Os torcedores rubro-negros esperavam pelo início do Brasileiro 2024 como os gordos esperam a próxima segunda-feira em que começarão as suas dietas low carb. Com muita esperança de sucesso baseada em meros desejos e uma confiança meio exagerada de que “daqui pra frente, tudo vai ser diferente”.
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É até justificável, ninguém em sã consciência assina um contrato de adesão com uma competição que se estenderá por 38 intermináveis partidas ao longo de uma gestação de nove meses ininterruptos que é quase um soco na boca do estômago da vida social de qualquer torcedor, que não respeita horários, compromissos familiares, dias de praia ou de chuva, se não houver uma mínima expectativa de vence-la.
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Claro que como estamos tratando da massa rubro-negra, notabilizada pelo seu otimismo sem peias e pelo desprezo absoluto por quaisquer fatos, estatísticas ou previsões que não indiquem o êxito completo do time vermelho e preto original que é sua razão de viver, somos obrigados a aderir ao esforço governamental de combater a carestia e dar um desconto.
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Mas nem os mais prescientes rubro-negros poderiam esperar que a estreia do virtual eneacampeão brasileiro de futebol masculino adulto, no histórico estádio Serra Dourada em que o esquadrão liderado por Zico em 1981 rebaixou moralmente a galinhada das Alterosas e dali partiu para conquistar o mundo, seria tão bizarra e contrária a todas as nossas crenças estéticas e espirituais.
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Pra começo de conversa o gramado do jogo era de qualidade inferior, o pasto de zebu ao lado da fábrica da Erontex em Cachoeiras de Macacu após uma chuva ácida, uma tromba d’água e umas três queimadas, se apresentaria mais viçoso e propício à prática do futebol profissional. Mas foi nessa superfície imprópria, nivelada na base da marretada, que o Flamengo teve que estrear. Antes fosse o maior dos problemas.
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Bastou que a bola rolasse (força de expressão) para constatarmos que a indiscutível superioridade rubro-negra no cenário futebolístico auriverde é um equivalente esportivo ao dogma da infalibilidade papal promulgado em 1870 pelo Concílio Vaticano. Só vale para questões e verdades relativas à fé e à moral que são divinamente reveladas. Ora, qual é a revelação divina com que a torcida vem trabalhando desde o fim da aziaga temporada de 2023? Sim, isso mesmo, a propalada especialização de Adenor Bachi, o cardeal Tite, em competições de pontos corridos.
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Talvez em jogos num ambiente controlado, em um bom gramado, em horário e clima cristãos, enfrentando adversários disciplinados e valorosos, mas nunca desleais ou violentos, criteriosamente conduzidos por uma arbitragem tecnicamente preparada e sempre justa, o Flamengo de Tite não tenha mesmo adversário abaixo da linha do Equador no campo científico dos pontos corridos. Vã ilusão que logo aos primeiros minutos do problemático jogo se desfez.
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Estamos falando do Campeonato Brasileiro, que a cada edição se confirma como uma competição cachorra, onde vigora o desrespeito às leis e a porrada come solta enquanto os filhos choram e suas genitoras não veem. A estreia do Flamengo se deu nesse contexto de barbárie e desobediência civil. Nem cavalo aguenta essa síntese do Brasil.
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Os atletas em campo, e não livro a cara nem daqueles com contrato de trabalho vigente com o Flamengo, fizeram o diabo. Gastaram uma tremenda energia com faltinhas, provocações, simulações e todas as formas de intimidação aos árbitros e tentativas de conspurcar a essência do beautiful game. No que foram secundadas pelas comissões técnicas e elites dirigentes adeptas dos métodos mais trogloditas para obter vantagens indevidas e permissão espúria para suas malfeitorias. Tendo tanto trabalho para praticar o mal pouca energia sobrou pra jogar bola. O futebol exibido era paupérrimo.
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Em vez do Flamengo Bilionário influenciar positivamente o adversário patrimonialmente mais caidinho deu-se o inverso. O Flamengo varzeou-se, deixou a bola de lado e se concentrou no despropositado concurso com os goianos pra ver quem tinha o piru maior. Disputa inútil que, apesar da vitória do Flamengo, se revelou inconclusiva.
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O preço da primeira vitória rubro-negra no Brasileiro, que valeu os mesmos três pontos que um jogo disputado em condições ideais, foi alto. Vamos deixar de lado, temporariamente, o repisar nas imperícias, barbeiragens e perebices cometidas despudoradamente pelos nossos craques ao longo de uma centena de minutos, que são miudezas, e nos concentrar no que realmente importa.
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A maior despesa do Flamengo foi ver desfeita, logo na primeira rodada, a ilusão que embasava e conferia alguma solidez aos delírios psicopatas de dominação mundial que motivavam a torcida a considerar a temporada de 2024 como o inevitável retorno da Era Flamengo de aço e dominação. Tudo que era sólido se desmanchou no ar, como vaticinou o anticlerical salmista de Trier.
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Ao fim do exaustivo compromisso dominical em Goiânia deu pra todo mundo ver, mesmo sem estar muito a fim, que a rapadura, apesar de edulcorada, não é flácida. E que o Flamengo que habita o mundo real é tão humano como eu e você que lê estas mal traçadas, ainda está muito distante do Flamengo que orbita as esferas celestiais dos nossos desejos e (as)pirações.
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O cardeal Tite que fique esperto, fama, boa reputação e tolerância são coisas que dão e passam.
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Mengão Sempre
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