A gente que é Flamengo muitas vezes não percebe como incomoda. Outro dia mesmo, no bar Madrid, o Felipinho gritou lá do balcão para uma clientela bem vestida: “Vocês aí com essa mania de Flamengo pra lá, Flamengo pra cá! O negócio é torcer pro América! América!”. Somos de fato um pouco barulhentos, até para os rigorosos padrões tijucanos.
A coisa se excede ainda mais nos jogos de quarta-feira à noite, essa invenção da televisão quando viram que o programa “Você decide” e outros seriados jamais superariam o bom e velho futebol no gosto dos Zé Poltronas. E quem sofre com isso hoje são os pequerruchos, como a Malu, uma pequena amiga minha.
Dia desses a menina estava brincando numa boa quando alguns gaiatos espoucaram uma série de fogos de artifício, num estrondo tremendo. Malu reagiu rápido, buscando abrigo nas pernas da mãe. “O que é isso, mamãe?”, quis saber, os olhos impressionados. “Não é nada, Malu, é sinal de alegria. Sempre que tem festa ou alguma comemoração nas ruas, o povo faz barulho e lança fogos, com luzes e desenhos no céu”. E Malu voltou a brincar, satisfeita com a resposta.
Passaram semanas, e houve noite de Copa Libertadores da América, o povo flamengo agoniado, e quando a angústia já nos revirava o peito, veio o gol salvador. Rojões, buscapés, malvinas, morteiros e serpentes-voadoras desataram a riscar os céus do Rio, acordando metade da população (a outra metade estava no estádio ou diante da TV). E veio a Malu lá do seu quarto, assustada de novo, com os trovões artificiais que atrapalharam seu soninho: “Mãe, está tendo alegria nas ruas?”
Estava, Malu, se estava. A gente não sabe ainda até quando, mas se depender da gente aqui, a alegria continua.
Só o que sabemos é que não será fácil.
Mas desconfiamos que não vai demorar, Malu. E aí, um dia, vamos poder pensar só em futebol, em todas as alegrias que ele nos dá nos estádios, e não naqueles dolorosos minutos de silêncio, nem nas crianças cariocas para quem de nada adianta correr para as pernas da mãe quando roncam morteiros, explosões e a pólvora grossa que têm vindo de todos os lados.
Um dia.
O Renato Gaúcho deve ter ido pra casa sem qualquer dúvida de quem joga o melhor futebol do Brasil. O Flamengo amassou o Grêmio no 1º tempo e não deixou que o adversário jogasse; no 2º tempo houve mais equilíbrio, com o Grêmio ameaçando duas vezes com defesas espetaculares do Diego Alves. A defesa falhou clamorosamente não cobrindo o espaço do Filipe Luís que tinha se machucado no campo de ataque e não houve ninguém pra isolar a bola ou parar a jogada com falta. Além de Marí e Rodrigo Caio terem o minúsculo Pepê entrar sozinho e concluir o passe do Cebolinha, no único lance que levou perigo junto com a finalização que terminou com a defesaça do DAlves. Com exceção desses 2 lances, o jogador mais perigoso foi engolido pelo brilhante esquema do JJ.
O pior jogador do Flamengo foi o Gabriel. O gol do Éverton Ribeiro foi anulado porque ele, Gabriel, fez uma falta estúpida, absurda e inconsequente no zagueiro do Grémio fora da jogada e sem nenhum propósito, já que não estava participando do lance. Quando fez o gol, que também foi anulado, já deveria saber a essas alturas que atacante só se movimenta em direção ao gol adversário no momento em que, estando focado, vê seu companheiro tocar na bola pra fazer a assistência. O impedimento foi confirmado por um joanete a mais, que não importaria se ele tivesse prestado atenção. E mais uma vez proporcionou uma quizumba com o Cortês sem nenhuma necessidade o que poderia ter custado um cartão. Teve também um lance em que recebeu a bola na esquerda, dentro da área, tendo pela frente só o fraquíssimo Galhardo, a quem tirou da jogada com um toque pra direita, e um enorme espaço tanto em direção ao Paulo Vitor quanto à sua direita e foi incapaz de invadir e concluir como quisesse. Reconheço a grande fase dele, mas, por essas e por outras não estou inscrito entre os maiores admiradores do seu futebol. É muito mascarado pro meu gosto e jogador mascarado pensa primeiro em si mesmo e não no time.
Ou seja, poderíamos ter matado o jogo com, sem exagero, uma goleada e coloco na conta dele a não-vitória que poderia ter sido acachapante diante da espetacular exibição de um time comandado por um técnico excepcional.
Que partida do Arão! Que baita jogador é o Gérson!
srn p&a
Sensacional o texto Marcelo.
Por acaso já teve oportunidade de ler o livro do seu xará Yuca ” Não se Preocupe Comigo” ? Vale muito à pena.
SRN
Ainda não li, Leão. Boa dica!
Que porrada. Boa, Marcelo.
Valeu, Evandro!
Pois é, Dunlop, na prática, em 34 anos, passei rápidos e amedrontados 6 meses no Rio em 1991, quando tive que voltar ao Brasil pra estar ao lado do meu pai nos seus finalmente. Morador da Gomes Carneiro em Ipanema, no 6º andar, de frente pra ladeira dos Tabajaras, meu pai me mostrou o enorme buraco de bala 20 cms. acima do sofá da sala. Dormi na sala de tv e acordei com um tiroteio que, na sonolência, achei que fosse de algum filme da madrugada. Não era. Era vida real. Logo me enrosquei com uma namorada tão carente quanto eu e fui morar com ela no Cosme Velho, embaixo do Cristo. Menos de uma semana depois, descendo pra comprar jornal, tiroteio nas ruas em plena luz do dia, polícia correndo e atirando nos jênios que tentaram assaltar a casa do Roberto Marinho, sobrou bala prum colégio na praça São Salvador, pegaram um dos caras refugiado num prédio dentro da lixeira e executaram o cara ali mesmo. De tarde, no mesmo dia, fui ao Arpoador com um amigo e ficamos imóveis, sem ar, contemplando o relógio digital marcando 41º. Não demorou e o típico corre-corre do arrastão se fez presente. Voltei pra casa e perguntei pra namorada se ela não queria conhecer o interior do interior de Goiás. Foi assim que conheci Alto Paraíso.
Minha infância e adolescência no Rio foram maravilhosas. Quando comecei a fumar maconha ia buscar “a dóla” no morro e o único perigo eram os PM lá embaixo. O máximo de violência eram as brigas de cafetão com navalha na Lapa, porrada no futebol de praia (fui um lateral-direito, no Lá Vai Bola, quase tão pereba quanto o Rodinei – eu disse, quase) e as turmas do Leblon e do Leme se enfrentando às custas de um nariz quebrado aqui, um olho roxo ali e garrafada na cabeça era motivo de reprovação até dos mais exaltados.
Nunca mais voltei ao Rio, que continua lindo, no cartão postal.
srn p&a
Sensacional o relato, amigo Renato. Somos governados, administrados e presididos por pessoas sem o menor bom senso desde os tempos do Lá Vai Bola. SRN!
Desde sempre. No próximo dia 10 completo 75 anos e nunca votei – meu mantra é “Político é tudo farinha do mesmo saco” nada passa pela cabeça desneuronada deles além dos interesses pessoais. Mas vcs, aí no Rio, estão sendo governados por um sóciopata, talvez pior que o Boçalnaro, se é que é possível.