Pois é, meus chegados e chegadas, o Flamengo de Dome ainda não começou a jogar. Lidemos com isso. Mas aquela massa amorfa no meio-campo rubro-negro ao menos traz um lado bom: permite que a gente continue a falar do Campeonato Brasileiro do ano passado.
Num recente programa “Raça, Amor e Groselha”, exibido no YouTube, o comentarista Mauro Cezar Pereira destrinchava o estilo do Flamengo de Jorge Jesus quando soltou: “A melhor partida feita pelo time na minha opinião foi no Maracanã, naquele Flamengo 5 a 0 no Grêmio.” Uma colocação que ninguém em sã consciência poderia refutar, certo? Errou! Conheço um famigerado torcedor, rubro-negro de entrar de mãos dadas com o time desde a tenra infância, que pode muito bem contestar a opinião maurocezariana. Por dois motivos simples: o primeiro, ele não estava em sã consciência durante o inesquecível Flamengo x Grêmio. E segundo: meu amigo, por increça que parível, e não me venham acusar de imaginação fértil depois, pois meu amigo realmente fez isso: ele passou a semifinal da Libertadores 2019 trancado num banheiro, por livre e espontânea vontade.
(“Ah não, lá vem o cara inventar de novo”. Quem pensou isso, deixe por obséquio seu nome e número lá embaixo na caixa de comentários, pois vou apresentar pessoalmente à figura, vocês não perdem por esperar!)
Toda essa história insana, claro, começa no jogo de ida da semifinal, no dia 6 de outubro, quando Grêmio e Flamengo empataram em 1 a 1 em Porto Alegre. Em seu livro “Outro patamar”, o analista Téo Benjamin resumiria bem o choque entre os rivais na Libertadores, ao reparar que o escrete rubro-negro “pressionava a saída do Grêmio e anulava a participação dos volantes, quebrando o jogo gremista e forçando o chutão. Com 15 minutos de jogo, só se via jogadores do time gaúcho pedindo calma uns para os outros…”
Pois é, meus amigos e amigas, que exibição soberba. Foi, provavelmente, a maior partida da história rubro-negra em plagas sulistas nos últimos 50 anos. Gerson, Rei de Wakanda, parecia que invadia as terras gremistas montado num corcel, tamanho o seu porte, força e velocidade. Os tricolores, atônitos, não respiravam, bufavam. Não jogavam bola, livravam-se dela. Não contra-atacavam, sobreviviam. E o Flamengo, apesar do domínio e do controle, tinha gols anulados por decisões milimétricas, quiçá estapafúrdias, certamente injustas. E tudo, claro, era visto pela TV, as unhas roídas, por meu amigo, isolado em Copacabana, com esposa e bebê de colo, num confortável apartamento de primeiro andar.
Quando a partida terminou, contudo, meu amigo se rendeu ao monstro que andou alimentando ao longo do segundo tempo. Teorias conspiratórias, juízes mancomunados, confederações chefiadas por vilões de filmes do Scorsese, certamente subornados. Seu único pensamento após o fim da porfia, e que ele nutriria ao longo de todo mês de outubro, era: “No Maracanã, eles vão completar o assalto, os canalhas. Estamos perdidos!”
Quando chegou dia 23 de outubro, perdão, o histórico Dia 23 de Outubro, meu amigo já tinha se decidido. Não iria ao jogo. E ia além: não veria o jogo, não participaria daquela farsa, daquele teatro mal roteirizado da Conmebol, onde o Flamengo sempre caía, no fim, apunhalado pelas costas.
Mas, por prever o desfecho, ele precisava ir além: trataria de se proteger não só da dor da eliminação, mas também da chacota dos rivais, já que sua janela no primeiro andar era sempre um prato cheio para os pinguços do bar ali perto, que não se furtavam a berrar as pilhérias cruéis e as chacotas de sempre. Patifes! Mas dessa vez eles não o pegariam.
E foi quando decidiu: passaria os 90 minutos do Flamengo x Grêmio não no Maracanã, não na casa dos parentes rubro-negros, não com seu filhote, mas no banheiro. E só ali, no conforto e segurança de seu W.C. velho de guerra, estaria a salvo da dor da eliminação certa.
W.C. Taí, por que não aproveitamos as letras para dar um nome de fantasia ao nosso personagem? Um W. Bem, Walter. E o C… Vamos ver, Carbajal? Constâncio? Não, Caruso. Pronto, Walter Caruso. Meu amigo torcedor, a partir de agora, chama-se Walter Caruso.
E chegou a quarta-feira. Walter Caruso (não é necessariamente o nome verdadeiro) de fato rechaçou toda e qualquer companhia. Recusou até mesmo um ingresso do Maestro Júnior, de quem é próximo há décadas, e preparou seu cativeiro. Mandou vir um engradado do bar do Paraíba, botou as ampolas num isopor perto do bidê (depois de descartar botar cerveja e gelo no próprio bidê) e deu o aviso geral: “Me esqueçam! Estarei no banheiro! Não me telefonem. Não me digue nada, não me conte nada!” E se trancou. Nunca a expressão “virar a chave para a Libertadores” fez tanto sentido.
A última cena que viu na TV foi o time no ônibus, a desembarcar no Maracanã, e foi para o banheiro. Ah, mas faltava um detalhe. Um detalhe crucial para o sucesso da noite sinistra. Walter Caruso percebeu, ao fechar a janelinha basculante, que continuava a escutar o barulho da rua. Só fechar as portas e janelas, que diabos, não adiantaria. Ele continuaria a ouvir o vizinho tricolor berrar “gol”, “chupa mulambada” e coisa pior. Tratou, assim, de se equipar para a guerra final. E pegou o velho aparelho de som.
Pronto, com o som na tomada, bem posicionado na pia, Walter estava pronto. Que viesse a eliminação mais injusta de sua sofrida vida de rubro-negro. Checou o celular, sua única janela (aberta) para o mundo exterior, onde espiaria o resultado de tempos em tempos. E sintonizou nas ondas da radiola a estação 103.7. Antena 1 Light FM.
Say you, say me
Say it together…
Naturally…
Bola rolando, Walter suando, e tome uma cervejinha para hidratar. Era óbvio o que estava acontecendo. O Grêmio chutando bola pra nossa área, batendo feito loucos nas nossas canelas. Cafajestes!
Walter não resistia, e espremia o site globo.com, atualizando de três em três segundos para ver se o Flamengo surpreendia. O primeiro tempo devia estar para terminar, safados! Ele então aumentou o rádio no volume máximo:
“She says, hello, you fool, I love you
C’mon join the joyride
Join the joyride…”
E a verdade é que estava inspirado, tal qual um Everton Ribeiro de fones, o disque-jóquei da rádio. Roxette, Phil Collins, George Michael e outros clássicos de elevador iam se sucedendo sem refresco. Foi quando Walter leu, ainda na primeira etapa, aos 42 minutos:
“GOOOOOL! É de BRUNO HENRIQUE!! O atacante do Flamengo puxa contra-ataque pelo meio e abre para Gabriel, que entra na área e bate cruzado. Paulo Victor espalma e o próprio Bruno Henrique empurra para o fundo do gol!”
O que você faria, leitor humildão? Sairia correndo do W.C.? Pularia pela casa? Balançaria as partes na janela para a turma do bar do Paraíba? Calma, se contenha. Você tem que se ligar que a teoria conspiratória já o dominava. O monstro já o engolira, leitor. E o desespero aumentou: “Agora é que esses patifes vão nos ferrar. Vai ser feito em Porto Alegre, eu já sei! Vão arrumar um penal no Cebolinha e seremos eliminados nos pênaltis. Nos pênaltis! Canalhas! Eu não vou aguentar isso…”
Walter desandou a beber com o roteiro que traçara, largou o celular e tentou aumentar o som. Agora seria capaz de cantar, até de sapatear se fosse preciso, para não escutar mais nada. Qualquer som seria o empate roubado. E ninguém ali para consolá-lo, a não ser Phil Collins, o eterno batera do grupo Genesis…
“…We’re two hearts!
Believing in just one mind
Beating together…”
Encolhido no trono, quase a chorar, Walter lamuriava, xingava, bebia outros litros de cerveja, já não achava o celular, não queria saber de nada. Só o que lhe restara era amaldiçoar a tudo e a todos, maldizer o dia em que torcera por Renato Portaluppi, o dia em que aplaudira Léo Moura e assim ia, quase a chegar, ó vida, no dia em que se tornara Flamengo, o time que nos mata, nos maltrata, por que Deus? Por qu…
– TOC, TOC, TOC!
– Quem é?! Me deixa aqui! Não me conte nada, não me digue nada!
– Waltinho! Não está acompanhando aí pelo celular?
– Acho que quebrei o telefone, caiu na pia ou na privada… Que houve?
– Ô seu doido! Está a maior festa no Brasil inteiro. O país virou vermelho e preto. Gabigol fez dois e está 3 a 0, fora o baile! Abre essa porta…
– Festa? Brasil inteiro? Tá me enganando não, né…
“Freedom!
(I won’t let you down)
Freedom!
(I will not give you up…)
Freedom!
…You’ve gotta give for what you take…”
Quando abriu a porta, ainda conseguiu espiar o Pablo Marí comemorando o quarto gol.
– É replay isso? Ih, 4 a 0? Ai, Jesus… Amor, acho que bebi muito. Banheirinho da sorte porreta, né?
E dormiu, para só acordar no dia seguinte, com a mais doce das ressacas – ele e a torcida do Flamengo, obviamente.
O que esperar do Flamengo x Grêmio de logo mais? Bem, que não seja jogo de nos trancarmos no banheiro, por favor. E que Phil Collins nos inspire, para que o time seja 11 corações, com apenas um objetivo na mente.
Toca a música…!
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Esse maluco existe, caros Walter C, Alessandro e demais céticos. É gente boa, não morde (ainda). Ouvimos essa história doida do próprio e da (santa) esposa. Mas a crônica supera
A história é mais do que verídica, e aliás, não so soube essa história pelo Walter, como também estava com ele contra o Grêmio na última partida do Brasileiro de 2009, como na final da Libertadores (que ele perdeu o voo pro Chile e viu de casa) e do Mundial. Juntando a final de 2009, com a final da Libertadores, da uma bela trilogia. A de 2009, tenho fotos e vídeos da casa dele, e do BG, ele andando ajoelhado e rolando na grama da Praça Santos Dumont “pagando promessa”.
Aliás, adianto que o Fla so virou o jogo contra o River porque ele não só estava em casa, mas tinha acabado de sair do banheiro pouco antes do segundo gol!
Impossível essa história ter sido real, ninguém é tão doido assim.
Que criatividade!
Nos ajuda a lembrar (ou não) desse jogo inesquecível.
Muitos mais banheiros em nossa vida!
Parabéns!
Não sei pra que você ainda fica perdendo tempo imaginando coisas. Faz um livro de crônicas desse tal WC que você vai vender mais que o Veríssimo!
Ideia anotada, caro Eduardo. SRN
PQP …simplesmente isso.
P Q P… simplesmente isso.
eu concordo com esse maluco que disse que a partida de porto alegre o flamengo jogou melhor.
SRN !
Dunlok você realmente é foda, não sei se é verdadeira ou mais uma na conta da sua imaginação fértil, seja como for, sempre é bom ler suas histórias que nos fazem rir, refletir e questionar.
Como é ótimo ser flamenguista e saber que tem uma nação que ama e segue religiosamente o Flamengo assim como eu.
Que alegria constatar que a boa crônica ainda vive no Brasil, e vem sendo muito bem tratada, pelo que se lê.
Grande texto, Dunlop. As grandes partidas são jogadas no gramado, mas são eternizadas nas letras. Com textos assim.
SRN.
Valeu, grande Ogrão!
Caralho, nessa parte “– Ô seu doido! Está a maior festa no Brasil inteiro. O país virou vermelho e preto. Gabigol fez dois e está 3 a 0, fora o baile! Abre essa porta…” eu vivi novamente aquele dia e enchi meus olhos de lagrimas. Pqp, texto foda.
Sensacional, Dunlop. Que imaginação! Vc não quer que a gente acredite que esse maluco existe, né…