O resultado do jogo em Porto Alegre não surpreendeu, ele já tinha sido construído nos primeiros 90 minutos no Maracanã. O Flamengo atuou com tranquilidade e, salvo alguns minutos de abafa do time da casa no 2º tempo, teve amplo domínio das ações. Para a torcida rubro-negra, apesar de toda a ansiedade gerada pelo enorme peso dos 35 anos de espera por uma vaga na semifinal da Libertadores, o jogo foi de uma normalidade atroz.

Esse mata-mata poderia ter sido resolvido ainda no jogo do Maracanã com o gol que Gabriel perdeu praticamente debaixo do travessão. Ou na chance cristalina que o mesmo Gabriel desperdiçou com 2 minutos de bola rolando no Beira Rio. Ou no pênalti idiota cometido pelo beque gaúcho no 1º tempo e solenemente ignorado pelo pusilânime árbitro argentino, cujo objetivo principal era não arrumar problema pro seu lado. Mas no futebol as chances não valem nada, a única coisa que conta é o gol. O Flamengo fez mais gols e se classificou com justiça.

Para lamento deste e de muitos outros cronistas que adoram essas papagaiadas, durante o jogo não se percebeu qualquer manifestação das forças místicas habitualmente relacionadas ao Flamengo. Não houve necessidade de superação, sangue ou lágrimas. Não foi preciso que a camisa rubro-negra fosse estendida diante do arco e se transformasse em Bastilha inexpugnável, não houve qualquer registro de intervenções divinas em nosso favor. Quietinho no banco de reservas, São Judas Tadeu sequer foi chamado por Jesus para aquecer.

A classificação do Flamengo em Porto Alegre foi somente a confirmação da evidente superioridade de elenco rubro-negro sobre um adversário que não foi capaz de ameaça-lo durante os 180 minutos regulamentares. A imprensa esportiva, cuja missão é informar, mas também promover o espetáculo, fez o que pode carregando nas tintas para pintar um Internacional com feições de bicho-papão, mas a fotografia do jogo descredibilizou a pintura ao mostrar a realidade: os colorados não tiveram a menor chance.

Mesmo com as grandes atuações individuais de Rodrigo Caio, Pablo Marí, Gérson e Gabriel, o que sobressaiu foi a força do conjunto rubro-negro. Indiscutível que a visão do futebol de Jorge Jesus fez toda a diferença. Hoje, o Flamengo é um time muito mais corajoso do que era há poucos meses. Vai atrás dos resultados sem medo e tem sido bem sucedido justamente por jogar pra frente, buscando o gol o tempo todo. Postura que é, em resumo, o que todo torcedor sonha para o seu time.

Pessoalmente, estou surpreso com a naturalidade com que encarei o fim do jogo. Feliz, sim, mas muito menos emocionado, possuído ou surtado do que julgaria que estivesse. Aos poucos vou tomando consciência do nosso verdadeiro status, entendendo que no atual momento o incrível, o fantástico e o extraordinário seria o fracasso do Flamengo. É uma mudança radical no paradigma que tem guiado os humores da torcida nos últimos anos.

Claro que é muito legal o Flamengo estar de volta ao grupo seleto de postulantes reais ao título maior do continente. Normal que encaremos tal feito como uma resposta aos anos de zoação feroz a que fomos submetidos por conta de nossa incapacidade de ocupar o lugar que julgamos ser nosso por direito. Mas, é preciso que se diga, que nesse vale de lágrimas toda festa vale a pena, mas ainda não ganhamos nada.

O Flamengo, e a sua torcida, tem um mês inteiro para lidar com a pressão de estar a tão somente dois jogos de uma final de Libertadores. Estamos entrando em um território desconhecido, onde nossa vasta experiência adquirida em competições locais conta muito pouco. Voltar as nossas atenções para o Brasileiro, com suas exigências de regularidade e planejamento a médio e longo prazo é uma benção.

Não é o caso de negar a mística e nem de desprezar os poderes parafutebolísticos que são parte indissociável do fenômeno Flamengo. Quero ser campeão da Libertadores outra vez. Não porque estava escrito. Não porque Deus é brasileiro e, por conseguinte, flamenguista. Quero ser campeão da Libertadores porque o Flamengo tem o melhor time, porque joga o melhor futebol. Exatamente como fomos em 1981.

Mengão Sempre