Perdoe, leitor empolgado com o hepta brasileiro de basquete; desculpe, leitora ligadinha na chegada de Jorge Jesus, nosso mais novo candidato a besta ou bestial; este escriba precisa despejar no papel a ideia fixa que assola sua mente, a única coisa séria que o anima no momento: o álbum de figurinhas do Flamengo.
Sim, tal qual o árbitro Leandro Vuaden ligando para a família em Roca Sales enquanto finge conversar com os assistentes na salinha do VAR (apelidados por mestre Muhlenberg de “aqueles ladrões malocados no cafofo de Osama”), peço ao leitor alguns minutos de pausa nos assuntos da bola, para abrirmos uns pacotinhos e falarmos do maior lançamento editorial do século, produzido pelo grupo Panini.
Exagero? Jamais. O álbum do Flamengo é a chicungunha do momento, febre que toma conta da cidade, do país, da Via Láctea. Me contam inclusive que já há uma banquinha, armada não sei bem se na Gávea ou no Passeio Público, onde uma figura lê a sorte do freguês de acordo com o que vem nos pacotes, numa arte adivinhatória recém-batizada de “cromomancia”:
– Hummm. Maestro Júnior. Acidente no trânsito em seu caminho. Use capacete.
– Opa, Andrade. Signo da tromba. Cuidado: esposa enfurecida em casa. Vá daqui direto, sem passar no bar.
– O Nunes! Quer trocar? Digo, vamos lá, só me concentrar. Nunes, ommmm… Vão surgir grandes oportunidades à sua frente, aproveite ou empurre do jeito que vier. Problemas com o Leão, nada sério.
– Fio Maravilha. As figurinhas não mentem: muita gente gostando de você. Quer o meu Instagram?
Papo sério, é realmente um álbum fabuloso, 62 páginas com grandes personagens, taças e imagens marcantes dos nossos primeiros 125 anos de glórias, tudo bem feitinho graças à consultoria de colecionadores e historiadores flamengos. Uma das minhas páginas prediletas é a dos Jogos Memoráveis, que foge das decisões mais óbvias e relembra, para deleite de pimpolhos, papais e vovôs, partidas como o Flamengo x Atlético Mineiro com Pelé de Manto Sagrado, ou aquele Flamengo x Benfica (alô, Jesus) que virou música de Jorge Ben.
Os cromos da Panini, contudo, não foram o único grandioso lançamento da estação. Em fins de abril, cercado de velhas raposas flamengas no bar Paz e Amor em Ipanema, o jornalista Roberto Assaf lançou seu 18º livro – um verdadeiro álbum de figurões rubro-negros. Em narrativas curtas, “Seja no mar, seja na terra” (Edição do Autor) conta as histórias que a História do Flamengo não contava, detalhando a saga de velhos craques, presidentes pioneiros e até de adoráveis perebas, como o becão Donald, certamente o pior zagueiro da nossa história.
Você sabia, por exemplo, que os “seis jovens remadores” do samba-enredo eram, de fato, sete? Que o Flamengo teve dois presidentes ingleses e dois portugueses (alô, Jesus parte 2)? Que urubus e bacalhaus já viram um jogo abraçados no Maracanã, com seus times misturados contra temidos rivais argentinos, como rolou na véspera do Natal de 1955 – em tempos de união bacana que hoje descambaram para ódio, tiros e mortes? Você já ouvira falar do lendário Cândido de Oliveira, treinador português que veio para a Gávea em 1950? (Está na página 179, compra logo o livro, Jorge Jesus!)
Sem a obra de Assaf, jamais desconfiaríamos que a fábula de que o Flamengo foi eleito o clube “mais querido do Brasil” após atirarem votos do Vasco no fosso do elevador não passa de uma bela lenda – como se os vascaínos não tivessem competência para cuidar de suas urnas e votos, humpf. Portanto, não serei cabotino de afirmar que o leitor de “Seja no mar, seja na terra” é mais flamengo que os demais, mas garanto que vai saber mais sobre o Flamengo que o colega de arquiba. “É um livro com potencial para parir outros 20 livros”, reparou um atento leitor.
Eu disse que não falaria de basquete ou da conquista épica contra Franca, no último domingo dia 8 de junho de 2019, mas Assaf me obriga. O jornalista registra em seu livro que o Flamengo venceu, há exatos cem anos, o primeiro campeonato oficial do Rio, e faz um tributo aos ancestrais de Varejão, Olivinha, Balbi, Marquinhos, Deryk & cia.
“Na primeira partida, disputada em 25 de setembro de 1919, o Flamengo derrotou o América por 26 a 19, na quadra do clube rubro”. Que estreia, dá para imaginar? A cesta não devia ter nem rede, e a bola laranja na certa quicava em preto e branco. Diante de mil espectadores, o Mengão venceu a decisão no dia 19 de dezembro – 29 a 23 contra a ACM – com o seguinte escrete: Carlos Santive, Itagibe Novaes, Maroim Marwin, Rizzo Zeth e o capitão Mário Sayão, o Romano.
É como bem escreve Assaf lá pelas tantas: “Daí em diante, o clube começou a caminhar com as botas de sete léguas…”.
Já temos o álbum, vamos completá-lo e desbancar (ou bancar) o Assaf?
Que inveja de vcs que estão no Rio e podem aproveitar essas preciosidades editoriais…belo post Dunlop!
Valeu, Marcos!