Para um time que na presente temporada só tinha jogado com o Madureira até que o Flamengo foi bem contra os sem-mundial. É verdade que o futebol apresentado pelo Flamengo ficou muito aquém do que a lógica e a estatística, entre outras ciências exatas, prenunciava. Mas é preciso ponderar que o estilo do futebol dos sem-copinha, um kick and rush com muitas influências do jogo de totó, não chega a ser um desafio técnico/tático que motive os rubro-negros a darem o seu melhor.

Aceitemos que a vergonha por não ter vencido um adversário tão inferior o Flamengo passou. Vergonha parcialmente amainada pelo soerguimento da segunda Supercopa consecutiva, souvenir condenado a ser em breve esquecido e juntar poeira entre a prataria empilhada nos abarrotados depósitos de taças da Gávea.

A nossa tradicional galeria de troféus lacustre, chiquitita pero cumplidora, foi descontinuada em 2010 para ser substituída por um museu que nunca abriu suas portas e para o qual já fizeram uns três lançamentos de pedra fundamental. Mais uma vergonha. O museu do Flamengo parece o cemitério de Sucupira.

O fato a se destacar é que Flamengo não conseguiu cumprir com a obrigação de não perder ponto para time pequeno. É a segunda vez que isso acontece em menos de um mês, deixamos dois pontos de bobeira lá em Bacaxá no empate com o Boa Vista. Apesar de nem serem os mesmos jogadores o motivo dos dois resultados ruins foi o mesmo: o Flamengo perdeu o meio-campo.

Talvez perder seja um termo muito forte, mas o simples fato de não ter exercido aquele domínio indecente e assumido o comando das ações durante os 90 minutos regulamentares já é um indício de que a meiúca rubro-negra, naturalmente inclinada para o despotismo esclarecido, não estava em um dos seus melhores dias.

Meias armadores são bichos esquisitos, todo mês sangram. Gérson e Everton Ribeiro, certamente pela convivência intensa no CT após o fim das férias, emparelharam seus respectivos ciclos uterinos e foram ao campo os dois de chico. Faz muita falta a presença de mais mulheres na comissão técnica. Atentas aos detalhes e soróricas por natureza, as minas perceberiam esse problema dias antes do jogo e saberiam como neutralizá-lo adequadamente.

Pela falta de mais mulher no CT, de Gérson e de Ribeiro, acabou sobrando para Arrascaeta a tarefa de planejar, dirigir e executar todo o serviço do Departamento Criação do Flamengo sozinho. Ainda bem que, além dos seus infinitos recursos técnicos, Arrascaeta é cabeção, tem bilhões e bilhões de neurônios para queimar e não é daqueles que regulam a mixaria, sempre põe tudo pra jogo. Segurou o pagode sem vacilar, sem se exibir, esbanjou categoria e proporcionou genuíno deleite aos apreciadores do belo esporte enquanto esteve com a bola nos pés.

O gol que o uruguaio fez pra colocar o Flamengo em vantagem, ainda no primeiro tempo, foi assombroso, transcendente. Arrascaeta não se restringe à bidimensionalidade do quadrilátero relvado, ele entende que o campo de jogo é uma estrutura dinâmica que altera sua geometria em combinação com forças físicas e mentais exercidas pelos jogadores. Como explicar, sem o auxílio do mumbo-jumbo da neolinguística, o que aconteceu no minuto 48 do primeiro tempo?

Arrascaeta recebe uma bola de Bruno Henrique próximo ao bico esquerdo da grande área. Domina, dá dois passos por dentro na área e volta a sair do agrião sob o olhar assustado e respeitoso da defesa porcina, onde um maluquinho recua com os braços pra trás, como quem fosse conversar com o juiz depois de um cartão. Arrascaeta ajeita o corpo, e como um David Copperfield de Nueva Berlin, olha para o lado direito do ataque do Flamengo e faz com que todo o país, defesa do Palmeiras incluída, olhe na mesma direção.

Com todos olhando pra onde ele queria, Arrasca deriva no sentido oeste-leste e com um toque de admirável precisão balística, como se não houvesse uma porrada de jogador na sua frente, joga a menina lá dentro, no contrapé do goleiro porco, que não consegue nem se mexer. E fez tudo isso em exatos cinco segundos. Que artista diabólico é o nosso 14.

Por causa de gols absurdos como esse do inferior Arrascaeta até as mentes mais criativas têm dificuldade em conceber as maravilhas e as façanhas que o muito melhor Rodriguinho deve andar fazendo sabe-se lá onde. Giorgian Daniel De Arrascaeta Benedetti são os 63 quilos de alcatra limpinha mais valiosos do mundo. E são todos nossos.

É claro que ele não joga sozinho e também brilharam em Brasília Gabigol, Felipe Luiz e Diego, que salvou um gol certo dos caras na raça pura. Além, é claro, de todos os nossos cobradores das penalidades, destaque para Vitinho e Michael, que queimaram 40 milhões de línguas que não confiaram nos seus respectivos potenciais. Os que perderam as suas cobranças também, porque isso é do jogo, só perde quem bate.

Até mesmo Rogério Ceni deu sua cintilada na manhã brasiliense, principalmente pela pressão constante que exerce, não sobre os nossos jogadores como fazia Jesus, mas sobre a arbitragem. Rogério é chato pra caralho e perturbou muito o Vuadem. Como quem acompanha morcego dorme de quengo pra baixo, o tuga do porco quis meter uma de brabo pra não ficar pra trás e foi expulso ainda no primeiro tempo. Aulas, crias, aulas.

Mas o único cara que merece dividir a Suíte Champion com Arrascaeta, ouvindo seu Motoradio e curtindo seu jogo de tapetes 3B Rio é o Diego Alves. É desnecessário louvar a proficiência de Diego Alves na catação de penais. O atual destruidor de sonhos alucinados da porcaiada sem mundial e sem copinha exibiu todo o seu arsenal de mumunhas, catimbas e controle da mente com fins hostis sobre os cobradores esmeraldinos.

Quando Flamengo desperdiçou suas duas primeiras cobranças o Guarani da capital teve nas mãos uma vantagem considerável, eram três match points para passar a régua e levar o jarro pra casa. Mas é nessa hora em que se separam os homens dos meninos, os times que já venceram campeonatos mundiais dos times que não, os octacampeões brasileiros dos sei lá que porra de fax aí. Diego Alves entrou na mente dos caras e implantou nelas o germe do medo de fazer merda. Fez os caras errarem quatro cobranças e quando Rodrigo Caio, que estava no erro pelo pênalti estúpido, acertou a sua cobrança tudo voltou ao normal e os deuses do futebol puderam curtir seu domingo em paz.

Estava garantida a manutenção da revoltante média que o Flamengo vem mantendo desde 2019, levantar uma taça a cada 2,8 meses. Não adiantaram nada as repetidas advertências feitas à arcoirizada de que ficar puto é pior. Vagabundo quer morrer e até hoje se rasga inteiro quando explode o canhão de papel dourado e Diego Alves, Everton Ribeiro e Diego, bem vestidos e cheios do tutu no bolso, levantam o caneco da vez. Monótono, repetitivo, previsível? Um pouco, é verdade, mas diante da opção, o que nos resta fazer? Flamengo Bicampeão da Supercopa.

Ganhar Supercopa é legal, mas é só uma Copa Mickey sem Disneilândia. Não se compara ao prazer de ver a massa paulista putanesca, desesperada, chorando e fazendo pirraça em todas as mesas redondas da televisão no domingo gritando: Manhê! O Flamengo me bateu! E segunda-feira tem mais. Tá realmente muito difícil a vida dos não rubro-negros. Força aí, guerreiros.

Mengão Sempre