Amigas e amigos, atividade na laje. Finalmente faltam menos de 24 horas para o início do maior evento esportivo dos 124 anos de história e protagonismo do Flamengo. Neste exato momento a torcida se divide em dois grupos distintos. De um lado estão aqueles que estão em Lima, no Brasil e no mundo, curtindo o momento único e sensacional de viver o Flamengo numa final de tamanha relevância.
É o povo bem vestido que tá rindo, se chapando, ou namorando, aproveitando até a última gota a oportunidade pra fazer valer a aventura de acompanhar o Flamengo até o mais longe possível. Esses amigos estão com tudo, uns puros de coração que não precisam da ajuda de ninguém. Já são todos campeões. Todos príncipes.
Por isso vamos nos concentrar no segundo grupo. Que hoje é o meu fechamento. São aqueles que estão em Lima, no Brasil e no mundo, curtindo o momento único e sensacional de viver uma final de tamanha relevância. E também aproveitando até a última gota a oportunidade pra fazer valer a aventura de acompanhar o Flamengo até o mais longe possível.
Mas entocados em nossos quartos, suítes, muquifos, caxangas e covis, com os órgãos vitais numa mão e um mouse ou celular na outra. Se intoxicando de Flamengo, fazendo alucinadas previsões do futuro e compartilhando poucas certezas. Como a morte, o cobrador de impostos, gol do Gabigol e de que esta será a noite mais longa das nossas vidas.
Esta que agora nos envolve vai ser a noite em que todos os duendes, fantasmas e bichos papões, seguidos à curta distância pelos cadáveres insepultos de derrotas horrendas, que há anos atormentam pais e filhos da Nação Rubro Negra, darem seu último rolê na intenção cafajeste de perturbar os nossos pensamentos. No pasarán!
Nossa relação com a Libertadores é complicada, todo mundo sabe. Antes de a disputarmos pela primeira vez a Libertadores foi solenemente ignorada pela Nação, à época mais preocupada com avoengas disputas paroquiais. Era o zeitgeist da época.
A campanha de 81, épica, paradigmática e, ao menos pelas próximas poucas horas, definitiva, fez da Libertadores uma obsessão rubro-negra. Não era pra menos, o Flamengo começou a saga esculachando os mineiros do galu em batalhas campais históricas e terminou vencendo, em uma final em três jogos, o futebol açougueiro do Cobreloa e a PM chilena de uma só vez.
O que significa dizer que em 81, o Flamengo não apenas botou a América toda na roda, mas também antecipou em 8 anos uma eleição presidencial do país vizinho e venceu Pinochet. E a Libertadores, desde então, passou a ser no Brasil o objeto do desejo para todos os outros times do país, até mesmo aqueles que já a haviam conquistado.
Apontar a direção a seguir, liderar as massas, estabelecer padrões, criar tendências e colocar o sarrafo cada vez mais alto é o papel do Flamengo. Só que no caso da Libertadores de 81 o Flamengo colocou o sarrafo tão alto que nem mesmo ele conseguiu ultrapassá-lo novamente. O que a memória crítica das Libertadores subsequentes em que nos metemos confirma dolorosamente.
A verdade é que as Libertadores de 1982, 1983, 1984, 1991, 1993, 2002, 2007, 2008, 2010, 2012, 2014, 2017 e 2018 foram todas trágicas. Posto que trágicas são todas as Libertadores que o Flamengo não conquista. Hoje, de volta à final da competição faz pouco sentido futucar antigas feridas cujas cicatrizes já perderam há muito o seu certificado de garantia. Houve, é verdade, uns poucos momentos memoráveis, mas relembra-los é absolutamente desnecessário.
A Libertadores de 2019 é uma experiência totalmente nova para gerações de rubro-negros que nunca tiveram a ventura de ver o Flamengo no topo da América. É esse povo de sangue novo e couro grosso que vai reiniciar um novo ciclo. Em que esperamos rir muito mais do que chorar. Mas para que esse vaticínio se confirme é preciso que os nossos mulambos d’oiro prevaleçam em Lima.
Motivos para desconfiança essa rapaziada não deu. Fizeram durante a fase de mata-mata da Liberta até mais do que deles se esperava. Em seu avanço rumo a final o Flamengo destruiu mitos, encerrou escritas e empilhou corpos pelo caminho com tamanha competência e panache, uma expressão francesa de origem latina significando uma maneira elegante, original e muito confiante de fazer algo que cativa a admiração das pessoas, que acabaram por criar um problema para eles mesmos.
O Flamengo voando forçou de tal forma o envelope operacional que se colocou na situação de transformar uma final em jogo único, a primeira da história da Libertadores, em uma obrigação. Qualquer outro time do mundo já estaria operando em modo conquista só de se habilitar a jogar a partida de amanhã. O Flamengo não.
Depois do 5×0 no Maraca, da redescoberta do Flamengo pelos europeus, as oceânicas multidões bem vestidas levando o time até a porta do avião, a transmissão da partida ao vivo pela BBC de Londres, que não vai mais deixar nenhum torcedor do Liverpool dormir em paz esse ano, e a pacífica invasão de Lima, o Flamengo ficou sem opções. Para o Flamengo, o Rímac, que corta a capital peruana antes de desaguar no Pacífico, se tornou o River of no Return. O Flamengo tem que ganhar das gallinas. É o único resultado possível.
Como qualquer um pode perceber, o talento do Flamengo pra se meter em encrencas só é comparável ao seu tamanho. Agora tem qua ganhar dos caras como ganhou há 60 anos, na primeira vez em que cruzou os bigodes com o River Plate. Coincidentemente em Lima, na Gran Serie Suramericana Inter Clubs, o torneio hexagonal disputado na cidade no início de 1959, um ano antes da Libertadores ser inventada. O Flamengo, sempre muito assertivo ao estabelecer novas relações com seus futuros fregueses, aplicou um 4×1 irrefutável nos então apelidados Millonarios e acabou faturando o festivo torneio.
Desde então já enfrentamos a vasca de Nuñez, nosso freguesão de caderno, 16 vezes. Com 7 vitórias e 4 empates conquistados em amistosos, Supercopas, Copa Mercosul e Libertadores. Tranquilidade, é tudo nosso. Aliás, 4×1 foi o meu palpite no bolão, o placar clássico das vitórias homéricas do futebol brasileiro, estabelecido no México, em 70. Tem uma mandala aí.
A final, que começa daqui a pouco e que poderia ser uma disputa equilibrada entre duas equipes qualificadas, com grandes camisas, tornou-se, devido unicamente ao comportamento excessivamente rubro-negro do Flamengo, em mais um trabalho para que esse mesmo Flamengo Hércules, eternamente condenado a adular e satisfazer os desejos insaciáveis do Rei Euristeu que a torcida do Flamengo tem na barriga. Mas se tá tranquilo não pode ser Flamengo. No perrengue a gente sabe como agir.
Essa Libertadores o Flamengo, por tudo que fez, aprendeu e ensinou, já ganhou. Somos todos campeões. Todos príncipes. Agora só falta vencer o jogo para nós, príncipes mulambos que por 38 anos temos sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, verificarmos que não temos par nisto tudo neste mundo.
Dá-lhe, Dá-lhe, Dá-lhe, Mengo.
Pra cima deles, Flamengo.
#JogaremosJuntos
Mengão Sempre
Aguardando ansiosa a crônica sobre a conquista da Libertadores e Brasileirão…
Alguém pode, por favor, tirar o Arthur da sarjeta pra que ele possa escrever a crônica da Vitória?