Ouvi que Andrade e Uri Geller tinham dado boas risadas com Adílio no hospital, nas vésperas de sua subida, e decidi chegar no velório com o peito leve, a alma risonha. Adentrei o ginásio, já apinhado, e o clima me fez lembrar João Nogueira.

Quase assobiei:

Melhor é viver cantando / As coisas do coração

É por isso que eu vivo no clube da Gávea

Nessa gente bamba eu me amarro de montão…

Uma morena bacana, na porta, me confortou com um santinho de papel barato. Cunhada de Adílio, cheia de boas histórias. Li no papelucho: “Cada pessoa tem de morrer uma só vez”.

Por entre as coroa de flores, me surgiu o jovem batuqueiro Elvis, que deu a deixa: “Espia ao redor. Não tem um jogador mediano. Um bagre sequer! Enterro de bamba é assim: só vem craque.”

Verdade. Se bem que logo depois chegou o Lazaroni.

O Tromba estava arrasado, sentado no banco dos reservas do basquete. Como estava devendo desde 2009, lasquei um abraço no homem.

O Mozer chegou todo de preto, fina estampa, e resumiu o velho amigo com duas palavras: bom trato. Era assim que lidava com a bola. Com os gramados, com as pessoas.

E o povo do tênis? Não tinha quem não lembrasse do Adílio garotinho, que começou a trabalhar como boleiro, a matar as bolinhas no peito e devolver após embaixadinhas.

O Zico chegou e a reportalhada ficou no maior sassarico, num bolinho onde mal se via o Cicero Mello. Ah, aposto que o Galo hoje aparece todo jururu, depois do roubo em Paris e essa porrada agora. Qual nada, o Rei chegou com a mesma simpatia, com histórias de alegria para levantar o moral da tropa. É Rei, não tem jeito.

Uma amiga jornalista lembrou que Adílio quase foi Pelé. Quando molecote, foi convidado a viver o Atleta do Século nos cinemas. O filme nunca saiu e o Adilinho ficou na maior deprê. Melhor coisa que aconteceu na vida dele, pois treinou feito louco e virou craque no Mengo, após pular o muro da Gávea para começar no futebol de salão.

Maestro Junior, tentando se manter durão, estava num canto. Depois ele abraçou amigos, e lembrou que o parceiro saudoso era o melhor dançarino do time de 1981.

Os mais desolados eram velhos repórteres. Leonardo André não conseguia apurar nada. O biógrafo Marcos Eduardo Neves enxugava o rosto: “Ele era a gentileza em pessoa, sempre me agradecia por meus livros”, contou, lembrando que o pequeno Adílio era assistente da biblioteca do colégio, nos tempos da Cruzada.

Raul, Zinho e Roberto Assaf tabelavam, quando um curioso não resistiu. Apertou pela primeira vez a mão do mítico arqueiro, e disparou: “Confere que num treino da seleção para 1982 você se atrasou e mandou ao Telê, que lhe enchia o saco, o bilhete com o conteúdo: VALE UM TREINO”?

Raul: “Não. O bilhete também dizia: PAGO QUANDO PUDER.” Telê, claro, o cortou.

Ri com eles, e segui. Dei uma bitoca no ar na taça do Mundial, afaguei a estátua de bronze postada diante do eterno camisa 8, ali deitado, e me preparei para ir embora.

Olhei então a arquibancada do ginásio, aberto ao povão. Um pessoal da Mangueira, Leblon, Ipanema e da Vila Vintém. Lado a lado, magnatas de camisa oficial, membros de organizadas, bebuns com o Manto Sagrado totalmente desbotado. Luto na favela.

Antes de sair, agradeci mais uma vez a Adílio por ter saído da linha uma vezinha na vida, empurrado pelo Uri Geller, e saltado de banda por cima daquele muro. Seu primeiro grande olé.

E fui pegar o metrô para trabalhar que era melhor ir viver. Mas cantando as coisas do coração.