Aconteceu que o presidente do Flamengo estava passeando perto do parque.

Estava feliz – o time vinha embalado, a taça cada dia mais próxima – e ele caminhava com familiares, diretores e outros confrades flamengos, numa rua sem carros, com bares e restaurantes pitorescos.

Foi quando, ora, aconteceu também um pinguço.

Não, eu não estava lá. Era o ano de 2019 e a caminhada se passou num alegre e festivo país da América do Sul.

Quem presenciou tudo, e contou para a gente, foi um célebre torcedor flamengo, membro de uma das organizações fraternais mais antigas da Gávea – mais antenada que a Boca Maldita, mais poderosa que as maçonarias, mais despojada e despida que a turma da barraca do Agnaldo. Refiro-me à instituição filosófica, filantrópica e corneteira conhecida como Fla-Sauna.

A Fla-Sauna é porreta, formada por ex-presidentes, grandes beneméritos, jornalistas, ex-artilheiros, mergulhadores, malas e empenados em geral, em busca de um vapor mentolado na carcaça. O antigo sócio, sentado nos bancos mal pregados da sauna rubro-negra, desfiava sua história de maneira maviosa, afável e magnética, com a prosa de um tribuno clássico – com a argúcia típica de quem foi, por anos, advogado ligado à TV Globo de Roberto Marinho.

Eram bastidores deliciosos, narrados de maneira serena, sem afetação, para uma pequena e jovem plateia. Quieto no banco superior, lá estava o cronista, com suas orelhas largas e berrantes, tal e qual seu short. A audiência sorvia cada palavra, como alunos atentos à aula, uma aula de História. Não, uma aula de Flamengo.

Ali, naquele banco de sauna, já ecoaram os bastidores mais cabeludos sobre o Flamengo. Ouviu-se o Nunes cornetar o faro de gol de Gabigol. E até uma raposa semi-felpuda dizer que o lateral Ayrton Lucas, o Beijoca, com dificuldades de fazer amigos no atual elenco, seria negociado. Na Fla-Sauna, como se vê, ouve-se de tudo. Mas agora a aula era séria, instrutiva. De frente para o janelão virado para a lagoa Rodrigo de Freitas, com a estátua do treinador Buck por testemunha, o professor então recordou:

“A gente caminhava pela calçada, véspera de um jogo decisivo do Flamengo. Foi quando saiu do bar um irmão flamengo, na certa após tomar algumas canecas de cerveja. Ele nos abordou com um sorriso e se dirigiu ao presidente:

– Humildemente, presida, satisfação. Se você me permite, queria abrir meu coração pro senhor. Seu presidente, eu viajei de ônibus para cá. Não tenho um centavo no banco, não tenho bens materiais. Sei que o senhor tem posses, tem empresas, tem funcionários. Mas, seu presidente, vou ser sincero: se o Flamengo for campeão amanhã, você e eu seremos iguaizinhos. Pois me sentirei um milionário feito você!”

Despediram-se e seguiram. Nosso mestre sauneiro, com a verve habitual, espiou o rosto do cartola, pôs a mão em seu ombro e concluiu, amável:

“É isso, meus amigos. Sentar na cadeira de presidente do Flamengo não é gerir planilhas nem administrar um conjunto de quadras esportivas, barcos e bolas. Ser presidente do Flamengo é acordar todo dia pensando na felicidade das pessoas. É cuidar da saúde, da vida e do bem-estar de todos nós, de toda a Nação.”

E saiu todo mundo, levitando rumo ao chuveirão.