Fica muito difícil pro torcedor do Flamengo se comportar de acordo com as regras da etiqueta esportiva se o mau exemplo vem de cima. Como ser olímpico, altivo, ponderado e pragmático, priorizando o que é essencial e abrindo mão do que é acessório se o time do Flamengo, numa atitude no mínimo indisciplinada, é o primeiro a bagunçar o planejamento?

Num momento em que todas as atenções da Nação deveriam estar voltadas para a traiçoeira fase de grupos da Libertadores, onde já nos perdemos mais vezes do que o nosso tamanho permite, o Flamengo transforma um campeonato Carioca café-com-leite como nunca que se viu num desafio seriíssimo à manutenção do seu destino manifesto de passar o rodo geral.

O que era apenas um campeonato rural semiclandestino sem maiores atrativos, com suas partidas mal sendo transmitidas, disputado preferencialmente pelos crias e aspiras, é agora seminal para que o Flamengo conquiste o inédito, até alguns anos inimaginável, Hexa TRI do Campeonato Carioca. Que inconveniência.

Não interessa que o Flamengo lidere com tranquilidade o seu grupo na Liberta, esse não é o momento ideal pro Flamengo dividir sua atenção em duas competições. O time segue em desenvolvimento, ainda precisa de muito trabalho nas atividades defensivas. Mas com um TRI Carioca em jogo, com que moral se pode pedir que o Flamengo priorize a competição continental?

Por isso o torcedor do Flamengo sofre. Quer ser bom, justo, focado e humilde, mas o Flamengo não deixa. Todo dia infernizando a vida da massa, colocando caraminholas de grandeza e hegemonia na mente da rapaziada. E o que nos resta são churrascos e chopadas extemporâneas. Mas se tá ruim pros calmos, imagina pros cornetas.

Se não dá pra ir perturbar no estádio, o mínimo que um corneteiro espera da vida é a oportunidade de melhorar o Flamengo através da crítica e do diálogo unilateral. Mas o corneteiro rubro-negro vive uma fase de horror, sendo obrigado a engolir um time desgraçadamente bom demais para que se reclame de algo. Os caras ganham tudo, goleiam tudo, sem a menor humildade, sem nenhuma dificuldade. É o bastante para que os oba-obers, sempre bobões, ocupem o lugar de fala originalmente pertencente aos corneta.

É muito ruim pro Flamengo quando a torcida se torna um exército de yes-men, ávidos para aplaudir tantos acertos e bolas dentro. O corneteiro é o sal da terra, que com suas críticas, sempre construtivas, mas geralmente desmioladas e baseadas em achismos idiotas, traz o time de volta à realidade. É a corneta que faz o Flamengo humano.

Hoje, nesse cenário de desolação sanitária, ausência de torcida e glória, resta ao corneteiro à crítica ao que é intangível, imaterial, etéreo. Contra o Volta Redonda o Flamengo voltou ao seu fardamento canônico, com calções brancos e meias rubro-negras a escoltar o Manto invencível. Mas aí o Gabigol fantasiado de capitão vai lá é perde o cara-ou-coroa. Que vacilo! O Flamengo foi obrigado a jogar uma semifinal, uma semifinal no Maracanã, atacando pro lado errado. Torcida infeliz, não tem um minuto de paz.

Aí a bola rola e é aquele passeio, o Flamengo oprime o adversário em seu próprio campo, toma conta de todos os espaços e sai do primeiro tempo já com a obscena vantagem de três gols. Marcados pelo sempre eficiente Gabigol e pelo atleta Michael, um dos destaques da campanha do Flamengo no rural. O segundo tempo não é diferente, domínio indecente dos rubro-negros, com gol de Vitinho, outro líder da campanha no regional e a entrada de vários jovens moleques pra já ir pegando o gostinho de jogar partidas decisivas.

O resultado é o Flamengo partindo pra mais uma final do Carioca. Em busca de um TRI inédito, que infelizmente, destruirá o belo e frágil Bi Campeonato conquistado ano passado, que combinava incrivelmente bem com o BI de 1920-1921. Mas é assim mesmo, vão-se os anéis e ficam os dedos, rumo aos TRIs.

Mengão Sempre