Muita gente já desistiu desse Campeonato Brasileiro. Uns pela ululante inconveniência da obstinação da elite dirigente do desporto nacional em utilizar o futebol e as paixões que provoca como simulacros de normalidade de uma nação destroçada por um governo anticiência que cultua a morte.

Outros porque o nível do futebol praticado sob a pandemia, que eliminou a torcida e junto com ela tudo que o Campeonato Brasileiro tem de grandioso e fundamental, está muito abaixo do mínimo aceitável em termos de competitividade, emoção e sentido.

E outros ainda desistiram de prestigiar o Brasileiro preocupados com a saúde pública. Não se conformam como a competição está implementando, a la loka, a imunidade de rebanho ao promover contágios em massa nos elencos dos clubes. Uma tremenda e absurda difusão do desconhecimento.

O Flamengo, que infelizmente escolheu o campo do atraso e do negacionismo anticientífico ao promover uma precipitada volta dos jogos de futebol, está sendo punido duramente pelo vírus, que fez pouco caso do afamado e, agora sabemos, inútil protocolo do Ninho do Urubu. O coronga passou o rodo em atletas, dirigentes, parentes, aderentes e xisnoves.

Com a troupe toda baleada e obrigado a enfrentar o porco apenas com os seus cria, o Flamengo seguiu a mais atrasada tradição canalhocrata brasileira e judicializou a sua bronca confiando em encontrar um capa-preta isento disposto a acolher seu pleito injusto. Arrumou uma liminar, que foi cassada minutos antes do horário do jogo começar por outro capa-preta isento e idôneo que só quer o engrandecimento do esporte e a manutenção da justiça.

Não é algo que se comemore, mas foi bem feito que o Flamengo tenha se dado mal em sua chicana jurídico-desportiva. Coisa feia, papel que não condiz com nosso passado impoluto e nosso histórico de lutas pelo bem do esporte. Nossos dirigentes deveriam dar um tempo na autossuficiência e reconhecer, com humildade, que ainda tem algo a aprender sobre a preservação do patrimônio imaterial do Flamengo. Ninguém precisa fazer uma pós-graduação em marketing pra saber que a imagem do Flamengo vale mais do que três pontos.

Assim que os advogados (grandes merdas ser advogado) saíram de cena, às quatro da tarde a bola rolou no chiqueirão. O Flamengo, com sua molecada sub-20 reforçada por Thiago Maia, Gerson, Arrascaeta e Pedro não se intimidou com o time meia-boca que Luxa armou pra iludir a porcada. Encarando sem temor o limitado onze alviverde a molecada rubro-negra confirmou que a base vem forte e que o sofrimento, o recalque e a inveja da arco-íris mal vestida vão continuar pelos próximos anos.

Notem que era dia de São Cosme e Damião, os planos dos nossos formidáveis rapazes era passar o domingo pegando doce. Havia algum nervosismo do nosso lado, normalíssimo diante da situação. Mas havia também um abusado e saudável desrespeito ao status quo e à pretensa superioridade do adversário. Em menos de cinco minutos nossos moleques já estavam à vontade, jogando seu jogo e agredindo o time dos adultos como se fizessem isso todos os dias.

Destaco a segurança da zaga formada por Natan e Otávio, que fecharam a casinha, e claro, o goleiro Hugo Souza, disparado o melhor goleiro da casa depois de Diego Alves. Mas João Lucas, Ramon, Lincoln, veja você, Yuri, Richard Rios, Lázaro e o surpreendente Guilherme Bala também fizeram bonito. Até Jordi, o auxiliar do Dome, desempenhou seu papel direitinho. Longe de mim queimar o jovem Bala, mas percebeu-se em suas arrancadas cavalo louco um estilo que lembrou o imberbe Ronaldo nos anos 90.

Arrascaeta, é um ambidestro mental, usa os dois meridianos cerebrais enquanto joga bola e consegue ser arco e flexa ao mesmo tempo. Dos seus pés saíram jogadas geniais e numa infiltra pela direita serviu o implacável Pedro. O jovem sicário da camisa 21 não costuma perder oportunidades e finalizou o cruze do uruguaio com precisão antes de mandar sua elegante reverência aos torcedores.

Se não fosse um desvio caprichoso num chute sem muita pretensão que acabou entrando na cagada o Flamengo teria somado mais três pontos e levado a porcada ao desespero total. Pra quem tava esperando um massacre o empate já serviu como o fim das ilusões de que eles enfim iriam nos vencer. Claro que se tivéssemos ganho o jogo a procissão de palmeirenses com archotes e forcados até o Parque Antártica para pedir cabeças e escalpos teria sido um final muito mais adequado e divertido do que as constrangedoras desculpas bolsonaristas com as quais a turma de Felipe Melo encerrou a jornada infecto-esportiva pela 12ª rodada do Brasileiro.

O Flamengo, por tudo que aprontou fora das quatro linhas, talvez não tenha mesmo merecido a vitória. Sabemos que mais cedo ou mais tarde a bola acaba punindo as safadezas. Quem sabe esse revés nos tapetões sirva de lição pros dirigentes do Flamengo. Queremos vencer, mas sempre dando bons exemplos de conduta, sem tapetices. Que esqueçam as putarias tribunalícias, elas não cabem no Flamengo.

Faltam 27 pontos.

Mengão Sempre