Para a maioria absoluta de clubes no mundo entrar em crise é um terror, temem as crises como se fossem a peste e por não saberem como sair delas não medem esforços para evitar a menor aproximação. No Flamengo, sempre original e diferentão, dá-se justamente o contrário. Acontece todo ano, mas o fenômeno é mais facilmente observado nos anos eleitorais. O Flamengo tá lá na dele, sendo grande, dominante, favorito de tudo, lindão e ferrabrás como de hábito e de repente, sem motivo aparente, as coisas começam a dar terrivelmente errado.
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Da noite pro dia craques se machucam, se desmotivam ou se aperebam, os esforçados relaxam e os falantes se calam. O time entra em uma espiral descendente macabra, empilha maus resultados, a comissão técnica é questionada, dirigentes dão entrevistas desastrosas, parceiros políticos se estranham, a torcida perde a paciência, o ki-suco entra em ebulição. É justamente nessa hora lúgubre que o Flamengo se distingue de todos os outros.
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No momento em que pares átomos de hidrogênio unidos através de ligações covalentes com um átomo de oxigênio atingem a região do grande glúteo rubro-negro como moléculas de água as reações são imediatas. O Flamengo pisa com os dois pés na crise com tanta força que é como se ela se transformasse em um trampolim onde obtém o impulso pra sair da lama. Para que todo esse complexo processo ocorra em perfeita sincronia a administração do tempo é essencial.
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Não adianta ter medo da crise, desde 1895 que o Flamengo mostra toda hora que as crises são pra ser encaradas com plenitude, sem deixar nada pra depois. No Flamengo as crises não são debeladas, equacionadas ou exterminadas. A crises na Gávea são consumidas até a ultima ponta. Tá ruim perder na Libertadores? Não chore ainda, vamos antes arrumar uma desamizade entre dois dirigentes ligados ao futebol. Tem pressão externa e interna pela demissão da comissão técnica? Calma, calabreso, tá nervoso por que? Vamo perder um jogo pro foguinho miudinho e ficar ligado no calendário árabe porque o contrato do Jorge Jesus tá acabando.
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E assim, mergulhando cada vez mais fundo na crise, nadando nas águas barrentas da discórdia, sempre beirando o precipício, o Flamengo subverte a lógica, reverte expectativas e frustra os prognósticos sobre o seu sempre muito esperado funeral. Aí, diretamente do instável lodaçal, sem escalas ou paradas técnicas em terra firme o Flamengo emerge da crise fortão, cheio de raça, amor e paixão, como se nada tivesse acontecido e nós fossemos todos os dias uma família feliz de comercial de margarina, dizendo bons dias idiotas um pros outros.
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Calhou que o dia de emergir da lama mefítica da crise coincidisse com o jogo contra nossos clientes curicas. Vivendo uma surpreendente e injustificada ascendente no campeonato os maloqueiros vieram ao Maracanã com ideias juvenis. Eles realmente estavam pensando que iam encarar um Flamengo abatido e tumultuado. E devem ter se deliciado durante o aquecimento no gramado ao ouvir a voz tonitruante da torcida do Flamengo homenagear os dirigentes do Flamengo e o técnico Tite com toda a riqueza adjetivatória do nosso belo idioma. Inocentes, sabem de nada.
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O Flamengo com a água batendo na bunda é outra parada. O bagulho fica doido, do porteiro ao ponta-esquerda ninguém quer ver seu sonho de jogar no Maior do Mundo se acabar, menos ainda por falta de disposição. O jogo começou, os primeiros três minutos foram de puro terror pra rubro-negrada, os curica viero pra cima, o Flamengo ficou encaixotado na marcação dos cara e não conseguia sair. Rossi trabalhando logo no inicio do expediente, péssimo indício.
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Mas a pressão dos maloca não durou mais de três míseros minutos, O Flamengo se acalmou, botou o balão no chão e foi tomando conta do brinquedo. Em questão de minutos o jogo virou e era então o ataque do Flamengo que fustigava o goleiro dos caras. A pontaria da rapaziada ainda anda muito descalibrada, mas água mole também fura. Numa grande jogada de Lorran, Pedro meteu um biquinho e contou com o adianto do goleiro curica que colaborou num franguinho muito simpático.
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1×0 no placar e o Mengão continuou dominando a porra toda, mas chegando debilmente ao gol. Uma deficiência desse grupo que precisa ser solucionada o quanto antes, é muito desperdício de oportunidades e os deuses do futebol não curtem isso. A rapaziada tem que chutar e cabecear melhor e isso aí é treino, não tem ciência. Treinem! Mesmo sem transformar em gols a vantagem absoluta na condução da partida o Flamengo parecia outro. Muito diferente daquele Flamengo que há cinco jogos só provocava dor e desespero em sua própria torcida.
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A disposição do time era outra, a sua alegria em estar jogando era evidente. De la Cruz continua o De la Cruz de sempre, patrão absoluto do time, motorzinho ocupando todos os setores do campo e imprimindo um ritmo de competição que o time habitualmente não acompanhava, mas nesse sábado acompanhou. E nessa correria o moleque Lorran, 17 anos de Baby Beef limpinhos, foi o destaque do jogo. E que destaque merecido.
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Armando, marcando, passando e concluindo, Lorran jogou pela primeira vez no time de cima na sua posição original e brilhou. Sem sentir o peso do Manto ou se importar com o bafo pestilencial da crise, o moleque jogou e fez jogar, o que talvez seja o maior elogio que se possa fazer a um futebolista. Além de dar o passe pro Pedro fazer o primeiro gol e assinar ele mesmo o segundo, Lorran ainda se esforçou pra ajudar o amigo Gabigol a sair da inhaca, brindando o camisa 10 com passes açucarados que só não foram pro fundo do filó porque Gabigol tá muito cagado.
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A crise na Gávea, que chegou ao seu camarote no Maraca parruda, cheia de músculos e nervos saiu de lá magrinha, xurriada, no osso. A torcida do Flamengo, 50 mil malucos encarando o sol abrasivo do outono carioca, saiu do ex-Maior do Mundo amarradona. Deu um apavoro em quem devia ser xingado, exaltou quem devia ser exaltado e ainda viu o Flamengo exterminar uma crise e ganhar a moral exigida pro jogo foda pela Liberta na quarta-feira. Serviço completo da Magnética, que tem plena consciência de que sem ela o Flamengo, plunct, plact, zum, não vai a lugar nenhum.
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Bom que a pisa no curica é multiuso. Nos deixa em posição confortável na tabela (não se preocupem com a liderança extemporânea, até o fim da rodada a gente sai dali) empurra os maloqueiros pra pertinho da zona de rebaixamento, afronta a imprensa antiflamenga da ponta feia da Dutra e obriga os vendedores de cerveja e churrasquinho de todo o Brasil a redimensionarem sua cadeia de suprimentos. Eles sabem melhor do que ninguém que o Flamengo na fase boa é bombador de IDHs e que sem planejamento adequando o loja fecha. O Flamengo deu mais uma vez aquela aula de teoria econômica que ensina que as crises são oportunidades disfarçadas.
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Brasileiro é obrigação e o Flamengo sabe que não pode dar mole, mas agora a preocupação tem que ser apenas a Libertadores. O jogo de quarta-feira é definidor. O Flamengo tem que ganhar dos bolívia e, se possível, fazer saldo pra se resguardar de qualquer eventualidade na última rodada do Grupo E. Se ganhar de meio a zero já tá bom demais, mas o ideal era dar nos bolívia a chacoalhada que o se ensaiou contra o chorithians e não se concretizou. Queria poder estar dizendo que menos 3×0 eu nem comemoro, mas é mentira. Se ganhar é pra comemorar de qualquer jeito. Libertadores não é Disney.
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Mengão Sempre
Melhor comprar as passagens para Buenos Aires agora enquanto ainda está barato.
Nos sitezinhos de apostas que dominaram o futebol, quando o Fla estava em sua crise profunda, era o favorito disparado para ganhar o brasileiro. Agora que ganhou uma partida com garbo e elegância, deve estar pagando menos que o valor apostado.