moraes.
“Desde lá, quando me furaram a primeira bola no meio da rua”
Este é o primeiro verso de “Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora”, gravada pelos Novos Baianos no álbum Novos Baianos F.C. e citada por um dos leitores do RP&A, o Henrique, em um dos últimos comentários feitos no post “Controlar a ansiedade”.
Pelo que entendi, Henrique vive na Suíça – antes de mais nada, prova inconteste de que nosso humilde blog vai longe –, já que ele nos conta sobre Basileia x Sion, partida que decidiu a Copa da Suíça, e se mostra nostálgico de algumas coisas daqui. Entre elas, a bela canção de Moraes e Galvão.
Pois é o seguinte, Henrique e demais leitores: mais do que nostalgia ou mesmo inveja, durante a final da Champions League bateu uma desagradável sensação de quero meu futebol de volta.
“Ô, ô, ô / A vizinha tem vidraças / Tem sim sinhô”, diz outro trecho da letra de Galvão para a melodia de Moraes Moreira.
Tolice ocupar esse espaço e o precioso tempo de vocês para dizer o quanto o futebol brasileiro mudou, e o quanto mudou para pior. Mas também não precisava deixar de driblar, tabelar e quebrar vidraças para se acovardar em busca do resultado – como se o diabo desse jogo fosse uma ciência que se destrinchasse nas pranchetas dos letrados professores, e como se não fossem sábios os ensinamentos do mestre Mané Garrincha: já combinaram com o adversário? Não existe futebol de resultados; o que existe é futebol bem jogado, e ganhar ou perder faz parte do jogo. Claro: quanto melhor o seu time, maiores suas chances de vitória.
Não vou enveredar aqui pelos surrados rumos que todos estamos cansados de percorrer – gestões retrógradas e irresponsáveis, amadorismo, parquinhos, tijolinhos, impunidade, charutos, desmandos, apego desmedido ao poder, tapetões, tenebrosas transações e outras aberrações extracampo que empurram nosso futebol pro buraco. Isso é matéria jornalística, e jornalista não sou.
Também não creio ser possível atribuir tudo à riqueza do futebol europeu: a toda hora perdemos jogadores para a Turquia, e não há santo que me convença que o futebol turco tem mais dinheiro que o nosso.
Assim sendo, a única coisa que me arrisco a fazer é palpitar sobre o que ocorre dentro de campo, e isso talvez explique minha aversão à maioria dos treinadores e minha descrença quanto aos critérios técnicos que infestam o futebol brasileiro desde as divisões de base. Por que nossos times de sub-15, sub-17 e sub-20 têm volantes cabeçudos? Para jogar pelo resultado e ganhar títulos? Neymar não foi campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior, Negueba foi.
“Aos meus olhos / Bola, rua, campo / Sigo jogando porque eu que sei o que sofro / E me rebolo pra continuar menino”
Ao sofrer derrotas inesperadas – evito a palavra “injustas”, por saber que futebol e justiça são água e azeite –, como a da nossa magnífica seleção de 82, o futebol brasileiro deixou de ser menino, envelheceu, encaretou e esqueceu como é que se faz.
As semifinais da Champions League foram disputadas por Barcelona, Bayern de Munique, Juventus e Real Madrid. Peguem o setor de meio-campo de cada um desses times: não há um só cara que não saiba jogar bola. O Juventus (desculpem, não consigo escrever “a Juventus”) não tem o tão cobiçado camisa 10, mas os quatro que povoam o meio-campo jogam demais e foram titulares absolutos das seleções de seus países na última Copa do Mundo. Assim que chegou ao Flamengo, Canteros declarou que seu maior ídolo no futebol era Pirlo e que era nele que se espelhava. Continuo esperando um pouquinho que seja desse reflexo.
Por outro lado, nosso valoroso volante Jonas revelou se inspirar no Ralf. Sim, gente, no Ralf, algo compreensível num contexto em que discutimos se Cáceres é melhor que Márcio Araújo, enquanto o Vasco se reforça com Diguinho e o Fluminense contrata Pierre. Que eu me lembre, o último grande time brasileiro a jogar sem um botinudo no meio-campo foi o Santos do primeiro semestre de 2010, com Arouca, Wesley e Ganso. O desatino é tão grande que, na direção inversa à do Juventus, cansamos de ver times grandes escalando quatro cabeçudos na meiúca, o que não há de ser por falta de dinheiro ou excesso de dirigentes incompetentes ou inescrupulosos.
Passamos a conviver pacificamente com esse tipo de escolha (aí está a torcida do Vasco que não me deixa mentir, uivando feito um bando de idiotas quando Guiñazu dá carrinho e leva cartão amarelo), e nossa curta memória parece incapaz de lembrar que já tivemos meios-campos formados por Piazza e Dirceu Lopes, Carlos Roberto e Gérson, Dudu e Ademir da Guia, Falcão e Carpegiani, Zé Carlos e Zenon, Andrade e Adílio. Não sou saudosista e acho saudosismo uma ilusão, pois jamais houve um tempo em que todos os nossos times eram formidáveis. (No primeiro post que publiquei aqui no RP&A, lembrei de um ataque do Flamengo, na década de setenta, formado por Buião, Michila e Caldeira.) Mas, ao menos, a gente chiava e sabia o que era bom, mesmo que o bom estivesse no inimigo.
Tudo na Champions League funciona. A organização, os estádios, os gramados, o comportamento dos jogadores. Alguém viu agarra-agarra nas cobranças de escanteio? Jogador se atirando no chão, quando seu time está ganhando e a placa anuncia que ele vai ser substituído? Simulando contusão para provocar fair play?
Entretanto, pra mim, a cena máxima da final da Champions League aconteceu aos 32 minutos do segundo tempo, protagonizada por Xavi e Iniesta – dois caras que, por jamais terem recebido a tal Bola de Ouro da Fifa, derrubam a credibilidade do prêmio. Sair Iniesta e entrar Xavi foi humilhação demais e cheguei a experimentar um princípio de depressão. Só melhorei ao me dar conta de que o desânimo não era exclusividade minha, e que todos os que gostam de futebol provavelmente estariam com o mesmo sentimento.
Como cantavam os Novos Baianos e bem lembrou o Henrique, só se não for brasileiro nessa hora.
Como estava sem computador, só aqui, agora, fiquei sabendo da partida do querido Moraes com quem convivi em Pituaçu nos anos 70, quando ele ia lá em casa fumar meus manga-rosa e tomar banho na lagoa, disputando com meu cachorro quem mergulhava mais fundo. Vão-se os bons (Moraes, Rubem Fonseca, Aldir na marca do pênalti…) e no banco de reserva só tem pereba. E a cultura brasileira, ó!
Grande Rasiko!
Perfeito. O nível do nosso banco de reservas cultural é de sofrível para baixo.
Como disse Moraes e como lembrou aqui o Maxwel, é o Brasil descendo a ladeira.
Abração. SRN. Paz & Amor. E se cuida.
Acabou chorare,sim o grande MM se foi mas deixou sua grande obra pra gente continuar a (sobre)viver ouvindo-a.E lá vem o Brasil descendo a ladeira,só espero que consigamos subí-la de novo após estes tempos pandêmicos.Que vá em paz e se encontre com tantos outros grandes Rubro-negros na Fla-céu ou Fla-paraíso.
Fala, Maxwel.
E essa porra dessa ladeira não acaba nunca. Tá osso.
Vamos ouvir Moraes Moreira. Vamos ler Rubem Fonseca. Vamos ver Luiz Alfredo Garcia-Roza. E vamos torcer pela recuperação de Aldir Blanc.
Abração. SRN. Paz & Amor. E se cuida.
Mais um texto perfeito!
Muito triste a partida deste grande compositor flamengo.
SRN
Semana pesada, Mauricio.
Moraes Moreira, Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia-Roza. E pra piorar o que já foi tão ruim, a expectativa quanto ao estado de saúde de Aldir Blanc.
Dureza.
Abração. SRN. Paz & Amor. E se cuida.
Em tempos de pandemia, mais uma notícia horrível.
Grande e inesquecível Moraes Moreira !.
Lá no nosso Grupo liderado pelo Bruxo, muito lamentamos uma perda tão sensível.
Ficam as músivas, fica a saudade.
Entristecidas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Pois é, meu querido Carlos Moraes.
No meio de um momento tão ruim, uma semana especialmente dolorosa.
Moraes Moreira, Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia-Roza, e todo mundo na torcida pela recuperação de Aldir Blanc.
Abração. SRN. Paz & Amor. E se cuida.
Belo é preocupante texto. Salve Moraes!
Fala, Marquinhos.
Também gostei muito do seu texto no Instagram. Vou até comentar lá.
Sim, meu amigo, Salve Moraes!
Abração. Paz & Amor. Se cuida e cuida da família.